A condenação unânime em 34 acusações, por um júri formado por 12 cidadãos comuns, parece ter causado impacto no ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A promotoria caprichou na materialização de provas e na participação de testemunhas, enquanto a defesa do magnata, talvez refletindo o seu descaso com o julgamento, preferiu não se aprofundar em elementos e testemunhos pela inocência. O resultado, no primeiro momento, serviu tanto para a campanha de Joe Biden, que tenta a reeleição, quanto para os aliados de Trump, que aproveitaram a unanimidade contra para reforçar a narrativa, assumida pelo ex-presidente, de que é vítima de uma conspiração para retirá-lo da disputa eleitoral de novembro. Não por acaso, sua primeira declaração após o contundente veredicto foi no sentido de desqualificar o júri, o juiz e a promotoria, para em seguida afirmar que o verdadeiro julgamento será feito pelo povo americano, nas urnas.
“Foi só um delito leve”, como disse no dia seguinte, com seu sarcasmo peculiar, pode virar até lema de campanha. Enquanto a Justiça norte-americana se enreda no caso da fraude fiscal, na denúncia de que Trump teria comprado o silêncio de uma amante e seria o pivô de um complô para não permitir a posse de Biden, o sistema político – e os eleitores – ainda não sabem o que pode acontecer antes e depois da votação em novembro para a Casa Branca. Uma das mais antigas democracias da história moderna não conta, em seus fundamentos, com a possibilidade de um presidente eleito, após ser condenado por crimes cometidos. A situação, por mais explorada que seja politicamente, a poucos meses das eleições, gera um impasse de grandes proporções para as instituições dos EUA, que precisam dar uma resposta à altura. O silêncio de uma normalidade que seria respaldada pela legislação omissa pode, de fato, configurar um precedente arriscado para a democracia do país – e de rebote, do mundo inteiro, sobretudo nos países que possuem líderes inspirados no candidato republicano.
A guerra de narrativas, típica de uma campanha polarizada, ganha combustível com a decisão da corte de Nova York. Ao chamar Biden e a Justiça de fascistas, Trump devolve na mesma moeda o insulto que lhe fazem comumente. O discurso da vitimização é uma estratégia política cada vez mais utilizada no mundo, e já vimos esse filme no Brasil, à esquerda e à direita. O problema é quando a vitimização se reveste de ataques às instituições democráticas, na desvalorização das bases da democracia e da representação popular. Pois é por tal vereda que costumam passar os pregadores do autoritarismo e do totalitarismo, que uma vez instalados no poder continuam conspirando contra a democracia, apesar de terem se servido dela.
O tom de golpismo referendado pelas urnas aparece em falas como a de que “o dia mais importante da história será 5 de novembro”, como se a rotina eleitoral importasse menos que a sua eleição – ou quase uma reeleição, com quatro anos de Biden no meio. Mas daqui para lá, o planeta está de olhos voltados para a capacidade das instituições norte-americanas de lidar com a perspectiva de um candidato condenado vencer e governar, detratando as instituições.