Um dia carregado de significado. Exatamente três meses depois de Pernambuco registrar o primeiro caso da covid-19, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc) celebrou, na manhã desta sexta-feira (12), mais de mil altas de pacientes diagnosticados com a doença.
A data, que coincide com o aniversário de 29 anos da Universidade de Pernambuco (UPE), marca ainda o fim de um capítulo forte da história dos dez curados do novo coronavírus que deixaram a unidade de saúde nesta manhã. Os vitoriosos atravessaram a alameda do pátio do hospital, sob palmas dos profissionais de saúde que encaminharam o tratamento. Em todo Estado, são 25,7 mil curados, 42,9 mil recuperados e 3,6 mil mortos.
“Grande foi a luta”, resumiu Marlene Maria da Silva, de 65 anos, a primeira a ir para casa. Por 15 dias, ela lutou pela vida. “Não passou pela minha cabeça que eu ia morrer. Eu só pensei na vitória, só pensei que ia conseguir. Mesmo chorando. Cheguei aqui sem poder andar, mas, em nome de Jesus, estou hoje aqui”, relembrou.
Minutos depois, foi a vez de Maria do Rosário de Fátima. Ela voltou para o lar a apenas um dia de completar 59 anos. “É a felicidade de nascer de novo”, descreveu. “Passei 14 dias na UTI e mais uma semana na enfermaria. Você quando entra ali não tem esperança de sair. Só a esperança de Deus”, contou.
Maria do Rosário saiu de pé da enfermaria, ao lado da filha e da cunhada. “Ela entrou lá como uma pessoa hipertensa, diabética, tem enfisema pulmonar, acima do peso, com o pulmão completamente comprometido, saturando lá embaixo. Mas Deus é maravilhoso e conseguiu tirar ela, e ela tá aqui”, comemorou a filha Lílian Cristina dos Santos.
O enfrentamento do novo coronavírus é uma batalha para os pacientes, mas também desafiou a equipe do Huoc. A instituição foi uma das primeiras a ser capacitada como hospital de referência no tratamento da doença. Ao chegar no Estado, a pandemia mobilizou não apenas o setor de Infectologia, que tem apenas 36 leitos. Os trabalhadores de outras especialidades foram chamados para compor a linha de frente, e as enfermarias foram dedicadas inteiramente à covid-19, ampliando a capacidade para 400 leitos.
Foi assim com a reumatologista Aline Ranzoline. “Nunca trabalhei em UTI e fazia muito tempo que eu estava afastada de enfermaria - nossa especialidade é basicamente ambulatório. E a gente foi convocado. Fomos todos deslocados para cobrir as cinco enfermarias de covid”, explicou.
“A gente adaptou a vida toda para conseguir enfrentar”, declarou. “A gente precisava estudar coisas que não estudava há muito tempo. Tinha o medo de contrair uma doença. Inclusive minhas duas filhas ficaram com meu marido, elas estão lá há mais de três meses, para eu poder ficar sozinha e conseguir dedicar esse tempo sem o risco de contaminar ninguém em casa", afirmou.
Quando falou sobre a jornada de três meses, a cardiologista e clínica Betty Maia se emocionou. “Houve uma convocação, e a gente foi com o medo de enfrentar esse inimigo que no mundo inteiro a gente ouvia que não poupava os profissionais de saúde. E foi com o desconforto de sair do que a gente é treinado pras fazer”, lembrou.
Ela destacou a evolução que tiveram no período. “É uma coisa que vai ficar para a história da formação da gente. Desde a preocupação com a segurança dos pacientes, com a proteção dos profissionais, à evolução técnica”, disse.
Nesse tempo, a médica passou por diversas enfermarias, e agora integra a equipe que reabilita os pacientes que saem da UTI. Ela acompanhou o paciente José Caetano da Silva, de 47 anos, um dos sobreviventes que saíram do internamento nesta sexta. O caso de Seu Caetano foi tão emblemático que simboliza a milésima alta.
“Foram 65 dias internado, 55 na UTI. Entubado. Ele parou. Chegou na enfermaria com as marquinhas da desfibrilação, se alimentando por sonda. E ele foi realmente exemplo de vários que estão acontecendo: reabilitados e que estamos conseguindo dar alta. São altas para serem muito comemorada”, vibrou.
O sobrinho de Caetano, Robson José da Silva, 27, demonstrou gratidão aos profissionais. “Os enfermeiros são muito competentes, os médicos também”, disse. “É gratificante. Imagina passar dois meses na UTI. É complicado.”
O técnico de enfermagem André Gustavo Rodrigues também se sensibiliza ao vê-los voltar para casa com saúde. “Já acompanhei pacientes que passaram mais de 40 dias na UTI, ficaram completamente debilitados, perderam mais de 25 quilos, em sua recuperação voltaram a aprender a andar e a falar. Você ver que essa pessoa venceu, ressurgiu, e você contribuiu para isso.. é uma emoção gigantesca.”
O Oswaldo Cruz foi nomeado em homenagem ao epidemiologista brasileiro que dedicou a vida ao combate de doenças infecciosas. Não só o nome, mas também a arquitetura, dividida em pavilhões, revela a vocação do Huoc ao combate de epidemias. Quem lembra da história é o chefe de infectologia da unidade de saúde, Demetrius Montenegro.
“Esse hospital foi construído para o enfrentamento de epidemias nos séculos passados. E agora ele está mostrando para o que ele veio, para que foi construído”, destacou.
Por dentro, o hospital é dividido em várias edificações, voltadas para um pátio, cortado por uma grande alameda. “Às vezes tão criticado, esse sistema de pavilhão hoje mostra que está servindo perfeitamente para o enfrentamento da pandemia”, opinou.
De acordo com Demetrius, o modelo diminui o risco de transmissão. “É pela circulação. Imagine um prédio de 10 andares, onde para circular dentro do hospital precisa andar de elevador, subir escada. Imagina transportar um paciente com doença dentro de um elevador, onde vai aglomerar pessoas. Aqui não. O trânsito é livre”, explicou.
Em 25 anos de medicina, ele não imaginava que viveria uma crise sanitária como essa. “Epidemias fazem parte da minha especialidade. A gente teve dengue, Influenza. Mas de uma gravidade dessa doença, não”, contou.
Mesmo com a dificuldade do momento, que compara a uma guerra, sua posição exige a estabilidade. “A gente precisa estar equilibrado para passar equilíbrio para outras pessoas que nos enxergam como uma força, como um apoio”, relatou.
Em uma análise geral do quadro do hospital, o médico revela que o número de internamentos está diminuindo. “Praticamente não há espera na nossa central de regulação. Sempre temos um número de vagas de UTI até confortável para os nosso pacientes internados”, detalhou.
Outra observação do infectologista é que o perfil dos pacientes tem mudado. “ Antes, era basicamente de Recife e Região Metropolitana, e, agora, muitos pacientes vindo do interior. É o comportamento que estamos observando da pandemia, está ocorrendo uma interiorização”, falou.
Mesmo com o alívio na capital, Demetrius chama atenção para a necessidade de se permanecer em casa, mesmo agora que as atividades econômicas começam a voltar. “Não é vida normal. A gente vai passar muito tempo sem ter uma vida normal, porque o vírus vai estar circulando, mesmo se chegar a vacina”, alertou.
Para explicar, ele traça um paralelo com outras doenças infecciosas. “Temos vacina para sarampo, para varicela, para rubéola. Todas são doenças virais, preveníveis, e, no entanto, continuam acontecendo. Será que com a covid vai ser a mesma coisa? A gente vai precisar aprender a conviver com a nova realidade.”