Quando Ronaldo Gouveia da Silva, 52 anos, vê o caminhão-pipa passar pelas ruas do município de São Caetano, no Agreste pernambucano, é só alegria. Apesar de desembolsar até R$ 160, ele sabe que aquele é um dos poucos momentos nos quais tem a certeza de que tonéis, baldes e cisterna de casa estarão abastecidos. Na terceira travessa Rodolfo Torres, no bairro de Cabugá, onde mora, a espera pela água da Compesa chega a até 60 dias, e a ajuda divina já passou a ser providencial para permitir o cumprimento das necessidades básicas.
“A cada 15, 20 dias tinha água aqui. Agora tá tendo água de 40, 50, 60 dias. Agora mesmo vai fazer 60 dias que a gente está sem água aqui. O pessoal todinho daqui, tem crianças e idosos. Em todo o bairro a situação é igual”, lamenta ele, que trabalha como mototaxista.
A água da chuva é que garante a lavagem de pratos, roupas e até mesmo o banho. “Só quando Deus manda água da chuva que a gente consegue segurar um pouco na cisterna”, complementa.
O município de São Caetano é um dos 23 que deveriam ser atendidos pela Adutora do Agreste, obra hídrica de responsabilidade do governo do Estado, que tem como objetivo levar a água da Transposição do São Francisco - captada no município de Floresta, no Sertão do Estado, pelo Ramal do Agreste, e distribuída à adutora a partir da Barragem do Ipojuca, em Arcoverde.
Apesar de um convênio bilionário de R$ 1,385 bilhão, o projeto segue sem conclusão há nove anos e, para piorar, só atende sete municípios: Arcoverde, Pesqueira, Alagoinha, Belo Jardim, Sanharó, São Bento do Una e Tacaimbó. São Caetano estava previsto para ser abastecido pela adutora no último ano, mas isso ainda não ocorreu.
“É muito difícil. Tenho três filhos, e quando chega a água é muito pouca. A dificuldade é que eu trabalho como cabeleireira e preciso ficar comprando água para lavar o cabelo das clientes. Com o dinheiro que eu tiro com o cabelo, não tem como”, reclama Viviane da Silva Santos, 33 anos, mãe de três filhos.
“Se chover de madrugada tem de ir pra fora pra guardar (a água) para lavar prato ou para poder fazer o serviço de casa”, desabafa.
O problema da falta de água não se restringe às regiões com maior escassez hídrica. Mesmo na capital pernambucana e em toda a Região Metropolitana do Recife, a falta de água, assim como a falta de saneamento ainda são uma realidade.
“Nós temos no Brasil o novo Marco Legal do Saneamento Básico, e ele coloca que nós precisamos, até 2033, ter 99% da população com acesso à água, além de 90% da população com acesso à coleta e tratamento de esgoto. Pernambuco, no quesito saneamento, precisa sair da casa dos 30% da população com o serviço e chegar em 90%. Mas, se a gente for olhar o histórico, a evolução sempre foi muito pequena”, alerta a CEO do Trata Brasil, Luana Siewert Pretto.
Com relação ao novo Marco Regulatório do Saneamento, a Compesa afirma que já atestou sua capacidade de investimento que prevê, até 2026, a aplicação de R$ 7,4 bilhões na etapa inicial do pacote de obras, ou seja, 36% do montante de R$ 20,3 bilhões previsto até 2033, “de modo a alcançar os primeiros índices de universalização de água e saneamento em Pernambuco nos próximos cinco anos”.
A Compesa diz que mantém diálogo com os municípios para a anuência das obras planejadas, investimentos e prazos de execução, mas não detalha qual o planejamento dos investimentos, tampouco o que está sendo acordado com os municípios.
Especificamente na Região Metropolitana e no município de Goiana, por meio da Parceria Público-Privada (PPP) Cidade Saneada, a companhia diz que foram aplicados R$ 2,05 bilhões em investimentos em esgotamento sanitário nos municípios de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, São Lourenço da Mata, Goiana, Olinda, Paulista, Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho.
A expectativa é que o programa alcance, até 2037, 90% da população hoje atendida com abastecimento de água nas áreas urbanizadas das 15 cidades beneficiadas, atingindo seis milhões de pessoas. Até a finalização do contrato, a expectativa é que o Programa Cidade Saneada tenha investido quase R$ 7 bilhões.
Atualmente, obras de ampliação e implantação de novos sistemas estão em execução nas cidades do Cabo de Santo Agostinho, Goiana (Centro), Jaboatão dos Guararapes, Araçoiaba, Olinda, Paulista e Recife.
Mas no dia a dia, boa parcela da população ainda não sente as melhorias prometidas.
“Muitas vezes a gente ia pra cacimba para pegar água para lavar roupa ou lavar prato porque água por aqui sempre demorou de 20 a 30 dias. Mas água pra beber e pra cozinhar? A gente tem que comprar. Então são 20 garrafões por semana para poder ter esse uso contínuo durante a semana. Para lavar roupa tem que ser com água da chuva”, afirma o professor Américo Bezerra, 29 anos, morador do bairro de Tabatinga, em Camaragibe.