A Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe) realizará, na próxima quarta-feira (14), uma audiência pública para discutir a doação de 8.200 m² da área do Espaço Ciência, que fica na divisa entre Recife e Olinda, para a iniciativa privada construir um centro tecnológico.
A discussão, convocada pela Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, acontecerá a partir das 9h30 no Auditório Sérgio Guerra, na Rua da União, nº 397, Boa Vista, Centro do Recife.
A doação de parte da área do Espaço Ciência foi firmada por meio da lei de nº 17.940, sancionada em outubro deste ano para a instalação de um datacenter com uso de cabo submarino para velocidade da Internet. Antes, o projeto de lei foi discutido e aprovado em regime de urgência pela Alepe.
"Ocorre que a referida Lei é rejeitada por parte da população do Estado, por destinar oito mil metros quadrados da área de onde hoje funciona o Espaço Ciência a fim de se construir um data center e um landing station. Em função disto, esta audiência pública propõe o debate para que se esclareça as perdas e ganhos que o Estado de Pernambuco terá com a vigência da referida lei", escreve o mandato coletivo Juntas, que preside a comissão.
A 3ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Olinda, do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), também agendou uma audiência pública para tratar do assunto para 23 de janeiro de 2023. Enquanto isso, instaurou procedimento para apurar a doação.
O assunto começou a ganhar o debate público após o museu divulgar ter recebido um e-mail da empresa beneficiada questionando quando iria retirar os equipamentos para início dos serviços. A partir daí, iniciou uma campanha contra a doação.
O diretor do museu, Antonio Carlos Pavão, afirmou ter concordado com a utilização de parte do terreno para a saída dos cabos, que seria incorporado à dinâmica educacional sem prejuízo ao museu, mas que não sabia que parte do terreno seria doado e não concordou com o desmembramento dele para construção de um "data center".
Após dias de pressão da comunidade científica e da sociedade em geral, a gestão estadual informou que cederia 10 mil m² do lado pertencente a Olinda do Memorial Arcoverde, onde o museu está instalado, para realocação dos equipamentos presentes na área afetada. A direção, todavia, rebateu que isso alteraria o fluxo no museu, e não aceitou a proposta.
Em 29 de novembro, o Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPC-PE) protocolou no Tribunal de Contas do Estado (TCE) um pedido de suspensão temporária da doação, alegando que o processo apresentava erros, falta de transparência e risco ao patrimônio.
Segundo o MPC-PE, o terreno que vale R$ 16 milhões foi cedido para as empresas Seacable Serviços de Telecom LTDA e Sea Datacenter Tratamento de Dados LTDA - que têm capital social de R$ 10 mil cada, mas prometem um investimento de 50 milhões de dólares.
A procuradora Germana Laureano argumentou que "a alienação de bens imóveis públicos para a iniciativa privada depende de prévia licitação, não podendo haver doação de imóvel público a pessoa que não integre a Administração Pública".
Outro questionamento de Germana Laureano é sobre o argumento do atual Governo do Estado, em nota oficial, de que o terreno do Museu é "o único" no Estado capaz de atender a instalação do datacenter e do cabo submarino para Internet. Isso porque o O MPC-PE apurou que, em 2021, o Governo do Estado tinha indicado outro terreno para o mesmo empreendimento - indicando que pode não ser a única apta a recebê-lo.
O órgão fiscalizador também pontuou a mesma preocupação do Iphan, já que a região do museu tem projeto do paisagista renomado Roberto Burle Marx e está na influência do Sítio Histórico de Olinda, patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Então, o conselheiro Valdecir Pascoal, do TCE, pediu para que o Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Fernando Jucá, apresentasse argumentos contrários ao pedido de suspensão. A resposta da Secretaria está em análise pelo TCE.
Já a superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Pernambuco informou, na última segunda-feira (5), que não aprovou qualquer projeto para a área, que é considerada de entorno e de proteção da paisagem do Sítio Histórico de Olinda e “non aedificandi” - ou seja, não podem ser construídas edificações, "devendo ser preservada como área verde e de lazer", segundo o órgão.
Nesta semana, a empresa que recebeu o terreno do Governo do Estado quebrou o silêncio pela primeira vez. Ao JC, o CEO da Recife CO, João Pedro Flecha de Lima, negou falta de diálogo com o museu e defendeu a importância da instalação dos cabos submarinos e do data center em Pernambuco - assim como da localização prevista. Confira a entrevista completa:
Jornal do Commercio: Qual é a importância da tecnologia que se pretende instalar no terreno doado e quais benefícios ela traria para Pernambuco?
João Pedro Flecha de Lima: Os cabos submarinos são responsáveis por 98% da capacidade de tráfego de internet no mundo. Então, ao se instalar uma estação de chegada de cabo de submarino, acoplada a um datacenter, todos os usuários de internet, de telecomunicações vão se beneficiar.
Jornal do Commercio: Pode explicar melhor como funcionam os cabos submarinos?
João Pedro Flecha de Lima: Assim funciona a conectividade mundial. São cabos lançados no leito do mar, customizados, projetados para cada rota, com uma fibra óptica - ou algumas fibras ópticas dentro - é um cabo de dois centímetros de diâmetro, que transporta grande capacidade, interligando os datacenters mundiais. Então quando você faz uma busca, muitas vezes você não sabe, mas está acessando um datacenter nos Estados Unidos, na Europa; enfim, assim funciona a indústria.
JC: Por que a escolha pelo terreno justamente dentro do Espaço Ciência?
João Pedro Flecha de Lima: Aquele espaço foi indicado através de profundas pesquisas que levavam em conta rotas de navegação e lançamentos de âncoras de navios, através de mapear a indústria da pesca, onde se usa pesca de arrastão ou não, através de pesquisas ambientais do leito do mar, onde tinha arrecifes. Nós não identificamos outra possibilidade.
A orla do Recife é uma orla muito construída e também tem desafios naturais para serem contornados. Então, levando tudo isso em consideração, aquele espaço, que era um espaço da união, e o projeto pleiteou o destacamento daquele pequeno pedaço de 6% (do museu) para que a estação fosse feita lá.
JC: Nessa segunda-feira (5), o Iphan informou que não aprovou qualquer projeto e que a área indicada para construção do data center é “não edificante”, porque prejudicaria a paisagem. Como vocês recebem isso?
João Pedro Flecha de Lima: Não há essa possibilidade (quanto às alegações do Iphan) porque é um empreendimento térreo. Ele está abaixo de um viaduto vizinho, a altura máxima dele. Não há com o que se preocupar em relação a isso. Terá cerca de cinco metros, cinco metros e meio.
JC: Um dos principais questionamentos do Ministério Público de Contas em Pernambuco (MPC-PE) foi como duas empresas com capital social de R$ 10 mil, cada, poderiam investir 50 milhões de dólares no centro tecnológico. Também o fazemos esse questionamento: como é possível?
João Pedro Flecha de Lima: A empresa só foi criada para essa finalidade. Então, foi criada com capital baixo, e à medida em que vão transcorrendo investimentos, vão sendo integrados ao capital. Hoje, está integrada à holding, a empresa que ocorre duas. Isso é normal, porque quando se faz projetos dessa natureza, os investidores e a comunidade financeira não estão preocupados com os ativos da empresa, mas com o fluxo de caixa que vai gerar.
JC: O MPC indicou que o Governo do Estado já havia indicado um outro terreno. Onde era e por que foi alterado?
João Pedro Flecha de Lima: Ouvi falar sobre isso, mas desconheço o que possa ter havido. Estou há um ano e meio no projeto, mas ele já tem quase cinco anos. Desde que entrei, já era esse terreno, que foi escolhido tecnicamente, porque os cabos não podem ficar fazendo curvas, além de ter questões ambientais. O local que os técnicos, inclusive ingleses, americanos e brasileiros, apontaram era nesse terreno; da União, que foi destacado por ser onde daria para os cabos chegarem.
JC: A área do Memorial Arcoverde, no entanto, é imensa; e há várias partes subutilizadas. Não seria possível trazer o projeto para uma dessas partes?
João Pedro Flecha de Lima: Ele praticamente não atinge o museu, é um pedaço segregado, existe um córrego, uma ponte, e que estava muito pouco utilizado; com um avião xavante em ruínas, bem estragado. Não é o que falaram na mídia. Entendo que o espaço de Olinda é bem imponente, mas esse espaço está no Recife: e precisava ser, porque está vinculado ao Recife.
JC: O que o diretor do Espaço Ciência aponta é que nunca foi contrário à instalação dos cabos submarinos e que os incorporaria à dinâmica do museu, mas que não concordou com uma interferência no espaço, como a retirada dos equipamentos na área doada. Houve uma discussão nesse sentido com a direção?
João Pedro Flecha de Lima: Qual o problema em mudar a visitação? A vida é feita de mudanças. Nós estendemos a mão para o Espaço Ciência incorporar o data center como uma atração no museu. Projetamos um mezanino para receber visitantes, com espaço para que eles vissem como funcionava, assim como uma parede de vidro para que os jovens vissem o centro de gerência de redes, que são salas com vários monitores. Nos propusemos a fazer tudo isso, o que já demandaria um pequeno ajuste na roda do museu. Mas há entidades mais resistentes a qualquer adaptação.