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Família de Miguel e de outros jovens mortos em tragédias se reúnem em ato por Justiça, no Recife

Ato pacífico acontece no mês das crianças - o primeiro que Mirtes Renata passa sem o filho Miguel

JC
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Publicado em 09/10/2020 às 12:00 | Atualizado em 09/10/2020 às 12:17
BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Manifestação chamar atenção para as vidas jovens e negras interrompidas precocemente - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Este é o primeiro Dia das Crianças que Mirtes Renata Souza, de 33 anos, passa sem o pequeno Miguel Otávio, morto aos 5 anos após cair de um edifício de luxo no Recife. O mês de outubro, com todos os simbolismos, traz uma lembrança de dor para a mãe que perdeu o filho há pouco mais de 4 meses, em um incidente trágico que causou comoção nacional. E como conviver com a perda quando se aproxima uma data que um dia foi tão feliz? “Está sendo bem difícil. Estou ajudando a arrecadar brinquedos para doar. Já que não posso presentear meu filho, estou suprindo essa minha falta em outra crianças”, diz Mirtes, emocionada. Para manter acesa a lembrança de Miguel e chamar atenção para as vidas jovens e negras interrompidas precocemente, um ato pacífico é realizado na manhã desta sexta feira (9), na Praça da Independência, na área central da capital pernambucana.

Além da família do menino, outras mães que também perderam seus filhos em mortes trágicas ou violentas unem sua voz no pedido por justiça. “O ato de hoje é para a gente lembrar das crianças que foram embora em decorrência da violência e negligência, principalmente as crianças negras, que são a maioria”, afirma Mirtes.

Estiveram presentes os parentes de Mário Andrade, assassinado aos 14 anos por um sargento militar reformado em 2016, no Ibura, na Zona Sul do Recife; de Samuel, morto aos 5 por negligência médica em uma UPA de Engenho Velho, em Jaboatão dos Guararapes, em agosto; e do adolescente de 17 anos Johnny, alvejado em agosto pela Polícia em Prazeres, também em Jaboatão, no mesmo mês. 

Para Edna Jatobá, presidente do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajope), uma das entidades da sociedade civil que participaram da manifestação, a história de Miguel e a busca por justiça em seu nome é um referencial para a outras famílias.

“A luta de Mirtes também conforta e dá esperança para outras mães que perderam seus filhos dessa maneira ou sendo vítima das abordagens policiais arbitrárias”, comenta. “Esse caso emblemático tem muito significado pro conjunto da população. A gente precisa permanentemente lembrar de Miguel e da necessidade de fazer justiça. A sociedade precisa continuar mobilizada, porque a gente sabe que o outro lado é muito poderoso, faz parte de uma elite econômica muito forte”, pede.

Não só o caso Miguel como os demais são reflexo de um racismo estrutural incrustado na maneira de fazer política, ela aponta. “Quem são as principais vítimas dessas tragédias e mortes violentas? São sempre as mesmas características: as pessoa mais pobres, de pele mais escura, e as pessoas que estão enfrentando essa situação de pobreza e desigualdade. Todo esse racismo estrutural determina as outra políticas: de segurança pública, educação, de trabalho”, declara.

 Relembre o caso Miguel

O garoto de 5 anos morreu ao cair do nono andar do Edifício Píer Maurício de Nassau, situado na Rua Cais de Santa Rita, no bairro de São José, no dia 2 de junho. A primeira-dama de Tamandaré, Sarí Corte Real, ex-patroa da mãe de Miguel, foi denunciada pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte com as agravantes de cometimento de crime contra criança e em ocasião de calamidade pública, por deixá-lo sozinho no elevador do edifício. A pena pode chegar a 12 anos de prisão, caso seja condenada.

Segundo denúncia do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Sarí Corte Real teria agido dolosamente, ao abandonar Miguel, que estava sob sua vigilância naquele momento, nas dependências do condomínio, levando à morte da criança. Na ocasião, a mãe dele, Mirtes Renata Souza, passeava com o cachorro da patroa.

A perícia realizada pelo Instituto de Criminalística no edifício constatou que Sarí apertou o botão da cobertura, antes de deixar a criança sozinha no elevador. Ao sair do equipamento, o menino passa por uma porta corta-fogo, que dá acesso a um corredor. No local, ele escala uma janela de 1,20 m de altura e chega a uma área onde ficam os condensadores de ar. É desse local que Miguel cai, de uma altura de 35 metros.

Mesmo com a denúncia, Sarí Corte Real continua respondendo ao processo em liberdade.

Na época do caso, Mirtes e a avó de Miguel trabalhavam na casa do prefeito, mas recebiam como funcionárias da prefeitura. O MPPE instaurou uma investigação e a Justiça determinou o bloqueio parcial dos bens de Hacker.

Audiência marcada

Quase quatro meses depois da morte de Miguel, a Justiça de Pernambuco marcou, em 27 de setembro, a primeira audiência de instrução e de julgamento do caso. Às 9h do dia 3 de dezembro, testemunhas de acusação e de defesa e a ré serão ouvidas pela Justiça.

Na última semana, a mãe de Miguel, Mirtes Renata, usou as redes sociais para pedir ajudar a pressionar o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) a marcar a audiência. Ela convocou os internautas a mandarem um e-mail solicitando que fosse definida uma data para o caso. Nesta segunda, Mirtes comemorou a decisão do TJPE.

"É ótimo receber essa noticia de que já foi marcada, apesar de que é uma data distante, mas é melhor que deixar ano que vem. Graças a Deus", falou. "Quero agradecer por essa imensa força que me deram em pressionar o o pessoal da secretaria. Agradeço a todos de coração, isso é uma prova de que estou não só nessa lutas", afirmou.

 Bloqueio de bens

A justiça autorizou, no dia 1º de outubro, o bloqueio de bens do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), e da primeira-dama da cidade, Sarí Corte Real. A determinação do juiz José Augusto Segundo Neto, do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6), atende a um pedido de concessão de tutela provisória de urgência do Ministério Público do Trabalho (MPT) a fim de garantir o pagamento de indenização por dano moral no processo que envolve vínculos empregatícios de Mirtes Renata Santana de Souza e Marta Maria Santana Alves, respectivamente mãe e avó de Miguel Otávio, com o casal.

O MPT afirmou que a ação objetiva "restaurar a ordem jurídica trabalhista violada pela conduta continuada dos réus em desfavor de trabalhadores domésticos que, por anos, prestaram-lhes serviços sem, no entanto, terem seus direitos laborais devidamente respeitados". No pedido, o órgão listou, entre outros pontos, que houve redução de salários sem a formalização de acordo, não recolhimento previdenciário, não pagamento de verbas rescisórias e prestação de serviços durante a pandemia da covid-19 mesmo quando não se enquadrava nas exceções permitidas para o trabalho doméstico.


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