Ambiguidade sobre a Ucrânia prejudica o Brasil e o presidente Lula

O discurso pela paz sem considerar a natureza da guerra pegou muito mal, tanto para o Brasil, quanto para o líder admirado lá fora
JC
Publicado em 24/04/2023 às 0:00


As declarações que se afastaram do senso comum sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, bem como a aproximação diplomática com o país de Vladimir Putin e com a China, deixaram o presidente Lula e os brasileiros numa posição de ambiguidade que despertou desconfiança no cenário internacional. A postura ambígua é diferente da tradicional neutralidade, pregada e praticada pelo Itamaraty em diversões ocasiões da história da diplomacia brasileira. Mas a premissa do equilíbrio não autoriza a interpretação dúbia apresentada pelo presidente da República, que chegou a culpar norte-americanos e europeus pela continuidade da guerra, bem como afirmar que os ucranianos precisam colaborar para um acordo de paz. Uma nação invadida por outra não dá margem a interpretações, a não ser que se deseje contribuir para a retórica dos invasores.
A manifestação de ucranianos em frente à Embaixada do Brasil em Lisboa, na última sexta-feira, durante a visita do nosso presidente a Portugal, foi uma mostra da repercussão negativa das falas polêmicas de Lula. O governo da Ucrânia condenou as falas, considerando que Lula equiparou vítimas e agressores. A Associação Ucraniana de Portugal reforçou a necessidade de apoio internacional para que o conflito seja encerrado com a retirada das tropas russas. A visão negativa de Putin como líder de um estado terrorista e autoritário foi ignorada pelo presidente brasileiro, na visão de muitos analistas e, também, da parte de admiradores de Lula em terras estrangeiras, sobretudo na Europa. Nesse sentido, o discurso pela paz sem considerar a natureza da guerra pegou muito mal, tanto para o Brasil, quanto para o líder admirado lá fora.
O exercício da vocação para a paz, que conduz a história do Itamaraty, requer do presidente mais reflexão na verbalização de opiniões que podem estar em dissonância com a realidade. O Brasil pode e deve ser um mediador importante, essencial até, na construção da paz na Ucrânia – um país com cidades destruídas e milhões de refugiados além de suas fronteiras, por causa da brutalidade e do ímpeto imperialista da Rússia comandada por Putin. É preciso não esquecer o sofrimento do povo ucraniano, diante de qualquer iniciativa em prol do fim do conflito que dura mais de um ano, após a invasão russa.
Condenar o fornecimento de armas dos Estados Unidos e da Europa para o governo da Ucrânia pode parecer um discurso pacifista, mas não leva em conta o desequilíbrio do poder militar dos russos, uma potência atômica, diante das forças exíguas do presidente Volodimir Zelenski. Sem ajuda externa, a Ucrânia estaria entregue a Putin, e a ordem mundial ainda mais sob risco. A louvável posição antiarmamentista deve cobrar, primeiro, dos invasores, antes de solicitar responsabilidade a quem vai em socorro das vítimas.
Nos últimos dias, o presidente Lula vem buscando desdizer o que disse, para desfazer a má imagem deixada por sua compreensão de uma situação cada vez mais sensível para o mundo. E o mundo e o Brasil esperam o reposicionamento ao lado da sensatez, para que a diplomacia nacional possa colaborar para um desfecho de paz na Ucrânia, o mais breve possível.

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