Grandioso projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe, no Recife, afunda em promessas, investigações e prejuízos
O projeto de navegabilidade do Rio Capibaribe, inserido no Rios da Gente, tinha entrega prometida para 2014, mas, até 2021, menos de 2% da obra foi concluída. Governo diz ter "expectativa" de retomar serviços no último semestre deste ano
Em 2012, o governo do estado lançava, após décadas de deliberações, a alternativa que prometia desafogar os meios de transporte viários no Recife. O projeto de navegabilidade do Rio Capibaribe, inserido no Rios da Gente, tinha entrega prometida para 2014, mas, até 2021, menos de 2% da obra foi concluída. Agora, está na mira de processos de auditoria por órgãos fiscalizadores e de investigação pela Procuradoria da República em Pernambuco. Tudo isso pela previsão de um prejuízo milionário de em torno de R$ 74 milhões aos cofres do Estado por um investimento que até hoje não deu retorno para a sociedade e que definha pela ação do tempo. Ainda assim, a gestão estadual diz ter “expectativa” de retomar os serviços da primeira etapa da planta no último semestre deste ano, desde que autorizações para continuidade sejam concedidas.
O projeto previa a implantação de duas rotas fluviais, que deveriam atender 300 mil pessoas por mês. A primeira seria o corredor Oeste, com 11 quilômetros, que iria da Estação Central do Metrô até a BR-101, na Iputinga, com estações nos bairros do Derby, Torre e Santana. A segunda, o corredor Norte, que, com 2,9 quilômetros, teria estações na Rua do Sol e outra no encontro do Rio Capibaribe com o Rio Beberibe, próximo ao Shopping Tacaruna. Em cada estação, seriam construídas três plataformas de embarque e desembarque, além de lojas, bicicletário e estacionamento. As 13 embarcações seriam climatizadas e teriam capacidade para 86 passageiros sentados a uma velocidade de 18 km/h. Ademais, seriam integradas a estações de ônibus e de metrô, com pagamento de apenas uma passagem.
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Para a construção, seriam usados R$ 289 milhões com recursos dos governos estadual e federal. As obras foram iniciadas em 2013 com a dragagem do rio - serviço orçado em R$ 101 milhões que tem como função aprofundar vias navegáveis removendo do leito do rio. Mas, no início de 2014, a construção foi embargada. À época, foi dito que aconteceu devido à falta de repasse do executivo federal de recursos destinados ao projeto. Em nota enviada à reportagem, o governo do estado atribui a interrupção às “dificuldades em relação ao desembaraço dos condicionantes necessários ao prosseguimento da iniciativa'', justificadas por fatores como “a grave crise que já atingia o país desde 2014 e foi agravada pela crise sanitária que atingiu o mundo a partir de 2019”.
À época, moradores dos bairros cortados pelo rio estavam animados pelos benefícios do projeto; atualmente, lamentam que ainda esteja sem perspectiva de conclusão. “Como o Recife é muito populoso, temos dificuldade de nos deslocar de casa para outros lugares, e o transporte rodoviário nem sempre é uma boa opção. Se houvesse essa saída, um transporte novo, seria muito mais fácil e viável para a gente. Eu utilizaria sem dúvidas, seria menos estressante do que o transporte público [viário]”, afirmou o biomédico Jonatas André Santos. “Às vezes, temos que sair muito mais cedo para trabalhar por causa do trânsito, então seria um meio de transporte maravilhoso”, expôs Helen Silva, que trabalha na área de tecnologia da informação.
Pouca execução, prejuízo grande
Em março, a Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE) iniciou o julgamento de dois processos de auditoria especial sobre o “Projeto Rios da Gente”. Dois conselheiros, inclusive, votaram para o deputado federal Danilo Cabral (PSB), então secretário estadual das Cidades, devolver os recursos destinados às obras. Procurado, o parlamentar disse que não irá se pronunciar sobre o assunto e que aguardará o fim do julgamento, já que o conselheiro Marcos Loreto pediu vistas dos dois processos e que ainda não foram finalizadas. O Governo do Estado também poderá ser forçado pelo Tribunal de Contas da União a devolver ao Governo Federal o valor integral do convênio, já que a construção não foi entregue.
Conselheira do TCE, Teresa Duere diz que, desde o começo, houve indícios de irregularidades. “O projeto começou sem licenças ambientais, sem ter tratado com a Marinha, e foi verificado, logo de imediato, que a Marinha não faria a negociação de toda a área do norte, então já foram cortadas duas estações”, explicou. Ainda, o tribunal identificou o pagamento antecipado para que uma empresa fiscalizasse um serviço que não estava em andamento. “Com 1,77% de obra realizada, a empresa que era para fiscalizar recebeu 77% do [total] que deveria receber. As estações fluviais e a sinalização náutica, hoje são pó, mesmo tendo sido gastos recursos.”
Ainda há procedimento em aberto no Núcleo de Combate à Corrupção em Pernambuco, da Procuradoria da República em Pernambuco, órgão do Ministério Público Federal (MPF), em inquérito presidido pela procuradora Sílvia Regina. Por nota, a procuradoria informou que “ainda não foi empreendida nenhuma medida concreta no caso, e que será divulgada quando ocorrer”.
Não são só os órgãos fiscalizadores que cobram uma resposta, mas também a população, que hoje vê o rio servindo como depósito de lixo. “A gente fica se perguntando para onde foi o dinheiro, porque não vemos obra, nem nada, além do rio estar totalmente poluído. É um descaso”, disse Helen. “É um absurdo, a gente sabe que o Brasil dá um péssimo exemplo com o dinheiro público, que não é utilizado da forma devida. Infelizmente, ficamos cobrando do nosso governo, mas não temos retorno”, enunciou Jonatas. “Como cidadão, fico com vergonha do meu governo. Quem está sofrendo hoje na pandemia é o trabalhador, que vai no ônibus superlotado. Seria muito bom se desse certo mesmo”, desabafou o aposentado Agenor Torres.
O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE), Rafael Amaral, avalia que a navegabilidade do Rio Capibaribe seria uma construção de extrema importância para a mobilidade e cultura da cidade, e que pode ser feita desde que esteja alinhada com políticas que preservem o meio ambiente. “Toda vez que a gente fala de cidade do futuro e sustentável, a gente tem que explorar esses novos modais, como a navegabilidade e o ciclismo. Vemos com preocupação o tempo em que isso vem sendo discutido e por ainda não termos ações práticas. Muitas vezes, não precisamos do melhor projeto do mundo, mas de um projeto que funcione e que seja implementado para que beneficie as pessoas”, defendeu.
O que diz o governo do estado
Segundo a gestão estadual, “a retomada do empreendimento está condicionada a algumas ações, entre elas a conclusão do projeto de dragagem do volume remanescente, a sinalização náutica da primeira etapa e a conclusão do projeto de requalificação das duas primeiras estações fluviais de passageiros (Derby e Santana)”. O governo disse que, quando tal requalificação for concluída, “o primeiro projeto deverá ser iniciado no mês de maio. Em seguida, serão realizadas as licitações e contratação das obras.” O Governo do Estado garantiu que aguarda parecer do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para executar o empreendimento em duas etapas.
“A primeira delas é composta pela construção das duas estações mencionadas, com a dragagem do volume remanescente no trecho entre elas, a execução da sinalização náutica nesse trecho e a implementação de sistema de transporte fluvial de passageiros entre as duas estações, através de concessão pública do serviço. Durante o primeiro ano da concessão será realizado um estudo de viabilidade técnica/econômica que definirá a implantação da segunda fase, com a construção das outras três estações fluviais e do galpão de manutenção e/ou parque de tancagem e abastecimento das embarcações.”
*Reportagem com informações da TV Jornal