Entenda os motivos do isolamento político de Bolsonaro em tempos de pandemia do novo coronavírus

O historiador José Alves de Freitas Neto e o cientista político Ernani Carvalho analisam o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro
Angela Fernanda Belfort
Publicado em 05/04/2020 às 14:23
O historiador José Alves de Freitas Neto faz uma análise do cenário eleitoral deste segundo turno das eleições Foto: Foto: Diego Nigro


A pandemia do novo coronavírus (covid-19) trouxe mais isolamento político ao presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), desde que o presidente vem se deslocando das medidas adotadas por governadores, prefeitos, lideranças globais e até mesmo do Ministério da Saúde do seu governo.

“É um caso inédito como Bolsonaro se coloca nesse isolamento, desqualificando o corpo técnico do próprio ministério da Saúde (que também é governo federal), os outros Poderes, como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), o papel da imprensa e, ao mesmo tempo, apela para uma suposta comunicação direta com o seu eleitorado, via redes sociais, que é ineficaz do ponto de vista institucional”, resume o historiador e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Alves de Freitas Neto.

Nas últimas semanas, aliados do presidente se afastaram incluindo governadores como o de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que era o mais próximo dele entre todos os chefes dos Executivo estaduais. Também ocorreram troca de farpas entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) e o presidente. Quase a totalidade dos governadores decidiram adotar o isolamento social, mesmo com Bolsonaro, argumentando que deveria ocorrer um afrouxamento nas regras dessa medida.

“Esse tipo de isolamento é inédito no Brasil, porque nunca ocorreu uma pandemia desse tipo que fechou, globalmente, os aeroportos, as lojas, as escolas. O isolamento dele foi agravado pela pandemia”, constata o cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho.

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Tanto ele como o historiador José Alves citam outros presidentes que também passaram por um isolamento político durante os seus mandatos: Jânio Quadros, João Goulart, João Figueiredo e Fernando Collor de Mello. “Jânio Quadros tinha uma maior erudição do que Bolsonaro, mas não era afeito ao diálogo com outros Poderes”, lembra José Alves. E Ernani complementa: “Jânio tinha um característica pessoal parecida com Bolsonaro: achar que ele fazia o certo e quem estava contra ele, estava errado”.

CONSENSO

Ambos consideram isso grave. “As democracias em geral funcionam pelo consensualismo. E se constroem consensos através de verdades múltiplas. Essa postura do presidente cria fraturas dentro do governo e fora. Numa crise desse tamanho, as pessoas se espantam, quando não enxergam uma coordenação entre os entes federativos”, comenta Ernani.

Ainda com relação às medidas que foram adotadas para conter a contaminação do covid-19, o cientista político também considera “inédito” a discrepância que ocorreu entre o presidente, os governadores e até entre os próprios ministros, já que “o da Justiça, Sergio Moro, e o da Economia, Paulo Guedes, decidiram também apoiar o que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta estava defendendo, o isolamento social”.

Ernani diz que Bolsonaro defendeu essas medidas baseado num cálculo que mostra que os efeitos na economia são menores, quando ocorre o isolamento vertical, sendo direcionado aos grupos vulneráveis, como os idosos. O isolamento social é indicado para todos – com o fechamento de escolas, comércio –, e a exceção é somente para os que têm o seu trabalho considerado essencial. “No entanto, pesquisas também mostram que isso é perigoso, porque as pessoas têm mais medo de perder um parente próximo do que da crise econômica”, conta Ernani.

A crise do coronavírus também vai ter um grande impacto econômico. “Os efeitos econômicos ainda não estão claros, mas Bolsonaro está passando a mensagem de que é contra o isolamento social e talvez empurre o protagonismo dessa crise econômica profunda que vai vir para os governadores”, acredita Ernani. Ele argumenta também que depois da segunda semana de tudo fechado “vai chegar uma fatura para os governadores, porque está tudo parado, a economia deixa de circular e de virar impostos”. A principal receita dos Estados é formada por tributos.

DESFECHO

“É difícil prever o desfecho dessa crise, mas Bolsonaro vai sair menor do que entrou. Esse isolamento vai ter um custo alto para o presidente porque a sua base parlamentar mais fiel é pequena. São mais de 50 parlamentares. Isso representa 10% do Congresso Nacional. As outras alianças vinham com a alta popularidade dele e isso mudou bastante agora”, argumenta José Alves.

LADO POSITIVO

Segundo ele, a crise econômica que virá após a pandemia do coronavírus vai impactar na imagem do presidente Bolsonaro. “As pessoas vão cobrar de todos os políticos, porque ocorrerá um desemprego enorme, problemas sociais. Será difícil o presidente galgar uma alta popularidade”, revela. O lado positivo, de acordo com o historiador, é que os partidos estão começando a ver o surgimento de novas lideranças que estão capitalizando neste cenário conturbado.

“Existem aqueles que, mesmo com suas divergências políticas, acreditam na ciência, na racionalidade e na defesa da ordem legal”, afirma José Alves. Ele acredita que os brasileiros já estão assistindo a um rearranjo das forças políticas com “menos ideologia, menos briga entre direita e esquerda, falando sobre o que o Brasil tem que fazer. É interessante ver governadores de direita e esquerda alinhados para o enfrentamento do coronavírus e dos graves problemas sociais dos seus Estados”, conclui.

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