A criança de 10 anos, vítima de estupro no Espírito Santo e que foi submetida a um aborto legal no Recife, no último domingo (16), passa bem e deverá receber alta médica nesta terça-feira (18). A equipe médica do Cisam, unidade de referência estadual nesse tipo de atendimento e de acolhimento às vítimas, informou que o procedimento foi concluído por volta das 11h da manhã desta segunda-feira. O feto foi expulso e os médicos fizeram a curetagem. A criança chegou à únidade de saúde na tarde do último domingo, após encaminhamento feito pela Justiça do Espírito Santo.
De acordo com o diretor-medico do Cisam, Olímpio Moraes, a criança está bem, mas a viagem de volta para casa dependerá também de definição sobre horários de vôo e também de providências que precisam ser tomadas para que o material genético coletado durante o processo de aborto seja encaminhado para o Espírito Santo. "Esse material é importante, porque poderá ajudar na identificação de informações sobre o acusado do estupro", explicou.
A vinda da criança ao Recife foi determinada depois que médicos do Espírito Santo se negaram a fazer o aborto, alegando que a gestação estava acima das 22 semanas. Ela veio acompanhada da avó e de uma assistente social. A menina chegou ao Cisam por volta das 16h30, quando pessoas ligadas a segmentos religiosos faziam um protesto na porta da unidade para impedir que o aborto fosse realizado. Os manifestantes chegaram a chamar de "assassino" o diretor-médico da unidade e tentaram invadir a maternidade, mas foram contidos com a chegada da Polícia Militar.
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Por causa da manifestação, a criança precisou entrar por uma entrada lateral da unidade. Em nota, a Secretaria de Saúde de Pernambuco afirmou que "todos os parâmetros legais estão sendo rigidamente seguidos".
Em entrevista à TV Jornal, nesta segunda-feira (17), a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco, Ingrid Zanella, também reforçou que “todo o procedimento foi legal”. Zanella aponta que, no Brasil, o aborto é permitido quando há risco de vida para a gestante e quando a gestação é fruto de um ato ilícito, ou seja, de um estupro, e há manifesta vontade da gestante em interromper a gravidez.
A autorização está contida no Decreto-Lei 3.688, que diz que “não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro, e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Em 2012, ainda, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu que a operação fosse feita também quando o feto sofre de anencefalia.
Para a vice-presidente da OAB, não há dúvidas de amparo jurídico no caso da menina. “Neste caso, percebemos que há a incidência das duas hipóteses legais: uma criança de 10 anos não tem estrutura física, segundo médicos, para manter de forma segura a gestação, existia risco à sua vida, bem como ela tinha manifestado sua vontade em interromper. [...] Todo o procedimento foi legal, não só amparado nas duas hipóteses permissivas do nosso ordenamento jurídico, bem como determinado por uma ordem judicial de um juiz plenamente competente para o caso”, disse Ingrid Zanella
A autorização para o aborto legal da garota de dez anos foi dada pela Vara da Infância e da Juventude da cidade de São Mateus. No despacho, o juiz determinou que a criança fosse submetida ao procedimento de melhor viabilidade e o mais rápido possível para preservar a vida dela.
O caso foi descoberto quando a menina deu entrada no dia 8 de agosto no Hospital Estadual Roberto Silvares, em São Mateus, com sinais de gravidez. A garota estava se sentindo mal e a equipe médica desconfiou da barriga "crescida" da menina.
Ao realizar exames, os enfermeiros descobriram que ela estava grávida de três meses. Em conversa com médicos e com a tia, a criança confidenciou que o tio a estuprava desde os seis anos e que nunca contou aos familiares porque era ameaçada. O homem fugiu depois que a gravidez foi descoberta. O acusado continua foragido.