Exercício aéreo ou preparativo de guerra?

Enquanto isso, a natureza dá um recado que não deixa de ser irônico, diante da perspectiva do estouro de cogumelos atômicos
JC
Publicado em 09/06/2023 às 0:00


Desde os primeiros momentos da invasão à Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, faz ameaças aos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como se avisasse para consequências maiores, na Europa, de uma intromissão bélica direta em defesa dos ucranianos. Sem entrar formalmente na guerra, diversos países, entre os quais os Estados Unidos, têm fornecido armamentos e recursos financeiros para que o governo de Volodimir Zelenski se defenda, e disponha de condições de atacar os invasores em nivelado grau de equipamentos e tropas. Como as batalhas se sucedem e a paz saiu do horizonte, a Ucrânia virou estopim aceso para uma explosão muito maior – talvez do jeito que Putin previa, ou desejava.
Agora, é a OTAN que faz ameaças aos russos. O maior exercício aéreo da história está programado para durar dez dias, a partir da próxima segunda-feira, especialmente no céu da Alemanha, mas incluindo Letônia, Estônia e República Tcheca. Bem próximo, portanto, do território ucraniano, e não muito distante da fronteira com a Rússia. Serão mais de duas centenas de aviões militares de 25 países membros da organização, mobilizados para uma inédita demonstração de força à beira dos limites da zona em conflito. Se a intenção é explícita, qual o objetivo da simulação – provocar mais confronto, assustar Putin e fazê-lo recuar, ou apenas avisar que a OTAN está pronta para consumar a vontade delirante do autocrata ocupante do Kremlin? Neste caso, o compartilhamento do delírio é o mesmo, uma vez que a provocação se dirige a uma potência com vasto arsenal nuclear.
A essa altura da insanidade dos líderes globais, a natureza dá um recado que não deixa de ser irônico, diante da perspectiva do estouro de cogumelos atômicos feito bombas de São João. A nuvem tóxica sobre o hemisfério norte, oriunda dos incêndios florestais no Canadá, ao forçar centenas de milhões de pessoas a permanecerem reclusas, ou precisarem enfrentar o risco de doenças respiratórias do lado de fora, pode ser vista como uma prévia distópica, muito mais branda que os efeitos de nuvens radioativas na atmosfera. Uma espécie de aviso de que algo pior pode estar por vir, por escolha humana, e não, desastre climático – que também não deixa de ser causado pela teimosia do ser humano em bagunçar a própria casa, única morada da espécie, e de toda vida, no universo conhecido.
O propósito do exercício não é oculto. Escancara-se o desejo de transmitir uma mensagem a Putin, como se fosse sensato e oportuno. Os Estados Unidos pretendem, com o recado, inaugurar uma nova era na Europa, com mais treinamento e presença no continente. O que deve reforçar o discurso interno do presidente russo, segundo o qual norte-americanos e europeus querem cercar o seu país, fazendo uso de nações que integravam o bloco soviético. A Ucrânia solicita, desde a invasão russa, a adesão à OTAN, que tem recusado para não ser obrigada, segundo suas normas, a entrar na guerra contra os invasores. Com o exercício planejado para os próximos dias, os aliados de Zelenski dão um sinal do poderio à disposição, caso a adesão se confirme.
Mas pelo ensaio prometido de um espetáculo trágico, talvez nem seja necessária a entrada dos ucranianos na organização.

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