As histórias de Kauany Maiara Marques da Silva, 18 anos, e de Jailma Muniz da Silva, 19 anos, se misturam no ponto final. Ambas foram golpeadas a facadas até a morte em Glória do Goitá, na Zona da Mata, um dia após o outro, e têm um mesmo suspeito apontado como autor dos crimes. Ainda, há em ambas um ponto em comum ainda mais influente: o fato delas serem mulheres. As vidas das jovens não foram interrompidas como um caso isolado - fazem parte de uma estatística de violência no Estado que só cresce. Em 2021, por exemplo, foram 86 casos registrados como feminicídios em Pernambuco, uma alta de 14,6% com relação ao ano anterior, segundo apontou a coluna Ronda JC.
O suspeito, Edson Cândido Ribeiro, 35 anos, teria se relacionado com Kauanny, a primeira vítima. Segundo um vizinho da jovem, ambos teriam brigado na noite do sábado (29), quando ela desapareceu. “Quando ouvi o grito da Kauany, eu perguntei, 'ô, camarada, você está dando na mulher, é? Não tem medo da Maria da Penha não?'. Aí ele [respondeu] 'não, está tudo numa boa. vou conversar com ela lá dentro', disse Severino Brás. O corpo foi encontrado nessa terça-feira (1º) por populares, já em estado de decomposição, em um córrego na comunidade de Capuchinho, com sinais de violência, segundo informou o Instituto de Criminalística (IC).
O corpo foi levado por uma funerária até o Instituto Médico Legal (IML) do Recife. A mãe da jovem, Michele Marques da Silva, foi quem o reconheceu. "Todos nós temos os nossos defeitos, mas minha filha era uma menina boa e não merecia morrer de uma forma tão triste e trágica desse jeito”, desabafou. Na mesma noite, em perícia feita na casa da vítima, foram encontradas manchas de sangue. Ainda, foi identificado que o suspeito tentou descaracterizar o local do crime. “Uma casa onde a gente encontrou padrões de sangue ocultos não deveria estar da forma como a gente a encontrou. Então ela certamente foi limpa e arrumada", informou o perito Ewerton Nunes.
Investigações iniciais apontam que o homem teria assassinado Kauany entre o sábado e o domingo. Na madrugada de segunda-feira (31), ele teria tentado atacar mulheres que caminhavam no Centro da cidade, e na fuga teria encontrado Jailma. A agricultora e estudante foi, então, estuprada e assassinada enquanto levava o café da manhã para a mãe, que estava trabalhando na lavoura. O corpo foi encontrado na Zona Rural do município, às margens da rodovia PE-50, no mesmo dia.
O velório de Jailma aconteceu na casa da avó paterna, a poucos metros de onde ela morava. A tristeza e a revolta tomaram conta das pessoas que foram se despedir da jovem. Na fala de cada parente, ressoava o clamor por justiça. “A menina não merecia isso não. A menina vivia trabalhando direto com a mãe, e o cara fazer um negócio desse? Todo mundo aqui quer justiça”, disse o primo, Roberto Antônio.
A mãe de Jailma, Elisângela, não aguentou ficar junto ao corpo da filha, passou mal e precisou ser socorrida. O corpo da vítima seguiu para o Cemitério de Glória do Goitá e foi enterrado em clima de revolta por volta das 11h. Parentes desmaiavam a todo instante, e crianças choravam desoladas pela perda da jovem.
Como se não bastasse, a dor das famílias ainda se mistura ao medo de que o suspeito, ainda foragido, possa fazer novas vítimas no município. As buscas por Edson, que teve a foto divulgada pela Polícia, continuam nesta quarta-feira (2) tanto por policiais militares e civis, quanto pelos moradores da região. Além de Glória do Goitá, o policiamento também cobre as cidades de Pombos e Vitória, ambas na Mata Norte.
A foto do homem, negro, com bigode, barbicha e cabelos pretos, foi divulgada pela própria Polícia Civil de Pernambuco por meio de autorização do Juízo da Comarca de Glória de Goitá, que expediu mandado de prisão temporária contra o suspeito. Quem tiver informações a respeito do paradeiro do suspeito pode entrar em contato pelo Disk Denúncia pelo número (81) 3658-2905.
Crimes contra mulheres
Até então, as mortes de Kauany e Jailma foram enquadradas como homicídio, e não como feminicídio - quando o crime é cometido por questões relacionadas ao gênero da vítima -, mas para a Secretaria da Mulher de Pernambuco, o fato delas serem mulheres pode ter influenciado no cometimento dos assassinatos. Por isso, a secretária Ana Elisa Sobreira Gadelha foi até a cidade acompanhar as investigações e falar com a equipe da delegacia.
A prefeita da cidade, Adriana Paes (PSD), afirmou que os crimes a fazem se sentir "ultrajada". "A gente vê a crueldade que foi colocar uma dentro de um esgoto, e jogar areia em cima da outra. A mulher, infelizmente, passa por isso. A gente precisa de mais mulheres com voz e vez para mostrar que podemos caminhar sem sermos violentadas, assaltadas, machucadas".
A Prefeitura de Glória do Goitá decretou três dias de luto; segundo a gestora, "sentimento que a população está". "Não só de indignação, mas de muito medo. Acabei de ouvir uma mãe avisando que iria em Vitória, e a filha ficou com medo, perguntando se iria deixá-la só. A gente está louco para que essa história acabe logo e para que a nossa cidade volte a ter paz", torceu.
#UmaPorUma
A violência contra a mulher é constante e frequentemente acaba em tragédia. Existe uma história para contar por trás de cada feminicídio, em Pernambuco. O especial Uma por uma contou todas. Em 2018, o projeto mapeou onde as mataram, as motivações do crime, acompanharam a investigação e cobraram a punição dos culpados. Um banco de dados virtual, com os perfis de vítimas e agressores, além dos trágicos relatos que extrapolam a fotografia da cena do crime. Confira o especial Uma por Uma, sobre feminicídio.