TECNOLOGIA

Decreto é o primeiro passo para a lei de inovação sair do papel, dizem especialistas

Executivos da área de tecnologia acreditam que agora é necessário uma grande articulação do governo estadual para que se concretize o que está previsto na Lei de Inovação e na sua regulamentação

Angela Fenanda Belfort
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Angela Fenanda Belfort
Publicado em 07/08/2020 às 21:41
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EXPANSÃO Serão pelo menos 70 novas vagas no setor criadas com a chegada da nova empresa de tecnologia - FOTO: GUGA MATOS/JC IMAGEM
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A publicação do decreto que regulamenta o novo marco legal de incentivo à pesquisa, desenvolvimento científico, tecnologia e à inovação é considerada uma iniciativa importante para criar um ambiente que contribua com o desenvolvimento e a consolidação de novos negócios em Pernambuco, mas é preciso que ocorra uma grande articulação, por parte do governo do Estado, com os outros atores envolvidos para o que se concretize o que está escrito lá. "É um passo à frente. É difícil falar de algo que não participamos da construção. Não posso dizer que o setor não foi consultado, porque o Núcleo de Gestão do Porto Digital deve ter participado", comenta o vice-presidente de Relações Institucionais da regional pernambucana da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro), Ismar Kaufmann. A entidade congrega 140 empresas que atuam nesta área somente em Pernambuco e não participou da elaboração do decreto.

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O decreto nº 49.253, foi publicado em 31 de julho, regulamentando a Lei Complementar (LC) de nº 400, de 18 de dezembro de 2018. A regulamentação ocorreu 17 meses depois da publicação da LC, considerada o marco legal da ciência, tecnologia e inovação em Pernambuco. A lei só sai do papel depois que ocorre a regulamentação.

"Ainda sobre o decreto, o mecanismo de apoio à startups é legal. Facilitar as compras que podem ser feitas às startups é interessante. Participar de licitações não é trivial para quem está começando, como as startups. Antes do decreto, a inovação pernambucana não podia contar com o governo como cliente. E é um cliente com grande poder de compra", resume Ismar.

Ele faz outra colocação: "É preciso compreender que as startups não podem perder o apoio depois que crescem um pouco. As empresas mais maduras do setor precisam ter mecanismos que continuem incentivando às empresas da área de tecnologia desde que estejam vendendo inovação de qualidade". Ismar explica que tecnologia não é mais importante do que as demais áreas para ter este incentivo, mas o desenvolvimento desse setor é aplicado e traz competitividade aos demais, como, por exemplo, o de materiais, nanotecnologia, genomika, entre outros.

O empresário também lembra que "a inovação enxuta" - uma tendência mais moderna - está ligada a um ciclo que inclui aprender, construir e medir, exigindo uma co-participação de quem está contratando. "É um ciclo contínuo e indivisível. E essa lógica tem que estar na cabeça dos gestores públicos", fala, acrescentando que muito gestor público ainda está fazendo a "inovação em cascata que consiste em passar um tempo grande especificando (definindo o que vai ser comprado), desenvolvendo (o que vai ser feito) e finalizando com a entrega do produto".

Para o CEO do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Fred Arruda, o decreto é bem completo e trata de questões importantes, como capital de risco, subvenção econômica, incentivo à startups e pequenas empresas. "Espero que o Estado garanta recursos para o desenvolvimento da ciência e a aceleração de startups inovadoras pernambucanas. A criação da Usina Pernambucana de Inovação é um avanço. É esperar que o Governo aplique recursos financeiros para que a transformação digital do Governo de Pernambuco possa de fato ocorrer", resume Fred.

A Usina Penambucana de Inovação pretende transformar o Instituto de Gestão Eduardo Campos, que funciona na secretaria estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), numa central de inovação com técnicos de várias áreas buscando soluções para o governo de Pernambuco.

E os aspectos negativos ? "A minha preocupação - e não crítica - é ao processo de prestação de contas. Cada instrumento de fomento à inovação no Brasil trata essa questão de uma forma não padronizada, e isso gera um custo alto de gestão para quem executa os projetos. Espero que não haja excesso de burocracia na prestação de contas. Rigor é importante, desde que não seja burocrático e lento", enfatiza Fred.

Mesmo considerando o decreto "importante", o professor da Universidade Federal de Pernambuco José Carlos Cavalcanti faz algumas observações. "Primeiro, é interessante é o artigo 36 do decreto, que faculta a participação do Estado em Fundos de Investimentos, mas senti falta de uma preocupação maior com a internacionalização da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação, porque uma parte das novas ideias, produtos e serviços emana hoje de uma ampla articulação internacional com os pesquisadores trabalhando em redes internacionais de pesquisa, desenvolvimento e inovação, o que é chamado de inovação aberta".

REGULAMENTAÇÃO

O decreto tem 45 artigos, incluindo 13 princípios e 10 diretrizes. E procura estimular quatro grande players do setor, como os ambientes especializados e cooperativos, a participação no processo da inovação dos Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) do Estado, a inovação nas empresas e nas startups. Como está no texto publicado, a iniciativa pretende estimular a atração, constituição e instalação de Centros de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação nos ICTs existentes em Pernambuco; incentivo à constituição de ambientes favoráveis à inovação e às atividades de transferência de tecnologia; utilização do poder de compra do Estado para fomentar a inovação; apoio, incentivo e integração dos "inventores independentes às atividades das ICTs e ao sistema produtivo local".

Com menos de uma semana no cargo, o novo secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Lucas Ramos, considera que a parte mais importante do decreto é criar instrumentos que possibilitem a cooperação entre o mercado e a academia. "A empresa privada vai poder financiar pesquisa em órgão público e os pesquisadores poderão receber pela pesquisa dentro de uma carga horária de até oito horas semanais", conta. Ele interrompeu o mandato de deputado estadual para ocupar o cargo.

Um das maiores dificuldades no desenvolvimento de Ciência e Tecnologia no Brasil é que mais de 60% dos pesquisadores de ponta estão nas universidades e faltam parcerias para transformar a pesquisa desenvolvida em produtos ou serviços.

A assinatura do decreto coincidiu com o último dia da gestão do também deputado Aloísio Lessa (PSB) à frente da Secretaria estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, pasta que ocupa desde janeiro de 2019. Segundo ele, os empresários do setor foram escutados durante a elaboração da Lei - que se tornou o marco legal da Ciência, Inovação e Tecnologia - e também durante a redação do Sistema Pernambucano de Inovação ( SPIn) que definiu a estratégia do setor entre 2017 e 2022. "O decreto juntou o SPIn e a Lei, dividindo em capítulos o que esses dois abordavam. A implantação da Usina Pernambucana de Inovação não anula as parcerias já existentes. E essa aproximação da academia com o mercado também é necessária", cita Aloísio.

O ex-secretário argumenta também que não houve interrupção no âmbito da secretaria estadual, porque tanto a Lei da Inovação, como o decreto e a SPIn vem seguindo o mesmo caminho desde a gestão da ex-secretária estadual, a cientista Lúcia Melo, que "elaborou - junto com a sociedade - o SPIn". Lúcia foi secretária nos quatro primeiros anos da gestão Paulo Câmara. Sobre o intervalo de 17 meses entre a publicação da lei e a regulamentação, Aloísio revela que "isso ocorreu porque o decreto é complexo. Nao foi uma mera questão de copiar e colar".

ASSESPRO/DIVULGAÇÃO
Facilitar as compras que podem ser feitas às startups é interessante. Participar de licitações não é trivial para quem está começando", diz o vice-presidente de Relações Institucionais da Assespro, Ismar Kaufmann - FOTO:ASSESPRO/DIVULGAÇÃO

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