Pelas calçadas de grandes hospitais do Recife, a mesma cena se repete: dezenas de barracas que comercializam desde comida até eletrônicos ficam espalhadas sem ordenamento urbano ou infraestrutura para os transeuntes e os próprios ambulantes. Um problema cuja solução é cobrada ao poder público pela classe há pelo menos uma década, o qual responde com promessas que se arrastam pelo mesmo tempo.
No Hospital Barão de Lucena, na Iputinga, Zona Oeste da capital pernambucana, cerca de 40 ambulantes disputam o espaço. Após anos de conflitos com a gestão municipal - que, segundo eles, cessaram há pouco mais de 2 anos - eles próprios tentam mantê-lo organizado, liberando passagem para os pedestres. Mesmo assim, a calçada é apertada e dificulta o trânsito de um cadeirante, por exemplo.
Os comerciantes contaram ao JC o desejo de que fossem transferidos para o estacionamento do hospital, em uma praça de alimentação. “Estamos há mais de 15 anos nessa luta, mas só tivemos promessas até agora. Muitos que trabalhavam aqui morreram e não viram isso sair”, contou Márcio Rafael de Oliveira, de 33 anos.
A mesma reivindicação é ouvida no Hospital Agamenon Magalhães (HAM), em Casa Amarela, na Zona Norte. “Tem um projeto há uns quatro anos para a gente entrar, mas nada se resolve. Aqui não tem água, luz ou banheiro para usarmos, nem conforto para os clientes”, disse uma das comerciantes, que preferiu não se identificar.
No Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), localizado na Cidade Universitária, boxes para realocação das barracas foram concluídos, mas não foram entregues. Segundo os vendedores, o plano era que eles fossem para os novos espaços ainda no ano passado - mas não foi dado um prazo para que isso aconteça.
A informação que receberam é de que só vão receber as chaves quando a passarela do hospital, que teve as obras paralisadas no final do último ano, forem concluídas. “Se formos para lá sem ela, vamos perder o movimento. Também falta a construção da praça de alimentação, que seria interligada às barracas”, explicou Victor Vagner Bezerra, de 41 anos, que comercializa no local.
A geógrafa Mariana Zerbone, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), é uma das autoras de um estudo sobre acessibilidade das calçadas do Recife e seus conflitos de uso. Ela avalia que o ordenamento em frente aos hospitais é um problema complexo, que envolve questões econômicas, jurídicas e de acessibilidade.
“Quase todas as calçadas de hospitais são utilizadas para venda de alimentos já que não são fornecidos aos acompanhantes dos pacientes, muitas vezes pessoas sem um grande poder aquisitivo. Então, não adianta só retirar as barracas, é uma necessidade que existe porque os hospitais não têm estrutura para isso”, avaliou.
Ao mesmo tempo, é necessário o envolvimento de vários entes para construir uma solução, já que a organização urbana é de responsabilidade da Prefeitura do Recife, mas o uso do espaço interno dos hospitais precisa passar por licitações estaduais ou federais. Mesmo assim, a especialista reiterou: “É preciso que o Estado tenha um olhar para essa demanda, trabalhando com secretarias separadas e de forma integrada”.
Os ambulantes e a geógrafa usam como exemplo a construção da praça de alimentação dentro do Hospital da Restauração (HR), que realocou os comerciantes para dentro da unidade.
Cobranças por todos os lados
Em 2012, cerca de 80 trabalhadores acamparam por 12 horas no prédio da Secretaria de Articulação Social e Regional de Pernambuco, na Encruzilhada, Zona Norte do Recife, em protesto contra a falta de políticas para o problema.
À época, a diretoria de Controle Urbano do Recife afirmou que estava conversando com dirigentes do Hospital Barão de Lucena para conseguir um espaço no local adequado para os ambulantes e que a realocação dos comerciantes estava “em andamento, junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico”. Mas nada, de fato, andou.
Desde o ano passado, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) já instaurou quatro inquéritos sobre comércio irregular próximo a hospitais da cidade, por meio da 20ª Promotoria de Justiça de Defesa da Capital. Vão desde hospitais públicos, como o HC e o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), até privados.
Por isso, o assunto foi levado à discussão na Câmara Municipal em abril de 2017 a pedido do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal do Recife (Sintraci). Lá, a então representante do Sintraci, Jô Cavalcanti, hoje deputada estadual pelo PSOL, alegou que na primeira gestão do prefeito Geraldo Julio, “o problema foi suscitado, a prefeitura teria apresentado um plano, mas não teria havido nenhum encaminhamento.”
O próprio sindicato fez um projeto de lei com deveres e direitos para os comerciantes informais do Recife, que também não chegou a ser votado.
“Elaboramos em 2016, mas não conseguimos botar na Câmara. Ele traz regras para a organização dos trabalhadores informais, com cadastramento e diálogo com o sindicato e com a prefeitura. O projeto ajudaria a prefeitura a organizá-los não somente nos hospitais, mas na cidade como um todo”, explicou o atual presidente do Sintraci, Edvaldo Gomes.
O que diz o poder público
A Secretaria de Política Urbana e Licenciamento da Prefeitura do Recife informou que, com relação aos quiosques dos comerciantes do entorno do Hospital das Clínicas, “trata-se de uma ação mitigadora realizada pelos proprietários de um empreendimento construído no bairro da Várzea”, e que a gestão “está em tratativas com a Neoenergia para a realização da ligação elétrica. “Cumprida essa etapa, os permissionários estarão aptos a comercializar no local”, alegou.
A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), administradora do HC, afirmou que "a obra é de responsabilidade da PCR" e que, com a transferência das barracas para este o espaço, a frente do hospital será liberada.
No que diz respeito ao entorno do Hospital Barão de Lucena, a prefeitura disse que “está sendo negociada junto ao governo do Estado a cessão da área interna para que os comerciantes informais possam ter espaço para trabalhar” e que “o poder público municipal também está captando recursos para um novo projeto para a área.”
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