Medo nas comunidades em áreas de risco é sinal de que pouco foi feito para prevenir novas tragédias causadas pelas chuvas

JC
Publicado em 23/03/2023 às 0:00


A repetição dos transtornos é conhecida da população: quando o tempo fecha e começam os trovões e temporais, as pessoas preferem sair pouco, ficar em suas casas, evitando os deslocamentos em ruas e avenidas alagadas. Muita gente adia compromissos, muda a agenda de última hora, e conta com a compreensão geral, porque os pernambucanos já sabem que a chuva, aqui, é justificativa de mudança imprevista. E quem convive com o risco de vida dentro da própria casa, olha para as nuvens carregadas com angústia, passa noites insones esperando o pior, quando resta a dúvida entre se arriscar permanecendo no lugar em que mora ou buscar abrigo em outro canto.

Nos últimos dias, o medo voltou às comunidades localizadas em áreas de risco de desabamento e alagamento no estado. Na Região Metropolitana do Recife e na Zona da Mata, tristes recordações de enxurradas provocam a tensão coletiva. No Agreste, o inverno teve início precocemente, deixando centenas de desalojados com a força das águas. Na capital, o número de solicitações de lonas e vistorias à Defesa Civil tem aumentado, o que demonstra a preocupação das pessoas com o que pode vir por aí. O estresse em várias cidades, em decorrência da virada do clima, por sua vez, é um lamentável sinal de que pouco foi feito – em alguns casos, nada – desde o ano passado, para evitar a consumação do que chamamos de tragédias anunciadas: os moradores sabem o perigo que correm, os gestores públicos sabem onde são os pontos críticos, a Defesa Civil também sabe, mas tudo continua do mesmo jeito, à espera da próxima tormenta.

A obstrução das galerias e canaletas aumenta o problema enfrentado pela população, ressaltando a falta de investimentos em limpeza e a persistência de maus hábitos pelos cidadãos. De qualquer maneira, a época de chuvas parece trazer sempre desculpas de um lado e de outro, com prejuízos para todos, depois que os alagamentos ocorrem.

Como o medo e as chuvas, a repetição dos transtornos gerados pela baixa capacidade preventiva deve seguir acontecendo, nos próximos meses. Se poucos investimentos de porte, e nenhuma mudança estrutural foram vistos, a única certeza que temos, infelizmente, de reprise dos estragos das chuvas – caso a probabilidade meteorológica de altas precipitações se confirme.

Se o orçamento federal para riscos e desastres é o menor em mais de uma década, segundo a Associação Contas Abertas, os novos governos eleitos no ano passado – federal e estaduais – possuem o dever de buscar soluções emergenciais que se traduzam em medidas preventivas minimamente eficazes. E implantem programas de maior duração com esse mesmo objetivo, para os próximos anos. De sua parte, os prefeitos não podem continuar fazendo de conta que a questão não envolve as gestões municipais.

A população esquecida em seus direitos básicos é a maior vítima das tragédias das chuvas, porque não dispõem, de moradia digna em local seguro. A irresponsabilidade dos gestores de todos os níveis de governo surge clara, quando as nuvens se dissipam após cada enxurrada.

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