Eram 5h45 de ontem, quando o delegado Ramon Teixeira chegou à Delegacia de Santo Amaro, na região central do Recife. Dez minutos depois, Sarí Gaspar Corte Real entrava no local acompanhada do marido, o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), e de três advogados. A atitude de abrir a delegacia mais de duas horas antes do expediente normal para ouvir o depoimento de Sarí causou estranheza e foi alvo de questionamentos por parte da Ordem dos Advogados do Brasil e de entidades da sociedade civil. A primeira-dama é investigada por deixar o garoto Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, sozinho no elevador do prédio onde morava. O menino desceu no 9º andar do edifício e morreu ao cair de uma altura de 35 metros.
» Caso Miguel: defesa erra na estratégia e polícia erra ao permitir privilégio
» Caso Miguel: saiba motivo de Sarí ter sido ouvida antes da abertura da delegacia
» "Só saio quando falar com ela", diz mãe de Miguel, que aguarda ex-patroa na delegacia
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Ferreira, afirmou que a postura do delegado de antecipar o depoimento de Sarí Corte Real dá margem para levantar a suspeição na condução do inquérito. “Ao meu ver, ele errou ao tomar essa atitude. Não foi correto. Ele precisa explicar quantas vezes já tomou uma decisão dessa não só nesse inquérito, mas em todos os outros que conduziu. Ele se colocou numa posição muito ruim, porque só fez levantar a suspeita de que pode haver algum tipo de proteção ou favorecimento da pessoa investigada.”
Para a coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá, a antecipação do depoimento alimenta a desconfiança de que há seletividade na apuração do caso. “A gente vê com muita estranheza a atitude do delegado. Não faz sentido nenhum abrir a delegacia duas horas mais cedo para receber uma investigada. Estou fazendo um esforço para lembrar outros momentos em que isso aconteceu e não tenho esse registro. Foi uma atitude que mostra um atendimento especial, um privilégio, além de uma tentativa de afastar a imprensa e o controle social do caso”, criticou.
- Caso Miguel: veja como estão as investigações da morte do menino que caiu de prédio no Recife
- Caso Miguel: inquérito será concluído na próxima semana
- Mirtes, mãe de Miguel, depõe na delegacia de Santo Amaro, no Recife
- Caso Miguel: As imagens da ida de Sari Côrte Real à delegacia e da espera de Mirtes Renata
- Caso Miguel: Sarí Côrte Real deixa delegacia escoltada por policiais após prestar depoimento
Em nota, a Polícia Civil afirmou que o delegado Ramon Teixeira atendeu uma solicitação feita pela defesa de Sarí, que alegou que a acusada poderia ser alvo de agressão. Questionada, a Secretaria de Defesa Social limitou-se a afirmar que a antecipação do depoimento foi uma “decisão técnica do delegado, que tem autonomia sobre o comando do inquérito.”
Sobre a justificativa apresentada em nota oficial pela Polícia Civil, o representante da OAB disse que o delegado poderia ter solicitado proteção policial na frente da delegacia, caso entendesse ser necessário. “Em relação a esse argumento, se não houver uma comprovação de que não haveria meios de garantir essa integridade, torna-se difícil para o delegado, depois dessa atitude, continuar conduzindo o inquérito.”
Cláudio Ferreira afirmou que, dependendo da conclusão do inquérito, o questionamento por parte da sociedade será ainda maior. “Não posso fazer nenhum prejulgamento, mas qualquer decisão que ele tome, que não seja no sentido de endurecer a pena, vai torná-lo suspeito. Essa atitude prejudicou a imagem dele, porque vai dar argumentos de que o inquérito foi defeituoso.” À noite, a OAB divulgou uma nota, afirmando que que seu papel “é o de velar pela imparcialidade e transparência do inquérito, não estando vinculada a qualquer das partes interessadas, e que acompanhará a conclusão do inquérito para a apresentação de manifestação sobre a sua condução.”
Sarí passou mais de oito horas dentro da delegacia. Ao saber que a acusada estava depondo, a mãe de Miguel, Mirtes Souza, que trabalhava como empregada doméstica para a família de Sarí, foi até a unidade policial, acompanhada de parentes. Durante toda a manhã e início da tarde, dezenas de pessoas permaneceram na frente da delegacia. Houve tumulto em alguns momentos, sobretudo na hora da saída da acusada, por volta das 14h30. A rua foi fechada pela polícia e Sarí deixou o local em uma viatura. A irmã de Mirtes e tia de Miguel, Erilurdes Souza, passou mal e desmaiou. A expectativa é de que o inquérito seja concluído até amanhã, quando completa um mês da queda do garoto.
Miguel morreu ao despencar do 9º andar do Edifício Píer Maurício de Nassau, conhecido como Torres Gêmeas e localizado no bairro de São José, Centro do Recife. No dia da tragédia, Mirtes estava de serviço na casa de Sarí e deixou o filho aos cuidados da patroa enquanto levava o cachorro da família para passear. Sarí chegou a ser presa em flagrante, mas pagou fiança no valor de R$ 20 mil e foi liberada.
"Ao meu ver, ele (0 delegado) errou ao tomar essa atitude. Ele se colocou numa posição muito ruim, porque só fez levantar a suspeita de que pode haver algum tipo de proteção à pessoa investigada”, diz Cláudio Ferreira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Comentários