O Mito da Caverna é o embate entre a ciência e a ignorância

No "dia do fico", o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta disse que releu durante o final de semana O Mito da Caverna de Platão
Leonardo Spinelli
Publicado em 07/04/2020 às 22:25
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (esquerda) e o presidente (centro). Foto: REPRODUÇÃO DE VÍDEO


Na entrevista coletiva que concedeu na noite de segunda-feira (6), no “dia do fico”, após o longas horas de fritura imposta pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), disse que releu durante o final de semana O Mito da Caverna, ou a Alegoria da Caverna, que faz parte do livro 7 da obra de 10 livros chamada A República, escrita por Platão no século 4 a.C. Um diálogo político em que o filósofo mostra como Sócrates refuta a ideia de que a Justiça é a conveniência do mais forte e que a virtude, ou a excelência moral, deve ser a prioridade dos homens e do governante, que precisa de educação adequada para saber distinguir o bem comum.

“A alegoria que ele usou faz a distinção entre o conhecimento e a ignorância. E isso parece perfeito para o que estamos vivendo no Brasil. Não é um embate entre direita e esquerda, mas sim entre a luz e as trevas, entre o saber e a ignorância. Nesse mar de ignorância, Mandetta se destaca pela voz do saber. Como fazer o presidente sair da caverna e ver a luz, é o grande desafio”, comenta o cientista político e professor universitário Isaac Luna.

Divulgação - Cientista político e professor universitário Isaac Luna

O professor lembra que Mandetta é um homem conservador, quadro do DEM e foi um dos articuladores do “lobby” contra o Mais Médicos, veio com ideias de cobrança nos atendimentos do SUS e foi executivo da Unimed. “É um cara dos planos de saúde, mas está cumprindo um papel relevante. Não é progressista, mas está mais próximo das luzes da ciência”, complementa Luna, que concorreu ao cargo de deputado estadual, em 2018, pelo PCdoB.

É válido salientar que, por ter ideias não alinhadas ao espectro da esquerda brasileira, as opiniões de Mandetta levantam polêmicas. No caso do Mais Médicos, por exemplo, o ministro defendeu a revalidação dos diplomas dos médicos cubanos que permaneceram no país. Isso aconteceu após Cuba romper o acordo de cooperação com o Brasil, em novembro de 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro. Em março deste ano, o Ministério da Saúde lançou novo edital para chamar médicos cubanos que permaneceram no País - sem a exigência de prova do Revalida - no intuito de reforçar o atendimento à saúde por causa da crise do coronavírus. 

Sobre a cobrança no SUS, em maio do ano passado, Mandetta deu entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, levantando o tema da gratuidade universal como ponto de reflexão. "É justo ou equânime uma pessoa que recebe 100 salários mínimos ter o atendimento 100% gratuito no SUS? Quem vai ter 100% de atendimento gratuito no SUS? Eu acho que essa discussão é extremamente importante para esse Congresso. Eu vou provocá-la, vou mandar a mensagem, sim, para a gente discutir equidade e esse ponto a gente vai por o dedo."

EDUCAÇÃO

A Alegoria da Caverna faz parte das divagações platônicas sobre a educação do governante, sobre a capacidade de contemplar o bem e, para isso, o filósofo usa a analogia solar em que o Sol, para o mundo natural, é fonte de nutrição e que no mundo intelectual é o que dá compreensão às ideias, ou seja, a luz é o conhecimento.

"Não é um embate entre direita e esquerda, mas sim entre a luz e as trevas, entre o saber e a ignorância. Nesse mar de ignorância, Mandetta se destaca pela voz do saber. " - Isaac Luna, cientista político e professor universitário

Neste capítulo, homens estão amarrados no fundo da caverna e atrás deles há uma fogueira ao longe que projeta na parede as sombras dos seres e objetos que passam por trás. Eles tomam as sombras como realidade. Um prisioneiro consegue se libertar dos grilhões, sai da caverna e num primeiro momento é ofuscado pela luz do Sol e após um tempo percebe que aquilo que ele viu a vida toda era apenas a imagem da realidade. Quando volta à caverna para contar aos outros é tido como louco e ameaçado de morte.

OPINIÕES

“É uma alegoria muito bonita”, diz o professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Jesus Vasquez. “No fundo está dizendo que a gente vive ligado ao imediato. Mostra que aquelas opiniões imediatas e empíricas não se sustentam. Por isso, a gente precisa de um conhecimento mais aprofundado. Há essa possibilidade de se confrontar com a coisa não científica, idolatria, a verdade imediata das coisas vulgares, a falta de aprofundamento com as coisas ligadas ligadas ao conhecimento e ao compromisso de compreensão e assimilação da verdade. O lugar único é o diálogo permanente das pessoas que tenham o mesmo compromisso, seja na política, na ciência na ética.”

Isaac Luna diz que, como na alegoria de Platão, ver a realidade para quem sempre esteve nas trevas é um processo dolorido. “E isso é significativo hoje em que vivemos um momento de negacionismo. Parte do governo nega a realidade, nega o que a ciência mostra, nega as luzes e se acostumou às trevas. Temos um governo em que seu ideólogo é um astrólogo autoproclamado filósofo (Olavo de Carvalho) em que a decisão não é pautada no conhecimento. A alegoria nos parece perfeita”, diz.

Na República, Platão defende que a “cidade não será justa enquanto os reis não forem filósofos ou os filósofos não forem reis”. Ele via que só os sábios, os guardiões, deveriam governar e não os guerreiros, que tomam conta da segurança ou a outra classe dos artesãos e comerciantes, na sociedade divida pelo filósofo ateniense.

ALAN SANTOS/PR/AFP - O presidente dos EUA, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro

“O filósofo marxista (Slavoj) Zizek previu que o capital econômico iria tomar o poder de fato. Donald Trump (presidente dos EUA) é um homem do mercado, Boris Johnson (premiê britânico) é ultraliberal do mercado financeiro. Bolsonaro foi eleito com o aval do mercado. Estamos vivendo aí que o isolamento é inadequado porque isso afeta os interesses do mercado, que se coloca acima da dignidade humana. Eles atendem a um interesse sobre os demais. É uma visão distorcida”

TAGS
coronavírus Luiz Henrique Mandetta Bolsonaro
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory