O ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Roberto Robalinho, em entrevista concedida ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, defendeu que não há provas concretas que confirmem irregularidades dentro da Operação Lava Jato.
Segundo Robalinho, o procurador-geral da República, Augusto Aras, que alegou erros na Lava Jato, fez apenas colocações "genéricas" que não levaram a "nada concreto que possa ser discutido de maneira mais efetiva". O ex-presidente da ANPR também comentou sobre as funções dentro do Ministério Público e a expectativa para a votação que decidirá o afastamento ou não do promotor da Lava Jato, Deltan Dallagnol.
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Confira a entrevista completa de José Roberto Robalinho desta segunda-feira (3):
Quais teriam sido os erros da Lava Jato que despertaram a ira do procurador Augusto Aras?
Falar em erros ou em exageros, no sentido genérico, é tão fácil quanto inadequado. Se algum erro houve ou se alguma irregularidade aconteceu, ela teria e tem que ser apontada, apurada. O Ministério Público não tem temor algum de cortar na sua própria carne, é papel seu dentro da sociedade. Até agora nenhuma irregularidade concreta foi apontada por ninguém. Mesmo o doutor Augusto, que ao se pronunciar, tem feito colocações genéricas e que não parece ter levado a nada concreto que possa ser discutido de maneira mais efetiva.
As críticas que Augusto Aras faz à Operação Lava Jato é que teria investigação de dados sigilosos sobre pessoas demais com acusações de menos. Isso procede?
Isso é uma acusação até estranha. Não há nenhuma informação que esteja nas mãos da Lava Jato, informações como quebras de sigilo telefônico, fiscal, bancário de cidadãos, que não foram fornecidas pela própria Justiça. O Ministério Público não tem poder de determinar esse tipo de quebra. As informações que estão nas mãos da Lava Jato foram sempre fornecidas pela Justiça. Só a Justiça pode determinar esse tipo de quebra.
Não apenas o Juízo de Curitiba, ocupado até um ano e meio atrás pelo ex-ministro Sergio Moro, mas os tribunais superiores que foram questionados diversas vezes pelos advogados mais bem preparados no Brasil. E, na imensa maioria, com uma taxa de sucesso que é inclusive atípica de tão positiva, foram mantidas as decisões. Essas quebras foram mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, depois pelo Superior Tribunal de Justiça e, finalizando alguns casos, mantidas pelo Supremo Tribunal Federal. Então não há nada de irregular nela. A quantidade de dados e informações é apenas um testemunho da grandeza da investigação da Lava Jato, da qualidade e quantidade de casos que tiveram que ser analisados. Não há nenhuma irregularidade nos números que foram apresentados.
A Constituição dá ao MP um raio de ação muito grande para que ele tenha um trabalho livre. Até que ponto vai o comando do Procurador-geral da República com o MP, com os procuradores?
Cada membro do MP tem independência funcional, o que significa que age de acordo com sua consciência. Não existe hierarquia no trabalho do MP, como não existe no Poder Judiciário. Um desembargador, um ministro do Supremo Tribunal Judiciário, os ministros do Supremo podem até rever a decisão de algum juiz, mas não decidem no lugar dele. O que o juiz decide, ele faz de acordo com a sua convicção e com a sua leitura da lei. No caso da Lava Jato, tem uma curiosidade que deve ser especificamente entendida pela população. O promotor natural da Lava Jato é o doutor Deltan Dallagnol. Os casos são dele, ele conduzirá enquanto for promotor natural.
A força tarefa da Lava Jato, tamanho era o caso, a quantidade de investigações, que teve que se formar um grupo de pessoas que apoia o Deltan. Esse grupo foi formado por portarias dos sucessivos procuradores gerais que presidiram o MPF, de 2014 para cá. Rodrigo Janot, Raquel Dodge e agora, Aras. O procurador-geral tem um poder grande de influenciar o andamento da Lava Jato, não por determinar como deve ser conduzida investigação, mas porque ele pode afetar a condução das forças tarefa. Sim, ele realmente pode, se tomar uma decisão administrativa de retirar o apoio, retirar os colegas que atuam junto com o promotor natural.
Aras tem sido acusado de trabalhar contra a autonomia dos procuradores do Ministério Público, de trabalhar para o governo Bolsonaro. De forma prática, considerando as regras, se isso aumentar de uma forma insustentável, o que é que pode acontecer? Existe algum tipo de punição? Os próprios procuradores podem se juntar para afastá-lo?
O cargo de procurador-geral (PG) é um cargo fundamental na estrutura brasileira, inclusive pelo poder e atribuições constitucionais que tem o seu titular. O PG está no mesmo nível, na mesma situação funcional dos ministros do Supremo, ou seja, ele não responde a corregedorias, ele está acima delas. Ele não se submete ao Conselho Nacional do MP. Ele está acima da corregedoria geral do MPF. Isso não somente para Aras, mas qualquer procurador geral. Então ele responde, em tese e apenas, perante o Senado Federal. O Senado pode, como pode com os ministros do Supremo e algumas outras altas autoridades da República, em tese, fazer um processo de afastamento, que nunca aconteceu. Nós procuradores e promotores não temos nenhuma ferramenta ou instrumento de retirada da chefia da instituição.
Como você está vendo a instalação da CPI que está sendo proposta na Câmara dos Deputados ao Congresso? Qual deve ser o encaminhamento do governo? E, em paralelo, tem a votação do Dallagnol no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para saber se ele será punido ou não. Tem alguma expectativa para que lado vai pender essa decisão?
Nós esperamos e confiamos no Congresso e na Câmara dos Deputados que uma CPI com essa confirmação não seja instalada. Até porque, até agora, nada de concreto que possa ser realmente apurado sobre irregularidades nas investigações da Lava Jato foram apresentadas. Com todo respeito, não apenas as colocações genéricas do Aras, mas também de outras que foram apresentadas antes. Não vejo objeto definido nenhum a ser investigado. Ficaria apenas com o papel de ser uma espécie de "vendeta" de forças políticas que foram atingidas contra uma investigação que, repito, passou por todas as estâncias do judiciário e que até agora foi excepcionalmente bem sucedida.
Essa matéria (sobre Deltan Dallagnol) se trata de uma reclamação apresentada pela senadora Kátia Abreu (PDT) que pretende afastar o promotor Deltan do papel de promotor natural do caso. Se trata de algo muito grave. Afastar o promotor natural do caso é contrariar o que a Constituição determinou para garantir a independência dos magistrados. Só pode ser feito diante de gravíssimas e comprovadas irregularidades. Com todo o respeito, não consta na representação da senadora e não há nenhuma base para uma atitude tão grave.
É muito importante que a população e cada um do País, meus ilustres colegas do Ministério Público de Pernambuco, do Ministério Público Federal do Brasil inteiro, atentem para a gravidade essa investigação e conversem com o Conselho Nacional para que isso não aconteça e não seja superado.