Modos bárbaros de promover a justiça não diferem tanto, ou podem ser até mais violentos que os crimes que objetivam reparar. Em alguns países, a decapitação, o enforcamento, o choque elétrico e o fuzilamento fazem parte do sistema judiciário. E não são apenas governos autoritários que respondem pela inclemência contra a humanidade: nações democráticas não desprezam a alternativa da pena capital, mantendo rituais de julgamento que podem culminar na execução sumária de um condenado. Assim como no passado não tão remoto, quando o sangue derramado valia a vingança consumada na esfera privada, sem a mediação da lei, o Estado contemporâneo patina entre a violência institucionalizada e a defesa fragilizada da não-violência – se o Estado pode ser violento ao extremo de matar, como condenar o crime sem macular a paz? Se uma democracia utiliza os mesmos métodos de força radical que um regime totalitário, nesse aspecto, qual a diferença?
Nos Estados Unidos, há poucos dias, um condenado à morte foi executado de uma forma inédita, por meio de inalação do gás nitrogênio – na prática, por asfixia, com a pessoa sufocando ao nível máximo de sofrimento até perder a consciência e a vida. O método já havia sido criticado pela Organização das Nações Unidas (ONU) antes de ser usado. Para a ONU, a pena de morte assim praticada não difere da tortura. De acordo com um jornalista de TV presente à execução, o condenado teria se referido a “um passo atrás na humanidade” em suas últimas palavras. O controverso expediente, embora seja chocante para os defensores dos direitos humanos universais, não se descola de uma realidade cada vez mais violenta no século 21. A quantidade de guerras e de países envolvidos em conflitos armados este ano já faz com que alguns caracterizem o quadro atual como de prenúncio da Terceira Guerra Mundial – mesmo sem apocalípticos contornos, ao feitio das duas grandes guerras no século passado.
Usado antes apenas para o sacrifício de animais, a inalação de nitrogênio provoca a falta de oxigênio, deixando o indivíduo em contorções até o efeito esperado da pena máxima. No caso dos animais, a sedação é recomendada e efetuada – o que não acontece para os condenados à morte. Sem dúvida, um “tratamento cruel, desumano e degradante”, nas palavras do alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk. A União Europeia, que se posiciona contra a pena capital em qualquer circunstância, também lamentou oficialmente a execução.
No ano passado, todas as execuções realizadas nos EUA foram através de injeção letal. Desta vez, a escolha do método faz emergir não apenas a necessidade desse tipo de crueldade, mas traz de volta o questionamento, sempre acomodado, sobre a adoção da pena de morte numa democracia. De que valem todos os demais preceitos democráticos, quando o uso da força concedida ao poder público dá direito ao cometimento do assassinato legitimado pela legislação? Como se criticar a guerra, em qualquer momento, ou o autoritarismo que cerceia liberdades, ao se perpetrar a pena capital com tal brutalidade?