A politização do coronavírus

Especialistas e políticos atribuem a politização ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro. No País, 233,1 mil pessoas foram infectadas e 15,6 mil pessoas faleceram devido a covid-19
Angela Fernanda Belfort
Publicado em 17/05/2020 às 10:24
O presidente Jair Bolsonaro é contra o isolamento social adotado pela maioria dos governadores. Em Boa Viagem, a Rua Fernando Simões Barbosa está quase deserta por causa da medida Foto: ALEXANDRE GONDM/JC IMAGEM


A politização do coronavírus derrubou dois ministros da saúde, os médicos Nelson Teich – que anunciou sua saída do governo na última sexta-feira (15) depois de passar 28 dias no cargo – e Luiz Henrique Mandetta (DEM), que começou na atual gestão, mas pregava o isolamento social como forma de tentar diminuir a contaminação do covid-19. O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), é contra o isolamento social, medida indicada pela Organização Mundial de Saúde. A politização no enfrentamento à pandemia também colocou quase todos os governadores do País – independente de partido político – de um lado e o presidente, do outro, além de unir todos os ministros da instância máxima da Justiça, o Supremo Tribunal Federal (STF).

A recém-saída de Nelson Teich teve como ponto de discórdia o uso da cloroquina, um medicamento que pode ser usado no tratamento do coronavírus, mas deve ter acompanhamento médico por provocar efeitos colaterais. “É uma verdadeira falácia o uso da cloroquina. Não tem como se sustentar no governo um profissional da área de saúde com uma obediência cega a quem nega a evidência científica. A política é importante para a vida de qualquer pessoa em sociedade, mas é preciso recolocá-la num outro plano. Essa politização não tem ajudado ao enfrentamento da covid-19”, resume a médica sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Bernadete Perez. E acrescenta: “A ciência tem mostrado várias medidas que poderiam ser adotadas. Isso tem nos atrasado no enfrentamento à pandemia”.

A principal figura que está politizando o enfrentamento ao coronavírus no Brasil é o presidente da República, Jair Bolsonaro, segundo três parlamentares, a médica citada acima e dois cientistas políticos de instituições diferentes. “Há uma politização da ação do presidente da República no sentido de enfraquecê-lo. E ele não consegue coordenar as ações de enfrentamento ao covid-19 por dois motivos. Primeiro, Bolsonaro acredita em coisas que os governadores não acreditam. Ou seja, o presidente vai para um lado e os governadores para outro. Segundo, o presidente tem um perfil que precisa alimentar inimigos, uma postura de confronto”, sintetiza o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonardo Paz.

Para ele, essa politização resulta uma descoordenação no enfrentamento da pandemia com, por exemplo, cada Estado adotando um tipo de isolamento social. E, o resultado, segundo Leonardo, é que “vamos lidar mais tempo com a pandemia pela falta de coordenação”.

ISOLADO

O cientista político do Insper Leandro Consentino argumenta que a politização não é danosa, quando os chefes do Executivo estão postando lives e prestando contas à população do que fazem. “Bolsonaro foi o primeiro a politizar essa questão, quando a pandemia já estava ganhando proporções complicadas na Itália. No mundo, só temos quatro países alinhados em minimizar a pandemia: Brasil, Bielorússia, Turcomenistão e Nicarágua. Os três últimos vivem em regimes autoritários. Como democracia, estamos isolados”, argumenta Leandro.

Ele também acredita que não é uma postura inteligente de um presidente da República se opor a maioria dos governadores, que têm força política e podem influenciar as decisões no Congresso Nacional. Na semana passada, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que a postura de Bolsonaro levou os governadores a formarem um bloco uno. “Não acredito que os setores da esquerda se alinhem com o Doria. Talvez, ele queira ter uma simpatia maior dos que não votaram em Bolsonaro, criando uma persona diferente do BolsoDoria de 2018”, atesta Leandro.

CRÍTICA

“Uma das principais críticas que fazemos ao enfrentamento do coronavírus é a politização. O momento requer renúncias das diferenças para construir um consenso”, avalia o deputado federal Danilo Cabral (PSB). Ele afirma que a politização da pandemia esteve até presente na forma como o governo federal decidiu pagar o benefício dos R$ 600 a pessoas que vivem do mercado informal.
No País, quem faz a política de proteção social é o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – que coordena inclusive o Bolsa Família – com mais de 8 mil Centro de Referência à Assistência Social (CRAS) instalados nas estruturas dos municípios. “Quem entende de população vulnerável é o SUAS. O governo federal decidiu não compartilhar com os municípios, através das estruturas dos CRAS, o atendimento à essa população porque quis fazer uso político da renda básica. Induziu as pessoas ao contágio nessas filas da Caixa”, comenta o socialista. No Grande Recife, as filas foram enormes, por vários dias, e Pernambuco estava de quarentena decretada pelo Estado com a proibição de aglomerações.

E, por último, até quem defende as pautas da bandeira liberal do ministro da Economia Paulo Guedes critica. “O presidente errou muito em politizar o coronavírus. Não vi isso ocorrer por parte dos prefeitos e nem dos governadores, com exceção de algumas declarações mais incisivas de João Doria. Todos os políticos perdem eleitoralmente com a pandemia. Independente de crença política ou ideológica, o partido de todos agora deve ser o Brasil”, alfineta o deputado federal Sílvio Costa Filho (Republicano).

No Twitter, neste sábado (16), Bolsonaro atacou novamente as regras de isolamento total adotadas em alguns Estados brasileiros. “O desemprego, a fome e a miséria será o futuro daqueles que apoiam a tirania do isolamento total”, escreveu. Em seguida, o presidente postou um vídeo de um bloqueio de tráfego no bairro da Imbiribeira, Zona Sul do Recife. O vídeo era de um apoiador criticando o governador Paulo Câmara (PSB), acusando-o de não deixar passar no bloqueio quem vestia a camisa do Brasil ou que exibia a bandeira brasileira nos carros. 

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