Da Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) editou um decreto nesta segunda-feira (27) para tentar se proteger de eventuais processos que levem à impugnação de sua candidatura à reeleição pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A medida publicada no Diário Oficial da União (DOU) atribui temporariamente ao advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, a palavra final sobre a legalidade dos atos do governo nas áreas eleitoral e financeira, criando um respaldo jurídico a mais a Bolsonaro contra eventuais medidas que o levem a responder na Justiça por condutas vedadas aos agentes públicos durante o ano de eleição
O governo aposta na criação do chamado "auxílio caminhoneiro", no valor de R$ 1 mil, como forma de manter o apoio da categoria, que é tida como estratégica pela campanha do presidente. Uma forma de viabilizar a proposta seria decretar estado de calamidade pública, abrindo margem para o governo realizar investimentos fora do teto de gastos.
Especialistas, contudo, vêm indicando que a proposta do Planalto pode ser enquadrada na Lei de Eleições, o que levaria a consequências como a impugnação do registro de candidatura de Bolsonaro, cassação de mandato e inelegibilidade por 8 anos. Doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Renato Ribeiro explica que a manobra do governo tem pouca margem de aceitação no meio jurídico, caso seja alvo de contestação na Justiça Eleitoral
"O Brasil está muito longe de uma situação que poderia se enquadrar na calamidade pública. A gente não está em uma situação emergencial. Nós temos um custo elevado decorrente de duas situações especiais: política de preços da Petrobras e guerra na Ucrânia. É forçoso o argumento de que isso justificaria uma atividade emergencial por parte do governo federal. É um argumento que não se sustenta", afirmou.
"Com a alteração, a Advocacia-Geral da União passa a analisar a proposta de edição de atos normativos que versem ou envolvam direito eleitoral e que, antes do Decreto, cabia às assessorias jurídicas dos Ministérios", explicou o advogado Luiz Gustavo, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
"Tal modificação implica em centralização de tais temas, incluindo análise de constitucionalidade dos referidos normativos, junto à AGU, o que possivelmente guarda relação com as discussões que envolvem a concessão de benefícios ao eleitor em ano eleitoral, já que agora apenas a AGU analisará as discussões previamente a edição do decreto ou regulamento", completou.
O eleitoralista explica que a criação de benefícios como o "auxílio caminhoneiro" são proibidos no ano das eleições, com exceção quando há períodos de emergência no País. Segundo o advogado, para que a proposta do governo não sofresse contestação na Justiça seria necessário que o benefício guardasse relação com as causas da situação emergencial.
"O que não parece ser o caso da instituição do ‘auxílio caminhoneiro’, já que o aumento de preços dos combustíveis decorrente de um processo inflacionário não se enquadra no conceito de emergência ou calamidade", completou.
Para o professor de direito constitucional da USP Rubens Beçak, a decisão de Bolsonaro visa centralizar na AGU - e em seu homem de confiança no órgão, Bruno Bianco Leal - a função de chancelar as propostas do governo para que não passem desapercebidos eventuais crimes eleitorais.
"O temor do presidente é de fazer qualquer coisa que possa ser imputada pela Justiça Eleitoral como criminosa ou indevida, sobretudo quem disputa a reeleição. Como ele domina a máquina pública, a possibilidade de cometer um deslize é muito grande, como a questão do ‘vale caminhoneiro’, que teria um fim eleitoreiro ou não", afirmou.