Covid-19

Corrida pela vacina da covid-19 expõe cabo de guerra pelo protagonismo entre governadores e governo federal

"Não vamos aceitar a politização da vacina, ela é um direito de cada brasileiro e esse direito precisa e deve ser garantido", afirmou o secretario estadual de Saúde, André Longo.

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Publicado em 13/12/2020 às 7:50
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Busca de uma vacina para conter o vírus da covid-19 - FOTO: REUTERS/Dado Ruvic/Direitos reservados
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“Não vamos aceitar a politização da vacina". A fala enfática foi do secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, que completou: "Ela é um direito de cada brasileiro e esse direito precisa e deve ser garantido". A afirmação de Longo foi feita na última coletiva de imprensa virtual, realizada pelo governo do Estado para enumerar as ações do poder público sobre o combate à covid-19, na última quinta-feira (10). A fala marca o posicionamento do Estado numa discussão que há tempos vem sendo politizada e que envolve a vacinação da população brasileira - mais de 209,5 milhões de pessoas. 

A luta contra a covid-19 evidenciou um problema de âmbito federativo entre a União e os Estados. Nos primeiros meses, na busca pelo controle da disseminação do vírus, houve uma série de ações dissonantes com relação ao seu enfrentamento. Enquanto os governadores assinaram decretos com restrições para evitar as aglomerações e promover o distanciamento social - em alguns casos implementando o chamado “lockdown”- o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), os culpabilizava pelas duras consequências destas medidas na economia do País. Agora, com o anúncio da disponibilidade das vacinas, inicia-se outra batalha: a de imunizar toda a população brasileira. Um novo capítulo nesta “guerra” contra uma doença, que já matou mais de 179 mil brasileiros e tem mais de 6,7 milhões de casos confirmados, se torna instrumento político.

Em Pernambuco, o secretário André Longo garantiu que, atualmente, o Programa Estadual de Imunização (PNI) conta com 1,7 milhão de seringas em estoque e outros 1,8 milhão já tiveram a compra finalizada, com entrega prevista para breve. Ainda há um processo de aquisição para mais sete milhões de unidades, com previsão de ser concluído até janeiro de 2021. O prazo teria tempo hábil para a vacinação contra a covid-19, que deverá ser feita por etapas, de acordo com determinação do Ministério da Saúde.

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Segundo a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa, a politização da vacina não é um fato novo trazido pela covid-19. Em outros momentos da história do País, a exemplo da Revolta da Vacina, em 1904, houve apropriação política para tratar da problemática. “Essa apropriação surge de momentos em que o governo não sabe como lidar. No início da pandemia (covid-19), em duas reuniões entre os governadores e o presidente, ficaram claras as dificuldades de concertação política. Então, os governadores ocuparam um espaço de poder, e a avaliação positiva era superior à do presidente. Essa situação só se inverteu com o auxílio emergencial”, comenta Lapa.

Esse duelo de protagonismos volta à tona com a cobrança pela celeridade na vacinação. Após reunião com os governadores, realizada em Brasília, na última terça-feira (8), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, garantiu que há um Plano de Imunização Nacional contra a covid-19 e que todos os brasileiros serão imunizados a partir do próximo ano. Dois dias depois, o presidente do Consórcio Nordeste e governador do Piauí, Wellington Dias (PT), encaminhou um requerimento à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Avisa), solicitando “a autorização excepcional e temporária de importação e distribuição, em todo o território nacional, da vacina BNT162b2 desenvolvida pela Pfizer”.

“Nós estamos preparados. Tem vacina? Vamos vacinar e vamos salvar vidas no Brasil. E é claro, sair da crise da pandemia e da crise econômica e social”, afirmou Dias, que também é coordenador da temática “Estratégia para a vacina contra covid-19” do Fórum Nacional de Governadores. Essa atuação independente do governo federal por parte dos Estados e municípios começa a ganhar corpo e gerar atritos. “O caso da vacina é um pouco desse retrato entre os atores políticos como o governador João Doria (PSDB) e o presidente Bolsonaro. A disputa pelo protagonismo pode prejudicar a celeridade na imunização da população e, consequentemente, prejudicar a aprovação do governo federal”, ressalta o cientista político e historiador Alex Ribeiro.

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Governador de São Paulo acredita que Anvisa poderá aprovar a Coronavac até o dia 15 de janeiro. - LECO VIANA/ESTADÃO CONTEÚDO

O governador de São Paulo acredita que vacina Coronavac, do Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech, poderá ser aprovada pela Anvisa até o dia 15 de janeiro. O prazo contraria a afirmativa do ministro da Saúde, o prazo para aprovação de qualquer vacina pela agência pode demorar 60 dias. Esse desalinhamento das ações em prol da imunização tem gerado preocupação não só a união, mas entre os próprios gestores.

“O discurso antes era sobre as medidas de proteção e isolamento por que não tinha vacina. Agora temos vacina. Então os governadores querem mostrar que a parte deles está sendo feita e que não vão ficar esperando pelo governo federal”, afirma Priscila Lapa. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), utilizou suas redes sociais para deixar claro que pretende seguir o PNI do governo federal. “Toda e qualquer vacina registrada, produzida ou importada no País, será requisitada, centralizada e distribuída aos Estados pelo Ministério da Saúde”, declarou chefe do Executivo. “Nenhum Estado vai fazer politicagem e escolher quem vai viver ou morrer de covid”, cravou Caiado.

Para o cientista político Ernani Carvalho, do departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o caso envolvendo São Paulo é emblemático. “O Brasil é um país continental. A ramificação e estruturação do vírus no território é diferenciada e isso termina implicando numa descentralização da ação. Claro que a oportunidade aparece e, em ocasiões como essa, alguns governadores podem se valer dessa situação para imputar custos ou benefícios políticos”, afirma.

Ernani acredita que esses benefícios podem ser para uma capitalização política própria, com custos para seus opositores. “Em uma jogada o governador (João Doria) colocou em xeque o governo federal, a Anvisa, o ministro da Saúde, os governadores. Se pensar que Doria é uma candidatura forte em 2022, ele colocou em xeque também os seus oponentes”, pontua o docente.

PALANQUE 2022

Mesmo sem Bolsonaro, ter tomado uma postura mais enérgica com relação à vacinação, o peso ainda é mais caro para os governadores. A cobrança da população por vagas nos leitos, por médicos e toda estrutura de enfrentamento da doença, chega mais perto dos governadores e prefeitos do que do presidente.

Entretanto, é possível enxergar o movimento daqueles que querem capitalizar os ganhos de uma atuação eficiente e com resultados. “Não podemos ser ingênuos de achar que eles estão ali só porque querem resolver republicanamente os problemas da população. “O discurso antes era sobre as medidas de proteção e isolamento por que não tinha vacina. Agora temos vacina. Então os governadores querem mostrar que a parte deles está sendo feita e que não vão ficar esperando pelo governo federal”, declara Priscila Lapa.

No caso Jair Bolsonaro, o grande dificultador tem sido a forma de liderar o enfrentamento a covid-19, inicialmente o presidente classificou a doença como uma "gripezinha", esteve em vários eventos com aglomeração e negligenciou o uso da máscara. “O presidente Bolsonaro teve a oportunidade de liderar o enfrentamento à covid-19 e não fez isso. Os discursos negacionistas e conflitos ideológicos fizeram com que outros atores políticos anunciassem suas próprias medidas. Nesse caso existem dois fatores, o primeiro é o do ceticismo ao governo federal diante do desenvolvimento das vacinas; e o segundo, é a busca pelo protagonismo de alguns atores políticos”, afirma o cientista político Alex Ribeiro.

Enquanto isso Doria, que nunca negou o desejo de ser candidato, continua trabalhando para dissociar seu nome ao de Bolsonaro, já que foi eleito em 2018 apoiando-o para presidência. “Ele tenta ser um candidato competitivo do campo da centro-direita em 2022, por isso esse discurso mais enérgico”, pontua Ribeiro.

No quadro das incertezas, o nome do governador Paulo Câmara, que é vice-presidente nacional do PSB, passou a ser ventilado como uma possibilidade de o partido ter candidato nas eleições presidenciais. Diferente dos demais gestores, o socialista possui um tom de discurso mais ponderado. Na reunião de terça-feira com o ministro Pazuello, o governador afirmou que é papel do governo federal estabelecer protocolos com fabricantes para adquirir seringas e contratar logística de distribuição para todos os 27 estados.

“O Brasil não pode repetir erros causados pela falta de coordenação nacional, que lançou Estados e municípios numa disputa internacional por insumos, medicamentos e respiradores, no início da pandemia. Essa lição deve orientar uma nova postura relativa às vacinas”, declarou o governador de Pernambuco.

No entanto, os especialistas ouvidos pelos JC avaliam que por ser um nome nacional mais desconhecido, a escolha de Paulo Câmara como ator estratégico ainda terá que passar por processos de negociações entre legendas que estão na base de apoio do PSB.

“A não ser que essa perspectiva de fusão entre partidos de esquerda e centro avance. Fala-se que o PSD de Kassab está em forte negociação com o PDT de Ciro Gomes. Como o PDT e o PSB estão muito próximos, eu acho que a aliança passaria por isso”, afirma o cientista político Ernani Carvalho.

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Paulo Câmara garantiu que Pernambuco está preparado para vacinar a população dos 184 municípios - NE10

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GOVERNADOR Doria cobrou urgência da Anvisa na análise do pedido, mesmo com pendências de documentos - FOTO:LECO VIANA/ESTADÃO CONTEÚDO
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