Aeroclube

Recife fala em embate com governo federal, mas promete que moradores do Bode serão os beneficiários do Encanta Moça I e II

Audiência sobre o Parque do Aeroclube debateu o cadastro de famílias beneficiadas pelos habitacionais Encanta Moça I e II

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Cássio Oliveira

Publicado em 21/10/2021 às 20:33 | Atualizado em 21/10/2021 às 20:34
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comissão da Câmara do Recife que acompanha as obras do Parque do Aeroclube realizou, nesta quinta-feira (21), a sua segunda audiência pública desde que foi criada. Desta vez, o debate foi centrado no processo de seleção das famílias beneficiadas pelos conjuntos habitacionais Encanta Moça I e II, que fazem parte do complexo que será construído no terreno do antigo Aeroclube do Pina.

Na ocasião, a Prefeitura deu explicações sobre como o cadastro vem sendo construído em conjunto com a Caixa Econômica Federal. Norah Helena dos Santos Neves, secretária-executiva de Políticas Habitacionais da Secretaria de Habitação do Recife, garantiu, na ocasião, que os moradores das palafitas da comunidade do Bode serão os contemplados com os 600 apartamentos dos habitacionais. Ela explicou que a decisão veio após embate com o governo federal.

“Desde que fizemos a chamada pública, o objetivo do habitacional era atender aquelas famílias das palafitas que estão na comunidade do Bode. Existe um projeto de reurbanização daquela área e o propósito era retirar as famílias para um local próximo, sobretudo porque se trata de uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social)”, contextualizou. "Fomos pegos de surpresa pelo governo federal quando nos informaram que seria demanda aberta, ou seja, que os beneficiários viriam de sorteio a partir do cadastro do próprio Governo. Mostramos a importância dos habitacionais terem sido feitos próximos à comunidade do Bode, falamos do passivo remanescente das palafitas que está no auxílio habitacional desde a construção da Via Mangue e, após muitas tratativas, foi acatado que as contempladas seriam as famílias iniciais”, disse Norah.

Presidente da Comissão, o vereador Paulo Muniz (SD) cobrou uma data para a divulgação da lista dos contemplados. “Os apartamentos serão entregues em seis meses. Quanto mais a PCR demora pra divulgar a informação, mais vulnerabilidade, angústia e insegurança aqueles moradores passam”, disse. “Pina e Boa Viagem são um retrato fiel da desigualdade do Recife. Em poucos metros, temos o apartamento de metro quadrado mais caro da cidade e gente morando em palafita e sendo mordida por ratos. Não podemos admitir essa situação”, afirmou. “Quando a Frente visitou a construção, o engenheiro disse que a entrega é em abril do ano que vem. Estamos mais perto do que longe. Eu fico assustado que a Prefeitura e a Caixa ainda não tenham uma lista definida e esclarecida”, completou.

Segundo Norah, os nomes fazem parte de um levantamento realizado pelo setor de controle urbano da PCR em 2017. E completou informando que agora a responsabilidade da seleção está com a Caixa. “Indicamos as famílias pré-selecionadas para a Caixa, com prioridade para as que vivem em maior grau de vulnerabilidade. O órgão é que verifica se elas atendem aos critérios do Minha Casa Minha Vida, principalmente no que se refere à renda familiar. Deve haver umas 200 famílias que já passaram no crivo da Caixa. Mas seria irresponsabilidade nossa dizer os contemplados considerando que estamos num processo de construção. Hoje não temos esta relação.” Convidada a participar da audiência pública, a Caixa Econômica não enviou representante.

Ao afirmar que a PCR mapeou 800 famílias nas palafitas do Bode e que o número real é bem superior, o líder comunitário Nelson do PA questionou o destino dos moradores que não forem contemplados com as unidades do Aeroclube. “De repente vem um projeto e vai tirar as pessoas da tranquilidade das suas casas. Vão receber uma ajuda de custo de R$ 200? No Pina, um barraco é 300, 400 reais.”

Pedro Stilo, do Movimento Cabe Mais Casa no Aeroclube, disse que 56% dos moradores do Bode não estão no cadastro da Prefeitura. “Não foi mostrado pra gente o quantitativo dessa lista. Nunca vimos esse cadastro”, apontou. Ele também teceu críticas ao projeto do parque do Aeroclube, que será construído por meio de parceria público-privada, com o leilão de lotes centrais ao mercado imobiliário.

"Em menos de um quilômetro, vimos que há mais 900 pessoas só no Bode, fora Beira Rio, Ponte e algumas outras áreas. Em pesquisa, vimos que 90% das pessoas moram no Bode há mais de dez anos e 56% das pessoas não estão no cadastro da SEMOC. Há, também, coabitação, com mais de três famílias morando na mesma casa”, informou Stilo. “O que nos preocupa é que ainda não se mostrou nem o quantitativo desse cadastro. A Prefeitura e a Caixa nem têm uma lista, nem dizer quantas pessoas estão nas palafitas. Vão entregar a área para a iniciativa privada e vender por R$ 100 milhões, o que é muito pouco. Desse dinheiro, R$ 85 milhões será usado para construir um parque”, completou

Segundo a secretária, dentro do projeto de urbanização previsto para a comunidade do Bode, as famílias que precisarem deixar suas moradias e que não forem contempladas com os apartamentos do Aeroclube terão como alternativas a indenização – que ela não julga positiva enquanto política pública – ou o reassentamento na própria comunidade através de soluções em vazios urbanos dentro da própria área.

Habitacionais

O Encanta Moça 1 (com área de terreno de 15.537,46 m²) e o 2 (com 16.303,44 m²) terão 300 unidades habitacionais, cada, além de quadra polivalente, praça/playground e centro comunitário. Os apartamentos estão distribuídos em sete blocos com cinco pavimentos e oito apartamentos por andar mais um bloco com cinco pavimentos e quatro apartamentos por andar. Estima-se que 2,1 mil pessoas lá residirão. Os condomínios integrarão o Parque do Aeroclube, anunciado pela Prefeitura do Recife como o maior parque urbano da cidade, com 12 hectares.

Debate

O vereador Ivan Moraes (PSOL) foi um dos parlamentares que participou do debate. Ele afirmou que, sem a divulgação da lista, o processo de seleção está sob o risco de falta de transparência. Em sua intervenção, Moraes também lembrou que o problema da moradia ultrapassa a distribuição de unidades nos habitacionais Encanta Moça I e II.

“Essas listas em que estão catalogadas as pessoas existem há muito tempo, mas me parece que ninguém sabe onde elas estão. Perguntei à URB, à Secretaria de Habitação, à SEMOC. Quando você visita os bairros da bacia do Pina, encontra as expectativas muito grandes das pessoas de serem contempladas pelo habitacional e todo tipo de politicagem acontecendo. Acredito que deve ser dada transparência a essas listas para quem acha que está nela e não está possa buscar o seu direito. E quem não está de jeito nenhum precisa compreender que a luta por moradia tem que continuar”.

Vice-presidente da Comissão Especial, o vereador Zé Neto (PROS) afirmou que é preciso atualizar e divulgar o levantamento da prefeitura das pessoas que poderão ser beneficiadas pelos habitacionais. “Precisamos, sim, dar publicidade a esse cadastro de pessoas que podem se credenciar ao Minha Casa Minha Vida. Mas com uma revisão, para que a gente entenda a quantidade de pessoas e se as pessoas do cadastro ainda estão lá [na bacia do rio Pina]. Tenho certeza de que essa será uma vontade do prefeito João Campos (PSB) que tem trabalhado incansavelmente para dar, cada vez mais transparência à sua gestão”.

Já a vereadora Dani Portela (PSOL) abordou a necessidade de soluções para o problema das desigualdades sociais que reverberam na questão da moradia. “Todos temos assistido ao número de pessoas em situação de rua aumentar cotidianamente. Hoje, famílias inteiras dormem em marquises na cidade inteira. Não estamos debatendo apenas os habitacionais Encanta Moça. Sabemos que aquelas unidades não vão atender a demanda, diante do déficit habitacional que temos no Recife, que é uma das cidades mais desiguais do Brasil. Temos que ter um compromisso de enfrentar essas desigualdades, que são de classe, de gênero e de raça. A palafita é uma realidade que expressa as profundas desigualdades do nosso país”

A resolução de problemas cadastrais de famílias não aceitas pela Caixa foi apontada por Norah Neves como um dos motivos para a demora no fechamento da lista. “Quando a Caixa Econômica não acata, a Prefeitura não vai cortar um nome e colocar outro. A gente tenta voltar para a família e ver o que houve, saber se ela tem como resolver a pendência. Fazemos um esforço grande para não fazer nenhuma injustiça com ninguém. Assim que fecharmos os 600 nomes, a lista será divulgada”.

A respeito do remanescente de famílias afetadas que não serão contempladas pelos conjuntos Encanta Moça I e II, a secretária-executiva disse que elas não ficarão desamparadas. “Terá que ser dada uma alternativa. Ou uma indenização – que eu não acho positiva, já que com ela nem sempre a gente garante a moradia – ou um reassentamento dentro da comunidade. Poderá ser feito não um habitacional, mas soluções pontuais em vazios urbanos dentro da própria área”.

Sobre a gestão condominial dos dois habitacionais do Aeroclube, Santos Neves explicou que a Prefeitura atua para criar um senso de responsabilidade nos novos moradores por meio da regularização dos imóveis. “Uma das dificuldades para o poder público garantir uma gestão mais eficiente do condomínio instalado é a regularização fundiária. Ao longo dos anos, os habitacionais são construídos, mas não vão sendo regularizados em nome do beneficiário. Isso dificulta a gestão condominial e a consciência de cuidar da área comum”.

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