Se do lado da direita, o grupo das oposições está fragmentado em cinco candidaturas que buscam seu espaço na eleição do Recife e não dispensam ataques mútuos, na esquerda as candidaturas de João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) são vistas com ressalvas em relação ao que as diferem uma da outra, considerando o fato de que, até recentemente, o PT e o PSB estavam no mesmo palanque.
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"O eleitor que já decidiu por votar em Patrícia com Daniel, ou votar em Mendonça, ou votar em Alberto Feitosa, ele tem claro que o PT e PSB são duas faces, digamos assim, da mesma moeda. Ele tem essa percepção da aliança que é esse o grupo a ser combatido, que não há diferença real entre PT e PSB do ponto de vista de continuidade da política pública ou do estilo de governo da prefeitura", avalia o cientista político Arthur Leandro.
No entanto, em uma análise histórica sobre os dois partidos - do ponto de vista de suas origens - eles nasceram com propósitos diferentes. Segundo o cientista político e professor da Asces-Unita, Vanuccio Pimentel, o PSB é um partido de esquerda anterior ao PT. “O Partido dos Trabalhadores surgiu no início dos anos 1980, como uma crítica a própria esquerda socialista e comunista, criando uma espécie de socialismo democrático. Ele nasceu de um projeto de esquerda diferente dos partidos que já existiam como o PSB, PCB e PCdoB”, explica o docente.
O cientista político Alex Ribeiro considera que os dois partidos representam projetos que ainda são percebidos como distintos por boa parte do eleitorado. O PT é ligado ao sindicalismo e a políticas como o Bolsa-Família e cotas em universidades. “É mais ramificado, com várias correntes e que teve representantes no palácio do Planalto - esses fatores levaram a uma identificação significativa do eleitorado brasileiro, sobretudo no Nordeste”, conta.
O PSB é mais descentralizado, com polos de poder sobretudo em Pernambuco e São Paulo, e segundo explica Ribeiro, prega a participação social nas políticas públicas. “Assim como outros partidos de centro esquerda, tenta criar discursos próprios que os diferencie do próprio PT. O PSB, nesse caso, é mais desenvolvimentista e com mais facilidade em dialogar com partidos considerados de centro”, completa.
Para Vanuccio Pimentel, as alianças entre socialistas e petistas podem ser consideradas recentes, já que os partidos vieram a se unir em um mesmo palanque na reeleição do ex-prefeito do Recife, João Paulo, em 2004. Depois, voltaram a se separar nas eleições de 2012, quando o ex-governador Eduardo Campos apresentou o nome de Geraldo Julio para representar o PSB no pleito majoritário daquele ano. Já em 2014, houve um rompimento no âmbito nacional, devido ao lançamento da candidatura de Eduardo à Presidência da República.
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“Me parece que eles só vão conseguir se “separar”, se tiverem projetos políticos diferentes no plano nacional, enquanto estão em aliança nível nacional, é difícil ter um rompimento a nível municipal”, afirma o cientista político. Ele cita as eleições de 2018, em que pesou o apoio do PSB ao candidato a presidente do PT, Fernando Hadadd, no segundo turno. Em Pernambuco, o partido petista integrou o arco de alianças liderado pelo PSB, a Frente Popular para reeleger o governador Paulo Câmara (PSB).
Associação
O cientista político Alex Ribeiro lembra que a associação feita entre os dois partidos é uma estratégia comum utilizada nas últimas eleições pela oposição no Recife, que trata em seus discursos os mandatos de João Paulo (PCdoB, na época no PT), João da Costa (PT) e posteriormente Geraldo Julio (PSB) como uma continuidade.
Outro complicador é a permanência de nomes do PT nas gestões do PSB em Pernambuco e no Recife, com o secretário estadual de Agricultura, Dilson Peixoto, e o secretário municipal de Saneamento, respectivamente. Até o momento, não há definição sobre a saída dos petistas nestes espaços.
Para Arthur Leandro, o eleitor recifense que já está engajado no pleito deste ano já tem essa percepção do que os dois, além de estarem no mesmo espectro político, tem objetivos semelhantes. "Tanto é que João Campos discute com Mendonça, não briga com Marília. Fala-se na ideia de que evitar que o controle político da capital passe para o outro lado, para a direita ou para a oposição histórica do PT e PSB na cidade. Resolvido isso, indo os dois para o segundo turno, a disputa seria uma disputa fraternal por assim dizer. O que ganhar comanda a prefeitura, mas o grupo que perder forma uma coalizão ampla no sentido de apoio, inclusive no legislativo, aos projetos", explica.
No caso de Marília Arraes e João Campos, há ainda o fator familiar. “Vamos devolver o Recife para o povo e vamos libertar o povo dessas famílias imperiais. Vou ter o prazer de colocar um ponto final nessa família e nessa oligarquia. Na Prefeitura, ninguém vai botar o neto ou filho de alguém, vai entrar naquela Prefeitura alguém que tem na garganta engasgado um grito de justiça e indignação", disse a delegada Patrícia Domingos (Podemos) durante a convenção que oficializou a sua candidatura.
“Existe um elemento tão significativo quanto o anti petismo: o movimento anti esquerda proposto por partidos de direita e extrema direita. Então, estes grupos vão sempre taxar legendas como PDT, PSOL, PT, PSB de "comunistas". É a ideia de negação ao outro. No Recife essas narrativas não são diferentes. As eleições deste ano também devem tocar nessa questão. Principalmente porque o PT e PSB caminharam juntos nas últimas gestões”, diz Alex Ribeiro.
Já Vanuccio reconhece a dificuldade do eleitor de vislumbrar como os projetos dos dois partidos no Recife se distinguem. “Não é à toa que João vai se vincular a Eduardo, e Marília a Arraes, mas também a Lula para tentar criar uma diferença mais macropolítica para o eleitor, do que propriamente uma diferença partidária, programática e significativa entre um e outro. Acho que na eleição fica muito difícil fazer uma separação muito clara entre o projeto do PT para o Recife e o projeto do PSB”, disse.
“Eu era a neta mais velha de Arraes. era muito ligada a ele. De Arraes eu tiro duas grandes lições, entre tantas: a coerência. A linha que ele adotava sempre continuava a mesma ao longo do tempo e ele não se contradizia no seu discurso, diferente de muitas outras lideranças do país, e a coragem. Arraes teve muita coragem de enfrentar poderosos, setores da sociedade fazendo coisas que na época eram consideradas subversivas”, pontuou Marília durante live da Isto É nesta terça-feira (22).
Esse vínculo que será utilizado pelos candidatos, citado pelo cientista político Vanuccio Pimentel, foi bastante explorado na convenção partidária que homologou a candidatura de João Campos, no dia 15 de setembro. Não faltaram homenagens e referências a Pelópidas Silveira, Miguel Arraes e Eduardo Campos. Inclusive, um vídeo com imagens do pai de João foi reproduzido durante o evento, que teve transmissão virtual. “Não posso deixar de lembrar do meu pai (Eduardo Campos), ele diria para seguir em frente e fazer bem feito e vamos fazer em torno de um projeto que gere oportunidade”, declarou João, na ocasião.
Ainda que haja ligações entre petistas e socialistas no estado - o próprio senador Humberto Costa foi reeleito na chapa majoritária do governador Paulo Câmara - Marília busca se personificar uma figura de oposição sem qualquer ligação com o seu ex-partido, do qual se desfiliou em 2016, mas já havia rompido em 2014. Perguntada a live da Isto É sobre João Campos, Marília resumiu: “Não tenho relação política nem com ele nem com o PSB de uma maneira geral. Durante a campanha a gente vai ter o tratamento como a gente deve dar aos adversários, com respeito mas obviamente divergindo”.
Sempre que questionado sobre a candidatura de Marília Arraes, João Campos limita-se a responder que o PT possui autonomia para decidir o futuro do partido, evitando entrar nessa discussão. Procurado pela reportagem para falar sobre as críticas que a oposição faz ao declarar que tanto sua candidatura quanto de Marília, possuem o mesmo projeto político, João Campos não retornou as tentativas de contato. Segundo sua assessoria de imprensa, ao encerrar uma agenda no Ipsep, nesta quarta-feira (23), ele entrou em reunião em seguida, impossibilitando o retorno.
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Ainda que de forma tímida, o socialista já pontuou críticas à gestão do PT no Recife que antecedeu Geraldo Julio, e tinha até mesmo um socialista no cargo de vice, Milton Coelho (PSB). “Você lembra uma cidade onde não tinha um Hospital da Mulher, não tinha Compaz, Escola do Futuro, Via Mangue, Faixa Azul, onde não tinha várias obras de infraestrutura e programas em áreas centrais como educação, que hoje tem. Muito foi feito, mas sempre haverá o que fazer”, afirmou Campos no programa Resenha Política, da TV JC.
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