O que é gasto para reparar atos de vandalismo em monumentos, pontes e edificações públicas por ano na capital pernambucana poderia ser usado na construção de duas creches, segundo a Prefeitura do Recife. Destruições do tipo são comuns em contextos urbanos; um problema complexo e discutido por diferentes áreas.
O valor seria suficiente, ainda, segundo a gestão municipal, para construção de duas Upinhas, implantação de cerca de 1.700 novos pontos de iluminação em LED, ou ser utilizado na requalificação de cerca de 20 escadarias com inclusão de corrimão.
São cerca de R$ 2 milhões empregados anualmente para reconstruir o patrimônio da cidade - como o busto em homenagem ao mártir pernambucano Frei Caneca, furtado da praça que ganhou o nome dele, no bairro de São José, Centro do Recife.
A ausência da obra, inaugurada em 2 de julho de 1981 e colocada no local onde o frei foi morto, foi notada nesse domingo (21). A gestão lamentou a perda do busto e informou que "irá registrar um Boletim de Ocorrência junto à polícia".
Por nota, o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) lamentou profundamente e manifestou indignação pelo roubo do busto em bronze, produzido pelo escultor Wamberto Jácome, considerado um dos maiores escultores clássicos do Brasil na época.
Segundo a instituição, o busto foi um presente à cidade do Recife oferecido pelo antigo Colégio e Curso Radier, dirigido no período pelo professor Roberto Pereira, membro do IAHGP atualmente. A escultura foi inaugurada durante as comemorações do 157° aniversário da Confederação do Equador.
O IAHGP disse esperar "que as autoridades competentes possam recuperar o busto e devolvê-lo ao local da homenagem ao herói pernambucano e que sejam tomadas providências para que não desapareçam outros monumentos e marcos em bronze na cidade". “Um povo sem história não tem futuro”, lamenta a presidente do IAHGP, Margarida Cantarelli.
Por que o vandalismo acontece?
Em estudo de 2018, a pesquisadora Maria João Correia da Cruz trouxe que alguns autores acreditam que o ato tem objetivo de desafiar as regras estabelecidas e outros que acham que é provocado por condições psicológicas. Mais linhas de pensamento seguem a ideia que são resultados de problemas sociais profundos ou de características do ambiente físico.
Pesquisadores da Universidade de Groningen, da Holanda, mostraram que as motivações para a prática do vandalismo também têm origem na falta de cuidado e de movimento de pessoas no espaço público. O artigo foi publicado na revista Science, em 2009.
O grupo fez experimentos de campo em que observaram o comportamento de indivíduos em cenários com ausência e presença de vandalismo. Nas duas situações, as pessoas não sabiam que estavam sendo observadas.
Ainda, indicou que a desordem urbana facilita as ocorrências. Os pesquisadores colocaram um folheto de propaganda em cada bicicleta com o objetivo de observar se as pessoas iriam jogá-lo no chão ou levá-lo até uma lixeira mais distante.
Das 77 pessoas observadas em cada situação, 69% jogaram o folheto no chão no cenário com as paredes pichadas. Quando as paredes estavam limpas, apenas 33% cometeram a mesma infração.
"Os espaços mais afetados pelo problema são vandalizados pela sua natureza física propensa a essa atividade, pela dificuldade de vigilância, pela aparência degradante do espaço ou do edifício, e pelo condicionamento social consequentemente criado, como o desinteresse pelos espaços e equipamentos e o receio pela integridade física", pontuou Correia da Cruz.
A gestão municipal pede o apoio da população na manutenção do patrimônio público. Para denúncias e sugestões, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), disponibiliza o número 156.
Falta de regulamentação de ferros-velhos facilita prática
No Grande Recife, é comum que atos do tipo aconteçam para que peças sejam vendidas em ferros-velhos, por exemplo. Foi o caso do Parque das Esculturas, de Francisco Brennand, um dos cartões postais do Recife que está em processo de reconstrução após ter tido 64 das 79 obras furtadas. Um patrimônio que foi derretido e vendido a baixo custo nestes estabelecimentos.
A ação é facilitada pela falta de regulamentação da lei que desde 2008 estabelece que comprador e vendedor de quaisquer transações em ferros-velhos sejam identificados, sob pena de multa e apreensão, além de que seja feito cadastro de compra, venda ou troca de cabo de cobre, alumínio, baterias e transformadores para reciclagem.
Sem a regulamentação, as irregularidades são identificadas somente quando denúncias são feitas. Assim, objetos muitas vezes pertencentes ao patrimônio público e privado seguem sendo repassados às escuras, o que prejudica a sociedade e até mesmo os estabelecimentos que escolhem funcionar legalmente.
A reportagem do JC denunciou a falta de regulamentação no início do ano. Até agora, no entanto, o Governo de Pernambuco não tem um prazo para que seja feita.
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