Saber o que se passa na cabeça do eleitorado antes de definir o direcionamento de uma campanha é estratégia antiga, mas ganha nova escala a cada ano com o surgimento de tecnologias, como robôs e "Big Data". Com o mundo cada vez mais digital, a disputa política nessa seara aumenta no Brasil. Em linhas gerais, candidaturas contratam empresas que "varrem" a internet com softwares de inteligência artificial e processam toneladas de informação que vêm da rede e de bancos de dados para mapear exatamente o que quer cada perfil de eleitor.
Fundador da Lumi Consult, Alberto Borges explica o uso de "big data", que trata, analisa e interpreta um grande volume de dados obtidos a partir do uso que cada pessoa faz da internet. Segundo ele, os problemas e possíveis soluções são materializados e entregues ao tomador de decisões, o gestor público, por meio do uso de recursos de inteligência. "Nosso trabalho, e hoje temos trabalhado com o setor público ou com partidos, é integrar grandes conjuntos de dados. Por exemplo, o candidato vai fazer um programa de governo e precisa saber o que acontece na educação, na saúde, e o governo federal tem essas bases de dados. Quando se fala de emprego, há os dados do Caged e da Rais. Então, a gente consegue traduzir de maneira rápida e digital para o gestor público, ou alguém do Legislativo, conjuntos de informações com uma visão do que ele deseja como plataforma. Aqui em Pernambuco, a gente tem muitos parlamentares que atuam nessa área, como Raul Henry, por exemplo, e ele tem os dados de educação à mão", comentou Alberto Borges.
Na visão do analista, os partidos políticos ainda estão evoluindo no uso dessas ferramentas. "A gente ainda está começando a ter uma cultura baseada em dados dentro dos partidos. Os partidos, como grandes organizações não são os mais maduros no uso de dados. Muito do que se faz é empírico, às vezes dá certo, às vezes não dá, e os marqueteiros, eles sim, entendem dos dados de pesquisa. Mas os partidos, em si, na experiência que a gente tem, nos parece que ainda há um caminho a ser trilhado. Mas, quando eles começam a discutir, eles têm muito valor e é exatamente em um ano como esse que os olhos crescem e eles começam a entender que há um diferencial muito grande. Elaboração de plano de governo, o que é normal? O uso de análises, estatísticas, grandes relatórios, e o que a gente faz é entregar em um painel informação mastigada para você entender o que está acontecendo sobre determinado assunto", destacou.
Cientista político e coordenador do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas, Elton Gomes ressalta que a adoção de novas tecnologias vem sendo elemento constante ao longo de toda a história da disputa pelo poder. "Lembro que os regimes autoritários da Europa, dos anos 1920 e 1930, massificaram o rádio como instrumento de propaganda política. Em seguida, usam o cinema como instrumento e o Big Data mostra o quanto complexa ficou a arena política. Novas tecnologias transformam as democracias em concurso de popularidade ao invés de disputas a respeito de como deveria ser feita a atividade governamental, como políticas públicas devem ser feitas", disse.
"A partir de 2010, empresas de análise e mineração de dados passam a influenciar o processo eleitoral, como a Cambridge Analytica, criada em 2013, que criou ambiente para prospecção de informações a respeito dos indivíduos nas redes sociais. As pessoas gratuitamente disponibilizam a grandes conglomerados, aos governos e ao mercado informações delas mesmas, alguém percebe isso e começa a usar massivamente. Foi importante na campanha Brexit e na campanha de Donald Trump (nos Estados Unidos), em 2016. Empregaram elementos de Big Data para identificar preferências do eleitorado e modular um discurso mais competitivo, que tivesse adesão ao seu conteúdo ideológico, programático, mais competitivo do ponto de vista eleitoral", disse Elton Gomes.
Marqueteiros já usam o processo há tempos e sabem que a recepção de conteúdo é seletiva. Pessoas com orientação mais à direita dificilmente dão atenção a discursos progressistas, por exemplo. Assim, as campanhas adaptam as propostas de seus candidatos para elevar seu alcance e, se possível, converter esse alcance em voto.
"Candidatos se preparam para as eleições tentando analisar dados, eles sempre fizeram isso, a diferença é que agora a quantidade de dados é muito maior. Antes, eles faziam pesquisa qualitativa, chamavam 10 ou 15 pessoas para entender o que elas achavam que o político deveria ser, que proposta deveria ter, tinha pesquisa tradicional perguntando em quem votariam, e, hoje, além disso, pela internet você entende quem é seu eleitorado, que palavra eles falam mais, que páginas seguem, se a sua página é mais seguida por homens ou mulheres, por jovens ou pessoas com mais de 55 anos. É importante para a estratégia e o eleitor é bombardeado por dados o tempo todo, infelizmente, também por notícias e dados falsos, que são criadas e jogadas no oceano de dados para confundir o eleitor e tentar tirar um voto", comentou André Eler, diretor adjunto da Bites.
Ainda segundo Eler, não se pode esquecer do mundo físico e focar apenas no digital. "Tanto os disparos, o uso de robôs, são impulso para que alguns assuntos sejam conhecidos, mas no fim do dia o que importava é que isso chegue nos grupos por alguém que dê credibilidade. A militância de corpo a corpo existe e se modifica sem deixar de ser pessoal para ir ao digital. Ao invés de só bater de porta em porta, a militância envia mensagens em grupos que conhece, tenta convencer pessoas no trabalho, na igreja, na família, pessoalmente e na internet. A campanha digital é expansão da analógica, as duas coexistem".
Em 2022, o Brasil encontra um cenário polarizado, com pesquisas de opinião apontando uma disputa intensa pela Presidência da República entre Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT). Segundo Eler, com a análise de dados, candidatos da chamada terceira via podem identificar aqueles que são a favor e contra determinado tema e fazer um "corpo a corpo" virtual para tentar, por exemplo, convencer os indecisos, mas, ele ressalta que as mesmas ferramentas serão utilizadas para fortalecer a polarização.
"Há um papel na própria polarização do uso de Big Data, pois há a percepção de que alguns discursos, palavras, temas geram muita interação nas redes sociais e faz com que algumas candidaturas radicalizem para buscar mais engajamento. Muita gente investe em polarização, por isso. Porém, o eleitor de centro se sente abandonado e parece estar cansado disso. Então, os candidatos precisam saber usar a ferramenta para entender com quem eles interagem. O que verificamos é que alguns candidatos tem sido impulsionados não pela militância, mas por influenciadores músicos, artistas, jogadores de futebol e, de repente, tem opinião sobre política e tem um pouco mais credibilidade com o público do que o aquele militante que passa o dia todo falando em política. O eleitor que ainda não sabe em quem votar deve ser mais aberto a ouvir o que essas pessoas sem posicionamento tão firmado tem a dizer", destacou André.
Já o analista sênior de Big Data e marqueteiro digital de campanhas eleitorais, como a de Eduardo Leite (PSDB) ao Governo do Rio Grande do Sul, em 2018, Rafa Bandeira explica que não adianta ter dados em mãos sem um bom analista e um candidato competitivo. "De nada adianta bom software, bom analista, com candidato ruim. É a convergência que faz a campanha vencer. O Big Data ajuda a entender melhor o público alvo e a máquina bem trabalhada faz diferença, mas não se pode achar que as coisas estão resolvidas. O ser humano é substituível pelas máquinas até certo ponto."
Bandeira explica a importância de ferramentas de análises de dados para antecipar possíveis polêmicas na campanha. "Eduardo Leite, em 2018, sofreu ataques com relação a exames em Pelotas, onde ele foi prefeito. Diziam que pessoas morreram sem diagnóstico, foi a narrativa criada. Daí, identificamos esta fagulha de fogo, dois meses antes de ser uma crise grande e conseguimos, com isso, preparar vídeo de resposta, chegar na crise antes de ser pública e houve zona de manobra para se posicionar e não deixar a reputação ir por água abaixo, o que iria acontecer sem esse trabalho de inteligência que antecipa cenários", pontuou.