A mais de 170km de distância do Recife, no bairro Sítio da Onça, Zona Rural da cidade agrestina Tacaimbó, já na divisa com o município de São Caetano, estudantes do ensino fundamental tem conseguido driblar a falta de acesso à internet para continuar aprendendo mesmo durante a pandemia do coronavírus, que provocou a suspensão das aulas presenciais em Pernambuco. Isso porque o professor José Jovino da Silva, de 60 anos, tem levado atividades escolares toda segunda-feira para os seus 19 alunos tacaimboenses, que representam quase 30% da população: são 67 moradores na comunidade.
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A carreira de José Jovino começou por incentivo da sua professora para seguir o magistrado e, hoje, conta com mais de 33 anos de ensino, sendo 30 destes na Escola Municipal Professora Porfíria de Araujo, única unidade de ensino da região do Sítio da Onça, na qual leciona desde o maternal até o quinto ano do fundamental. De licença desde o começo do ano, ele retornou para o trabalho quando as aulas presenciais já estavam proibidas, em junho. Foi aí que surgiu a ideia de contornar o problema: as aulas online, que costumam ser uma solução para o isolamento social, não eram possíveis de acontecer nessa comunidade. “São 14 casas que possuem alunos, mas apenas quatro têm internet. E as outras 10? Como que faz?”, refletiu o professor.
O educador explica que a maioria das casas não tem internet por causa da dificuldade de instalação. “As pessoas não têm condições de colocar a internet porque não é fácil. Cobram uma taxa de muito alta para instalar e ainda tem a mensalidade de R$ 85 que muitas pessoas não podem pagar”. Essa é a realidade da agricultora Maria José, de 27 anos. “Me cobraram R$ 1200 para instalar internet na minha casa. Não tem como”, explica. Sua filha Viviane tem 11 anos e estuda no quinto ano do fundamental. Ela estava parada até a iniciativa do professor. Assim como Maria, muitos moradores do Sítio da Onça estão entre os 46 milhões de brasileiros que não tem acesso a rede de internet, segundo dados da Pnad Contínua de 2018, divulgada pelo IBGE. O Nordeste é a região com mais pessoas sem esse serviço.
Logo quando começou a pandemia, os alunos da Escola Municipal Professora Porfíria de Araújo foram um dos mais afetados na cidade porque não puderam ser incluídos no processo de aulas a distância. “É uma cidade muito pequena, não tem bom sinal de internet. Cerca de um mês atrás, quando houve uma maior estabilização dos casos, começou-se a discutir uma alternativa para os alunos não ficassem sem estudar. Orientamos o professor a fazer o uso dos equipamentos da escola para imprimir o material e lá os pais iriam buscar”, conta o Secretário de Educação de Tacaimbó, Celio Leonel.
Entretanto, José surpreendeu. Decidiu ele mesmo levar aos alunos as atividades escolares e poder observar um pouco mais de perto esse desempenho. “Foi uma atitude de muita empatia dele, em um momento tão difícil”, comenta Célio. A proximidade, claro, tem suas limitações e as visitas não dispensam os cuidados sanitários. José afirma que sempre faz o uso de álcool em gel quando entra em contato com o material e utiliza máscara.“Tomo todos os cuidados ao entregar e pegar os materiais”, reforça.
Com ajuda de custeio da pasta, José prepara todo o material no seu notebook e imprime através da impressora disponibilizada pela Secretaria. E, pensando nessas 10 moradias sem acesso à internet, o educador faz um percurso de 2km para levar o material a todos os seus estudantes. “Estou imprimindo as atividades e levando na casa de cada um toda segunda-feira desde o começo do mês de julho. Também escuto cada aluno lendo para ver como está o desenvolvimento, gravo e tiro fotos para registro. Depois, na outra semana, pego a tarefa feita e entrego uma nova”. Ao fazer a coleta, ele separa essas atividades para ver como elas serão avaliadas futuramente, já que por enquanto, não estão sendo colocadas as notas.
“Tudo isso é muito gratificante”, expressa o professor, que tem visto progresso dos alunos durante as semanas e ressalta a participação dos pais ajudando os filhos. Um das mães que tem ajudado é a agricultora Roziane de Melo, de 37 anos, que auxilia nas tarefas e Riquelme, estudante de 8 anos do terceiro ano e Sabrina, estudante de 11 anos do quinto ano. Como eles tem internet em casa, mesmo na pandemia, já estavam estudando por conta própria.
“As tarefas do professor estão sendo muito boas para eles. Tenho ajudado sempre que posso, pois gosto de puxar deles, e tenho visto que eles estão aprendendo. José é um professor muito bom. Além de tarefas, ele traz livros também”, comenta Roziane. A vizinha e também agricultora Maria José, que já não tem internet em casa, reconhece igualmente a importância da ação do professor. “Eu tenho ajudado minha filha e ela tem aprendido muito com essas atividades. Se ela tivesse parada, ela não ia passar de ano desse jeito”, complementa.
O município que o Sítio da Onça faz parte conta com uma população estimada de pessoas pelo IBGE de 12.874 pessoas, das quais 197 são casos confirmados da covid-19. Destas, 117 estão recuperadas e duas vieram a óbito. As informações são do boletim epidemiológico da última terça-feira (28).
Uma história semelhante também tem acontecido no bairro de Vila da Fábrica, em Camaragibe, no Grande Recife. Sem computador ou acesso à internet, muitos alunos ficariam sem aprender se não fosse o esforço do professor Arthur Cabral que leva os deveres de bicicleta para seus alunos. Confira: