Guerra ou regulação
Ataques tarifários de Donald Trump na Casa Branca poderiam desencadear uma reação conjunta, e não isolada, pela regulação do mercado

Com discurso nacionalista reciclado com rompantes imperialistas que lembram séculos passados, Donald Trump deu início ao seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, após quatro anos de intervalo de Joe Biden no posto, revogando medidas dos democratas e querendo impor uma nova ordem mundial. “Fazer a América grande novamente” significa, em termos geopolíticos, restaurar ufanisticamente uma época que ficou para trás, quando o mundo era dividido em dois blocos, liderados por dois países sentados em cima de arsenais de bombas nucleares. Trump quer revogar não apenas leis, mas costumes e compreensões humanistas que representam conquistas dos direitos humanos nas últimas décadas, elevando a maré do reacionarismo e propagando ondas de intolerância e sectarismo nos Estados Unidos e em outros países, com o apoio, desta vez, dos arautos da tecnologia de comunicação, alinhados com Elon Musk e sua trilionária inovação para trás.
Em termos econômicos, no entanto, a volta do magnata ao poder abre uma janela de oportunidade para a articulação global em resposta aos ultrajes tarifários da Casa Branca trumpista. O Canadá e a China já estão buscando na Organização Mundial do Comércio (OMC) medidas para neutralizar os aumentos de taxação anunciados pelo governo norte-americano. A União Europeia e até o Brasil já se pronunciaram diante desse tsunami tributário, mostrando disposição em revidar na mesma moeda, ou seja, elevando os tributos de produtos norte-americanos, caso necessário. Aos poucos, Donald Trump vai conseguindo o que queria – mas talvez não exatamente do jeito que desejava: o isolamento de seu país no mercado global pode levar a aproximações, por exemplo, de outros blocos protagonistas, como dos BRICS e da Europa, em torno de uma regulação à revelia da potência egocêntrica e autossuficiente que Trump idealiza.
O mesmo vácuo da governança global que serve aos propósitos de um autocrata limítrofe ungido pelas urnas, que aspira à proteção do mercado interno ao custo da bagunça da economia internacional, poderia ser fator de agregação, através da evidência de necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos de regulação do comércio global. Para tanto, o inconformismo dos líderes das nações atacadas pelo tarifaço dos EUA precisa superar a visão do revide unilateral, unindo esforços e estratégia para a melhoria institucional coletiva à proteção dos interesses de todas as populações do lado de fora da novíssima ilha norte-americana.
Possivelmente alertado sobre o alcance das bravatas tributárias, Donald Trump reconheceu que os cidadãos de seu país irão sofrer as consequências do que ele anda aprontando além das fronteiras. Depois de apontar os mísseis das taxas para o México, o Canadá e a China, o presidente dos EUA repetiu o mantra do MAGA, afirmando que “valerá a pena o preço que deveremos pagar”. Sem esclarecer onde quer chegar com esse delírio – achatar o resto do mundo? – Trump é o melhor motivo para que os demais líderes mundiais voltem a conversar, em torno de consensos, equilíbrios e sintonias, começando pela economia.