ESPAÇO CIÊNCIA

Espaço Ciência: Ministério Público pede suspensão de doação de terreno e questiona motivação do Governo do Estado

Pedido foi protocolado nessa terça-feira (29) no Tribunal de Contas do Estado (TCE), e pede explicações sobre a doação de uma área de R$ 16 milhões a duas empresas privadas

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 31/12/1969 às 21:00 | Atualizado em 09/12/2022 às 8:48
BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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O Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPC-PE) pediu, nessa terça-feira (29), a suspensão temporária da doação de parte do terreno do Parque Memorial Arcoverde, entre Olinda e Recife, usado pelo Museu Espaço Ciência, para duas empresas privadas. A instituição aponta falta de transparência, erros no processo e risco ao patrimônio.

A representação foi protocolada no Tribunal de Contas do Estado (TCE) e assinada pela procuradora Germana Laureano, que questiona os motivos que levaram o Governo do Estado a ceder um espaço público, cultural e patrimônio de Pernambuco, avaliado em R$ 16 milhões, para as empresas Seacable Serviços de Telecom LTDA e Sea Datacenter Tratamento de Dados LTDA.

A procuradora argumenta que "a alienação de bens imóveis públicos para a iniciativa privada depende de prévia licitação, não podendo haver doação de imóvel público a pessoa que não integre a Administração Pública".

"O que se vê, portanto, é que, apartado de um procedimento transparente de escolha das empresas, o Estado de Pernambuco as está beneficiando, de partida, com bem que, a par do inestimável valor imaterial, tem seu valor material já estimado em R$ 16 milhões", diz o texto da representação do MPC-PE.

A doação de 8.200m² do Espaço Ciência foi firmada por meio da lei de nº 17.940, sancionada em outubro deste ano para a instalação de um datacenter com uso de cabo submarino para velocidade da Internet.

Mas, segundo O MPC-PE, as duas empresas beneficiárias da doação tem capital social declarado na Receita Federal de apenas dez mil reais cada, mas, além de receber um terreno de R$ 16 milhões do Estado, ainda prometem um investimento de 50 milhões de dólares.

Para o MPC-PE, o TCE deve "apurar a regularidade do procedimento adotado pelo Estado de Pernambuco para atração do investimento anunciado, mediante doação de imóvel de inestimável valor imaterial e expressivo valor material, com vistas a apurar o respeito aos cânones da isonomia, da moralidade e da transparência na gestão pública".

O diretor do museu, Antonio Carlos Pavão, tomou conhecimento da doação da área apenas ao receber um e-mail - que, segundo o Governo do Estado, foi indevido - de uma das empresas que seriam beneficiadas, questionando quando os equipamentos que estão atualmente no local seriam removidos.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Diretor do Espaço Ciência, Carlos Pavão - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Na área doada, são desenvolvidas várias atividades de divulgação científica como confecção e lançamento de foguetes, oficinas, observação do Sol. Há equipamentos como o Avião Xavante, maquete do VLS-Veículo Lançador de Satélite, Giroscópio Humano, para atividades de Arvorismo, minifoguete, busto de Santos Dumont, edifício de Apoio, ponte sobre o Canal, pista de aviação, dentre outros.

Pavão afirma não se opor à instalação de cabos submarinos no Espaço Ciência - já que, inclusive, seriam incorporados à dinâmica do museu - mas que jamais concordou com a desocupação de uma parte dele para construção de um datacenter.

"Há muitas outras opções de espaço para a instalação desses cabos. Trata-se de um ato civilizatório respeitar os elementos culturais, por isso, jamais imaginei que precisaríamos defender um local que já é nosso", disse Pavão, durante ato realizado no último domingo (27).

Após o assunto ganhar o debate público, a gestão estadual informou que cederia 10 mil m² do lado pertencente a Olinda do Memorial Arcoverde, onde o museu está instalado, para realocação dos equipamentos presentes na área afetada. A direção, todavia, rebateu que isso alteraria o fluxo no museu.

Outro questionamento de Germana Laureano é sobre o argumento do atual Governo do Estado, em nota oficial, de que o terreno do Museu é "o único" no Estado capaz de atender a instalação do datacenter e do cabo submarino para Internet. O MPC-PE apurou que, em 2021, o Governo do Estado tinha indicado outro terreno para o mesmo empreendimento - indicando que pode não ser a única apta a recebê-lo.

"Ainda em dezembro de 2021, o Estado de Pernambuco editara a Lei Estadual n. 17.613/2021 cedendo o uso para o Município do Recife de área diversa para a mesma finalidade. Bastante a leitura daquele diploma legal, agora revogado, para extrair que os benfazejos empreendimentos de construção de data center e landing station ocorreriam no imóvel situado à Avenida Agamenon Magalhães, 5091, Campo Grande, Recife/PE", explica Germana Laureano.

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O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Dividido em cinco áreas, Espaço Ciência recebe cerca de 100 mil visitantes todos os anos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

IMPACTO NO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

O MPC-PE solicitou a atuação do Ministério Público Federal (MPF) sobre a doação, já que a área é preservada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por ter projeto do paisagista renomado Roberto Burle Marx e estar na influência do Sítio Histórico de Olinda, patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

"O data center na área repassada pelo Estado de Pernambuco tem o potencial de dilapidar o histórico jardim ali instalado, idealizado por Roberto Burle Marx - renomado artista plástico e paisagista brasileiro, que possui diversas de suas obras já tombadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN no Estado de Pernambuco".

O MPC-PE lembra que a área repassada "está compreendida na região de influência do Sítio Histórico da cidade de Olinda, tombado desde 1968 pelo Iphan e reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco 14 anos mais tarde, em 1982".

"Óbvio, pois, que toda e qualquer intervenção a ser ali realizada reclama, para sua validade, prévia anuência do Iphan, à luz da Portaria 420, de 22 de dezembro de 2010 daquele órgão, que dispõe acerca dos procedimentos a serem observados para a concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados e nas respectivas áreas de entorno", explica a procuradora Germana Laureano.

Ao anunciar o datacenter, em outubro de 2020, o grupo de investidores informou que o endereço dele no Recife não seria divulgado por "razões de segurança". À época, foi dito que funcionaria em um complexo de três pavimentos, dividido da seguinte forma: no térreo, haverá uma área dedicada ao desembarque do cabo submarino SeaBras-1, estrutura de 500 quilômetros que vai conectar o Recife a outros landings stations localizados em São Paulo e Nova York.

Tudo isso em uma área protegida, que, de acordo com a arquiteta e urbanista Vera Millet, integrante do Conselho de Preservação de Olinda, é "tombada na esfera federal, estadual e municipal, com rígidas restrições de taxa de ocupação".

MPPE APURA DOAÇÃO

A 3ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Olinda (Defesa do Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Histórico e Cultural) instaurou procedimento para apurar a doação de parte da área do Espaço Ciência para implantação de um empreendimento privado.

Por nota, o MPPE informou já ter ouvido o diretor do Espaço Ciência e que está agendando uma audiência pública para o dia 23 de janeiro de 2023 a fim de ouvir representantes da sociedade, do poder público e demais interessados.

O procedimento conta ainda com colaboração do Núcleo de Proteção do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do MPPE.

RAQUEL LYRA QUESTIONOU DOAÇÃO

A equipe de transição da governadora eleita, Raquel Lyra (PSDB) também questionou a atual gestão, do governador Paulo Câmara (PSB), sobre a doação do terreno. A vice-governadora eleita, Priscila Krause (Cidadania), coordenadora da equipe de transição, assinou um ofício solicitando detalhes ao governo estadual sobre a doação de parte do Espaço Ciência, em Olinda, à iniciativa privada.

“Embora saibamos da importância dos cabos, é preciso que se esclareçam questões fundamentais para garantir que seja uma medida alinhada com o interesse público, como o detalhamento das contrapartidas, por exemplo”, afirmou Priscila.

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