Os detalhes da lenta, cara e necessária reconstrução do Parque das Esculturas, que teve obras furtadas no Recife
Obras do principal cartão-postal do Recife são restauradas e refeitas — no caso das que foram furtadas — e devem ser retomadas ao Marco Zero até o final deste ano. O JC acompanhou o processo artesanal
Das mãos do artista plástico Jobson Figueiredo, pelicanos, ovos, serpentes e outras obras projetadas por Francisco Brennand (1927-2019) para habitar o Parque das Esculturas renascem a cada dia desde o último ano. São esculpidas em barro, depois envolvidas em uma forma de gesso ou fibra de vidro e preenchidas com cera de abelha — material que desaparece e dá lugar ao bronze após passar cinco dias em um forno de até 1 mil graus Celsius.
Então, passam um ou dois dias enterradas até esfriarem. Por último, são feitos a solda, acabamento final e ‘voilà’: após esse longo processo que dura em torno de um mês, a arte, então perdida, revela seu poder de resistência ao reexistir.
Além dessas, mais oito peças, entre elas a grande e polêmica Torre de Cristal, de 30 m de altura, passam por reparos diretamente do Marco Zero, no Centro da capital pernambucana. Já as esculturas em cerâmica, como os painéis, por exemplo, foram levadas até a Oficina Brennand para serem restauradas.
Até o final do ano, espera-se que o museu a céu aberto seja entregue exatamente igual a como foi da primeira vez, em 29 de dezembro de 2000, como parte do projeto “Eu vi o mundo… Ele Começava no Recife”, frase de Cícero Dias, para comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil.
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Isso porque o que requer tempo, esforço e arte — que possui um valor inestimável —, também demonstrou-se fácil de ser destruído mesmo aos olhos dos pernambucanos.
Tamanha mobilização e R$ 5,5 milhões do poder público que estão sendo investidos poderiam ser empregados a outras áreas caso o principal ponto turístico do Recife tivesse recebido a atenção suficiente para impedir o furto de 64 peças da exposição na calada da noite no último ano para serem derretidas a baixo custo no mercado informal. “O valor do bronze não é 2% do custo delas”, pontua Jobson.
Após o caso, a Prefeitura do Recife anunciou o reforço na segurança do espaço, hoje realizado em três turnos diários de 8h cada por dois vigilantes a cada turno no local, além de instalar iluminação cênica e um de sistema de videomonitoramento infravermelho, com monitoramento 24h da Secretaria de Segurança Cidadã do Recife.
Além disso, o Executivo afirmou que há reforço de vigilância realizado em três turnos diários de 8h cada por dois vigilantes a cada turno no local. Em 4 dezembro de 2021, o município deu início à recuperação.
“Estamos recompondo esse grande cartão-postal absolutamente tudo igual, porque desde aquela época tive o cuidado de guardar as imagens e as medidas. O trabalho é lento, artesanal, feito utilizando o processo chamado de cera perdida", esclarece o artista, que replica até mesmo as assinaturas de Brennand nos trabalhos.
"Dou garantia de 5 mil anos para o bronze e aceito reclamação, porque ele é eterno. Ele resiste aos tempos; só não ao roubo e ao vandalismo. Temos esse carinho e esse cuidado [pelo Parque] e acreditamos que até o final deste ano teremos de volta a grande marca da cidade, internacionalmente conhecida."
Em um sítio em Igarassu, o trabalho para devolver um dos grandes presentes de Brennand para o Recife não para. Severino Gomes, de 56 anos, o diretor de Patrimônio e da Oficina de Jobson e o “cabeça” de toda operação, havia passado 48h acordado no dia anterior à nossa visita, observando todo o processo.
“Enquanto está no forno, não dá para dormir. Temos que ficar observando o tempo todo”, conta ele, que participou do projeto original do Parque das Esculturas. “Já viemos trabalhando há muito tempo para refazer as peças”, diz ele, que comanda cerca de 12 homens na fundição.
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O local já estava ocupado por várias das obras famosas. Em uma das mesas, um ovo e uma galinha aguardavam pelos últimos reparos. Em outro canto, via-se três partes da serpente marinha em barro, ainda sendo revestida pela forma de gesso.
Pouco a pouco, os “guardiões” místicos criados para receber os visitantes e expulsar os maus espíritos, voltam a proteger a cidade; mas, para que cumpram sua função, também precisam de proteção, tanto do poder público, quanto da sociedade.
Para Figueiredo, essa é a lição que fica. “Todos nós somos culpados quando não reivindicamos e quando não contestamos a falta de respeito à nossa cultura. A cidade e o país que não a tem não terão liberdade, não terão imprensa e terão a pior política possível."
"O povo tem que assumir e se apropriar daquilo ali. Aceitar e se acomodar com as coisas gera o estado em que estamos. Temos que aprender a lutar pela nossa cultura - porque sem ela somos um povo submisso."
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