Perto de acabar um ano bastante difícil para a humanidade, em que um vírus mexeu com todo o planeta, forçando novos planos e modos de viver, é natural que neste Natal de 2020 as pessoas estejam mais reflexivas e desejando mudanças. São muitos os pedidos, sobretudo relacionados ao fim da pandemia de covid-19, doença que já atingiu 78 milhões de habitantes no mundo, matando 1,7 milhão deles.
No imaginário infantil desta época, um senhor com barbas brancas e gorro vermelho traz presentes para as crianças. E se Papai Noel realmente existisse? E se não só bens materiais, ele também tivesse o poder de realizar sonhos que não se vendem em lojas?
Neste exercício de imaginação, a vacina contra o novo coronavírus aparece no topo da lista de pedidos. Menos desigualdade, saúde, moradia digna e doses de esperança estão ainda entre os anseios de Regina, Gabriel, Carolina, Caio e Marcos, convidados pelo JC a partilhar o que o bom velhinho poderia trazer para todos.
"Nunca precisamos tanto de Natal como atualmente. Nunca deixou de sê-lo, mas o Natal, este ano, é vital. Num tempo em que nos habituamos a acompanhar a morte em estatísticas, celebrar o nascimento de um menino é uma aurora, um ato de esperança. Estamos necessitando de nascimentos (e renascimentos). Nunca precisamos tanto de uma criança como atualmente, que venha e nos deixe com aquela cara de quando vamos ao berçário para sermos apresentados ao novo rebento. Que faça seu barulho, e nos tire do torpor, da inércia", diz o professor e jornalista Gabriel Marquim, 33 anos. Fundador da Comunidade dos Viventes, um grupo de leigos católicos que põe o Evangelho em prática, Gabriel viveu um isolamento forçado, no início de 2019, por causa de um problema de saúde.
"O meu desejo é que a pandemia transforme verdadeiramente as pessoas para o bem. Acho que a cada ano Deus nos convida a vestir Jesus com uma roupa diferente. Neste ano, ele deve nascer vestido de esperança, independente de crer ou não nele. Precisamos de esperança por causa da pandemia, das situações política e social que estamos vivendo, porque tanta gente que perdeu parentes, porque há muitas pessoas com depressão ou ansiedade, porque tantos saíram dos seus empregos", observa Gabriel.
A dona de casa Regina Silva Rego, 64, pediria a Papai Noel a vacina contra a covid-19. "Sou grata por estar viva, com saúde. Minha família também. Gostaria muito que houvesse logo a vacina para podermos voltar a viver tranquilamente", diz Regina.
Acostumada a ter casa cheia nesta véspera de Natal, com filhos, irmãos, sobrinhos e amigos, ela terá, hoje à noite, apenas a companhia de um dos filhos, Guilherme, que está se recuperando do novo coronavírus. "Queria também que houvesse menos desigualdade. A pandemia reforçou que somos todo iguais, brancos e pretos, ricos e pobres", ressalta Regina.
Morador do Coque, na Ilha de Joana Bezerra, área central do Recife, o estudante Caio Matheus Bueno, 13, não acredita mais no Bom Velhinho. Mas se pudesse transformar um sonho em realidade, ele diz que queria ter uma vida melhor com sua família. O adolescente vive com sua mãe, Jéssica Freitas Bueno, 29, e uma irmã caçula de 9 anos numa casa emprestada por um parente. O imóvel tem apenas um vão e um banheiro.
"Eu queria ter uma casa decente", afirma. E o que é uma casa decente? É o questionamento feito a ele depois da resposta. "Não precisava ser grande, mas que tivesse jeito de casa. A nossa não tem muito", diz o estudante. A Ilha Joana Bezerra é um dos bairros mais carentes do Recife. "Queria que não houvesse esgoto a céu aberto, que a praça tivesse mais brinquedos, que a vida fosse melhor para todas as pessoas", almeja o garoto.
No início da pandemia, sua mãe pegou covid-19. Deveria ter sido hospitalizada, mas assinou um termo para não ficar na unidade de saúde pois não tinha com quem deixar os filhos. "Foi terrível, sofri demais. Caio que cuidou de mim, da casa e da irmã. Tive muito medo de morrer. Fiquei boa do vírus, mas agora vivo gripada e com crise de ansiedade", relata Jéssica, que trabalha como assistente veterinária. Perdeu renda porque muitos clientes sumiram com a pandemia. A sorte foi o auxílio emergencial pago pelo governo federal.
O bancário Marcos Aurélio Borba, 37, também foi infectado pela covid-19. Mês passado passou 10 dias internado no Hospital Português. "Acredito que peguei com um colega de trabalho. Perdi sete quilos e tenho sequelas. Uma delas é a suspeita de ter ficado diabético. A taxa de glicose está alta e preciso tomar insulina. Sinto também formigamento muito forte nos pés, como se fossem pontadas de uma faca, o que me preocupa bastante", explica Marcos.
Seu pedido é voltar a ter saúde como antes. "E que haja logo a fabricação de uma vacina eficaz e para todos. Os casos estão voltando a aumentar. E infelizmente não há conscientização das pessoas. A quem eu posso, lembro sempre de que usar a máscara é importante, assim como manter o isolamento", comenta o bancário.
Na linha de frente para tratar os pacientes com coronavírus desde março, quando a pandemia começou, a técnica de enfermagem Ana Carolina da Silva, 44, diz que se tivesse direito a um único pedido, seria que não houvesse doenças no mundo.
"Trabalho há 23 anos no Hospital Oswaldo Cruz. Acredito que viver uma pandemia é uma das piores experiências. Ainda mais agora, quando observamos que os casos estão subindo de novo. Estou muito assustada e receio que nós que atuamos nos hospitais não tenhamos mais estrutura psicológica para continuar se a doença vier como a mesma força que foi no começo", afirma Carolina, que perdeu pessoas próximas vítimas do vírus.
"Aprendi a ressignificar a vida. Percebi que cada vez mais precisamos um dos outros e que o que eu faço interfere na vida de quem está do lado. Foram muitas dificuldades, dias caóticos e noites sem dormir. Algumas vezes deu vontade de desistir, mas saber que eu posso fazer a diferença me motiva a continuar", assegura a enfermeira.