Um dos grandes problemas associados ao presidente da República que ocupava o Palácio do Planalto até poucos meses atrás, era a incontinência verbal que provocava polêmicas diariamente, como quem procura um inimigo novo a cada manhã. Mesmo que o oponente escolhido estivesse no governo federal, não importa. O que parecia importar para Jair Bolsonaro era a discórdia realçada, a oposição extrema demonstrada a alguém ou alguma coisa – como às vacinas, no auge da pandemia, quando o mundo inteiro investiu e acreditou na imunização em massa como a salvação possível contra a Covid-19.
A ira nos discursos contaminou parcela expressiva da população, com o bolsonarismo e seu líder perdendo por pouco as eleições de recondução do mandato. Em larga medida, porque a outra metade do país identificou na pregação do ódio e da intolerância um risco à própria democracia, quando os ataques às instituições e seus representantes receberam a imitação do comportamento popular. No entanto, mesmo antes da campanha, a estratégia de radicalização fez estragos do lado de dentro, na gestão federal, graças ao exacerbado negacionismo que atingiu até aliados e servidores públicos graduados.
O bolsonarismo foi corroído vorazmente por seu próprio veneno, possibilitando a melhor chance de vitória aos adversários – que se avolumaram e passaram a se unir, gravitando em torno do candidato do PT, ex-presidente de dois mandatos e dono de uma aura populista capaz de rivalizar com o mandatário que, de tão confiante, sequer admitia a derrota como resultado nas urnas.
Se um parlamentar deve ter decoro para exercer o cargo, respeitando normas de conduta e fronteiras éticas no relacionamento com seus pares e o público, ainda maior é a necessidade na postura de um presidente da República. Seja de que partido ou ideologia for. Desde que assumiu, Lula vem se esforçando cada vez menos para se parecer cada vez mais com Jair Bolsonaro. Basta ver o grau crescente de virulência em suas declarações. Sem freios na fala, espontâneo como o antecedente, e a vaidade do alto de seu terceiro mandato, diz o que pensa e o que deseja, para as câmeras e microfones por perto, onde estiver.
Prestes a completar apenas três meses no posto, Lula não percebe o quanto reprisa o que condenava com veemência em Bolsonaro. Ao atacar, publicamente e sem compostura, um inimigo político declarado, e em seguida descredenciar uma operação da Polícia Federal sob as ordens do ministro da Justiça de seu governo, Lula produziu o maior “fogo amigo” contra si mesmo. Ao fazê-lo, afrontou as instituições, e por tabela, a configuração democrática que depende da normalidade institucional. O desequilíbrio de Bolsonaro virou consenso nacional, e se voltou contra sua reeleição. O destempero de Lula, apontado para o juiz que o prendeu – com a confirmação de várias instâncias até o Supremo Tribunal Federal – instala um tumulto que atrapalha a gestão e reacende o aroma de instabilidade.
Não faz tanto tempo, o presidente afirmou que tinha o dever de fazer um terceiro mandato melhor que os anteriores. Sua responsabilidade é acentuada pelas múltiplas e complexas demandas do povo brasileiro, que merecem o foco da atenção, e do bom senso, de todo o governo.