Prefeitura comemora "boom" de novos edifícios no Centro do Recife, mas restauração de antigos prédios não engrena

Pesquisa publicada pelo JC mostrou que bairros da área central da cidade devem receber dezenas de novos empreendimentos pelos próximos anos. Na contramão, soluções para reocupar edifícios abandonados ainda não foram colocadas em prática
Katarina Moraes
Publicado em 25/04/2023 às 14:03
Ana Paula Vilaça junto ao prefeito do Recife, João Campos (PSB), no evento de lançamento do Recentro em 2021 Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


A chefe do Gabinete do Centro do Recife, Ana Paula Vilaça, comemorou a notícia de que a região deve receber um “boom” de novos edifícios, como revelado por estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) publicado pelo JC. Por outro lado, a pasta ainda não conseguiu engrenar a restauração de prédios hoje abandonados - uma das principais críticas da pesquisa.

A universitária Alice Albuquerque, sob coordenação da doutora em urbanismo Iana Ludermir Bernardino, por meio do Grupo de Estudos sobre o Mercado Fundiário e Imobiliário (GEMFI), descobriu que havia 73 empreendimentos em fase de tramitação para serem construídos na região até agosto de 2022 - a maioria condomínios residenciais.

Isso traria, segundo elas, mais de 16 mil moradores para os bairros do Recife, Santo Antônio, São José, Boa Vista e Soledade, que, em duas décadas, tiveram um declínio habitacional e abandono de prédios. O resultado do esvaziamento provocou inúmeros problemas, desde falta de zeladoria em áreas públicas, até aumento na violência e fechamento de parte do comércio.

Em entrevista ao JC, Ana Paula Vilaça pontuou que os dados expostos pela UFPE não foram uma surpresa, porque já vinha “observando um desejo e sentimento de otimismo em relação ao Centro” por investidores e que “percebeu um aumento da demanda desde o ano passado”.

“Ficamos muito felizes, porque tudo o que queremos é ocupar o Centro - claro, de forma ordenada, controlada, mas queremos trazer as pessoas de volta. Saber que tem muitos projetos em licenciamento significa que estamos no caminho certo”, disse.

O Recentro surgiu, em dezembro de 2021, justamente com o intuito de facilitar investimentos da área central do Recife - prioritariamente nos bairros do Recife, São José e Santo Antônio. Assim, presta assessoria para reduzir os trâmites pelos quais os empresários precisam passar para voltar ao Centro.

Nessa esteira, concedeu incentivos fiscais com a isenção parcial e total de impostos municipais para atrair investimentos privados e estimular a chegada de novas moradias.

Uma das críticas de Alice e Iana foi, justamente, a inação do poder público em tornar mais atrativo requalificar imóveis já construídos - já que o “cemitério” de prédios no Centro permanece presente, sem uma reação imediata, enquanto novos edifícios já tem sido construídos.

Sobre isso, a chefe do Gabinete comentou que a própria Prefeitura está buscando, junto ao governo federal, "dar um benefício maior a quem faz o retrofit numa área histórica", através do Minha Casa, Minha Vida retrofit - uma das reembalagens do programa retomado neste ano pelo presidente Lula (PT).

Confira a entrevista completa com Ana Paula Vilaça:

JC: Como o Gabinete recebeu a notícia sobre o “boom” de novos empreendimentos no Centro? Foi uma surpresa?


Ana Paula Vilaça: A gente vem observando esse “boom” pelo desejo e sentimento de otimismo em relação ao Centro. Atendemos a investidores junto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e eles têm se surpreendido com o ambiente favorável do Centro. Recentemente, tivemos dois restaurantes inaugurados: o Frege e o Moendo na Lage, que são sucessos, com fila de espera no final de semana.

Temos tido o feedback de pessoas que voltaram a acreditar no Centro, nos procurando para entender os incentivos fiscais e saber quais projetos a Prefeitura está planejando. Ficamos muito felizes, porque tudo o que queremos é ocupar o Centro - claro, de forma ordenada, controlada, mas trazer as pessoas de volta. Saber que tem muitos projetos em licenciamento significa que estamos no caminho certo.


JC: A que a senhora atribui essa retomada?

Ana Paula Vilaça: O olhar de ser uma área estratégica e prioritária da Prefeitura dá confiança para o investidor. Agora, ele tem um órgão que o orienta e o ajuda (o Recentro) com toda a questão burocrática, de insegurança jurídica, licenciar um projeto, dificuldades com o Iphan. A gente acredita que essa oferta de diferentes faixas de renda, desde a habitação com interesse social até o mercado imobiliário, contribui para a diversidade no Centro, que é o que a gente deseja.

Com isso, vai surgir o hotel, o mercadinho, a farmácia, o restaurante e a gente volta a ter um polo de entretenimento, lazer e turístico na região central. Estamos na área estratégica da cidade, com infraestrutura, saneamento, abastecimento, escola, universidade, serviços de saúde, facilidade de chegar na Zona Norte e Zona Sul, então é um movimento que acredito que, em breve, vai ter oferta e demanda de moradia.

JC: Mas uma das críticas do estudo é que ele prevê, justamente, que um público restrito terá acesso a esses novos empreendimentos, que serão voltados para a classe média. Como a Prefeitura pretende, então, garantir o uso diversificado no entorno dele?

Ana Paula Vilaça: Quando temos um empreendimento acontecendo na região, temos o olhar de ver como é o entorno, [em termos] de calçada, acessibilidade, iluminação. Sabemos que o Hotel Marina vai gerar um fluxo de turistas e visitantes indo até o Mercado São José e o Marco Zero, porque essas pessoas vão estar circulando. Então, já temos estudos e planos para absorver essa demanda de infraestrutura que isso gera. Eles não vão acontecer ao mesmo tempo, mas estamos preparados, sim, para recebê-los e que convivam de forma harmônica entre si.

Temos casos de grandes condomínios de luxo no Espinheiro, Casa Forte, que consomem o comércio local. Acreditamos que essa demanda vai ser gerada sim. As pessoas vão poder morar e trabalhar perto, que é o desejo de todo mundo. Tem gente que mora em Jaboatão, Abreu e Lima, e demora 2h no deslocamento para vir até o Centro, mas vai ter a possibilidade de morar nas proximidades.


JC: O Plano Diretor do Recife de 2020, estabeleceu que a promoção de moradia no Centro fosse priorizada para “trabalhadoras e trabalhadores das áreas centrais, famílias que moram em condições precárias em tais regiões e população em situação de rua”. Pela iniciativa privada, ocorre o oposto disso. Como a gestão pretende garantir, então, a execução da lei?

Ana Paula Vilaça: A Parceria Público Privada (PPP) de locação social (onde a Prefeitura vai subsidiar parte do valor do aluguel para a população em vulnerabilidade) está em fase avançada, estamos definindo o modelo econômico e financeiro. A ideia é ser um condomínio em um imóvel já existente. Estamos dialogando com Sinduscon e Ademi para despertar o interesse dos privados para realizar habitação para diversas classes de renda e recuperar os imóveis do centro.

Também estamos vendo linhas de financiamento. O MCMV retrofit vem justamente com essa pegada: dar um benefício maior a quem faz o retrofit numa área histórica, porque óbvio que construir um habitacional na periferia, num terreno vazio, vai ser mais barato do que recuperar um imovel. [...] O próprio prefeito encampou essa proposta, e a secretaria de habitação também já está em discussão com a Caixa para que possamos avançar e viabilizar esses projetos.

JC: Quais serão os próximos passos do Recentro?

Ana Paula Vilaça: A gente vem trabalhando projetos habitacionais, acompanhando o financiamento do Yolo, um coliving no Cais do Apolo. Obras de infraestrutura que estão acontecendo na Avenida Sul, Rua Imperial e Rua da Concórdia. Vamos anunciar em breve um empreendimento em Santo Antônio que vai gerar cerca de 2 mil empregos. Estamos retomando a articulação com a Polícia Militar, Civil e guarda para termos um enfrentamento da violência.

A Emlurb está tratando o embutimento da fiação no Bairro do Recife, que está com projeto 100% aprovado. Estamos com plano de mobilidade pro centro, que vai facilitar os acessos e redistribuir linhas de ônibus. Temos projetos de reforma do Mercado de São José e do Camelódromo. Faremos uma rota histórico cultural no Centro, valorizando os principais atrativos turísticos.

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