A primeira pesquisa Ibope/JC/Rede Globo de intenções de voto para prefeito do Recife, divulgada nesta sexta-feira (2), foi recebida com surpresa por cientistas políticos ouvidos pelo JC. Segundo os especialistas, com um cenário inesperado, a tendência é que haja uma nacionalização da disputa e uma possível polarização entre candidatos à direita e à esquerda.
O levantamento mostra que o deputado federal João Campos (PSB) e o ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM) estão tecnicamente empatados na liderança da disputa. João está numericamente à frente com 23% das intenções de voto para prefeito. Mendonça registra 19%. O democrata também aparece em empate técnico com Marília Arraes (PT), citada por 14% do eleitorado. O empate técnico ainda prevalece entre a candidata do PT e a Delegada Patrícia (Podemos), que aparece com 11% das intenções de voto.
Na avaliação da cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa, a pesquisa muda os cálculos eleitorais feitos por candidatos e aliados por trazer um resultado diferente do que era especulado. “Particularmente, fui pega de surpresa com o resultado. E, certamente, as equipes das campanhas também foram. Ninguém esperava a liderança de João Campos, visto que, apesar das máquinas ao seu favor, ele parecia não empolgar tanto”, pontua ela.
“Também surpreende a performance de Mendonça Filho. Acredito que isso está relacionado com o fato de ele, clara e literalmente, ter colocado a campanha na rua”, complementa Lapa, afirmando que, tanto o socialista, quanto o democrata tiveram “uma movimentação mais expressiva nesta primeira semana de campanha, e o eleitor começou a notar isso.”
Para o cientista política e professor da Asces-Unita, Vanuccio Pimentel, a pesquisa do Ibope frustrou as expectativas de quem apostava que João Campos estaria mais distante do segundo colocado, em face dos apoios que tem. “O Ibope trouxe uma realidade diferente de outros institutos, mas igualmente preocupante para o PSB”, declara Pimentel, explicando que cada empresa tem sua metodologia e que as pesquisas se tratam de “fotografias de momento”.
“Embora tenha um exército de candidatos a vereador, muitos deles com mandato, ao seu lado e o apoio das máquinas da Prefeitura e do Governo do Estado, João não consegue se distanciar de quem vem logo atrás, neste caso, Mendonça”, diz o professor. A pesquisa me surpreendeu nesse sentido, porque pela aliança que ele fez, deveria estar mais descolado do democrata”, completa.
Para Lapa, o primeiro levantamento do Ibope para a capital pernambucana expôs um cenário de divisão do eleitorado. "Ela deixa bem evidente o processo de fragmentação das forças políticas que até o momento caracteriza a disputa deste ano, tanto nas candidaturas com um viés mais à esquerda, quanto naquelas mais à direita", avalia.
Considerando que o debate entre esquerda e direita deve ser a tônica na escolha do eleitor, Vanuccio Pimentel não acredita que a disputa na segunda etapa do pleito, no dia 29 de novembro, se dará entre postulantes do mesmo lado no espectro político. “Acho difícil irem para o segundo turno dois candidatos de esquerda ou dois de direita”, afirma Pimentel, apostando na repitição em âmbito local da polarização que ocorre no país.
O cientista política e professor da Faculdade Damas, Elton Gomes, faz uma análise parecida. Para ele, apesar do grande número de candidatos oposicionistas na direita, a presença de um deles em um eventual segundo turno ainda é o cenário mais factível, ao menos no recorte do momento. "O voto da esquerda é mais concentrado. Quem vota em João ou Marília tem uma ideologia próxima, eles tendem a tirar votos um do outros. Já na direita, tende a prevalecer o pragmatismo. A tendência, levando em conta o comportamento do eleitor brasileiro, é que no momento chave o eleitor de direita veja quem tem mais chance de chegar ao segundo turno e dê o seu voto", argumenta Gomes.
Ainda de acordo com Vanuccio, essa polarização se reflete ainda na decisão de candidatos mais à direita tentarem colar suas imagens no presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No entanto, Pimentel adverte que essa pode ser uma estratégia ruim, visto que os índices de popularidade do chefe do Executivo nacional não são tão animadores no Recife. “Isso, pelo que vemos na pesquisa, só daria certo se os candidatos estivessem, na verdade, pensando em 2022 e não na Prefeitura. Assim, eles cativariam uma parcela do eleitorado e se firmariam como bolsonaristas nas eleições daqui a dois anos”, ressalta ele.
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Para Elton Gomes, o apelo a uma ligação com presidente da República, na verdade, objetiva o segundo turno das eleições municipais. “Os candidatos que estão acenando para Bolsonaro o fazem na busca, não de votos para ganhar no primeiro turno, mas para chegar ao segundo. Passando de etapa, eles poderão atrair eleitores aversos à esquerda e empreender uma jornada menos trabalhosa para chegar ao poder”, afirma
Gomes chama a atenção ainda para um dado importante da pesquisa Ibope/JC/Rede Globo. Segundo o levantamento, 39% dos eleitores acreditam que um bom prefeito deve ser honesto. Na avaliação de Elton Gomes, esse é fator que pode beneficiar a Delegada Patrícia, que figura em quarto lugar no levantamento.
"A pontuação dela é surpreendente, por ser estreante. Mostra que ela vem ocupando bem os espaços. Acredito que, se ela souber, aproveitar a pauta do ‘lavajatismo’, sobretudo, nesse momento em que membros da Prefeitura são alvos de operações da Polícia Federal, poderá expandir sua penetração social e crescer nas próximas pesquisas”, destaca.
PARTICIPAÇÃO NAS ELEIÇÕES
Apesar da pandemia do novo coronavírus, 77% dos recifenses afirmou que, com certeza, comparecerá às urnas no dia 15 de novembro. O resultado dividiu os especialistas ouvidos pelo JC. “Certamente, a abstenção não será baixa, muito na conta do descrédito com a política. Particularmente, não acredito que a pandemia vai fazer o eleitor faltar, principalmente, se tivermos mantidas as condições que temos hoje”, pontua Lapa. “Para muita gente, a vida parece ter voltado ao normal, então não acho que isso será decisivo para a pessoa votar ou não”, completa.
“Sempre no começo de toda eleição, parte do eleitorado não se sente motivada em ir às urnas. Mas com o desenrolar da campanha, os eleitores passam a tomar a decisão de votar”, explica Vanuccio Pimentel. “É possível que a abstenção, por causa do coronavírus, tenha algum crescimento, porém, temos a certeza que a grande maioria do eleitorado vai votar”, argumenta.
Já para Elton Gomes, apesar do resultado da pesquisa, a expectativa é de que a abstenção neste pleito bata o recorde, dados os perigos de contaminação pela covid-19. “Pesquisa é retrato de momento. Com o TSE liberando a justificativa de falta nas eleições pelo celular, a tendência é que uma grande parte do eleitorado, principalmente aqueles de classe média, idosos e pessoas com comorbidades desistam de ir às urnas neste ano. Dificilmente, alguém vai escolher arriscar se contaminar, podendo ficar em casa”, diz o especialista, afirmando que isso pode prejudicar estratégias de candidatos com os quais estes grupos têm mais afinidade.
A PESQUISA
A pesquisa do Ibope foi realizada entre os dias 30 de setembro e 02 de outubro de 2020. Foram entrevistados 805 votantes do Recife. A margem de erro máxima estimada é de três pontos percentuais para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%. A pesquisa está registrada no Tribunal Regional Eleitoral com o Número PE09685/2020.
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