O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrentam-se neste domingo (30) no ato final de uma campanha eleitoral que, por si só, já é histórica. Pela primeira vez desde a redemocratização, ou o candidato à reeleição será derrotado ou o postulante que terminou o primeiro turno em segundo lugar chegará à última fase do pleito como vencedor.
No dia 2 de outubro, após uma disputa marcada pela pequena apresentação de propostas, ações violentas com motivação política em todo o Brasil, ataques ao sistema de votação e fake news, Lula conquistou os votos de 57,2 milhões de eleitores (48,43%) e Bolsonaro foi o preferido de 51 milhões de pessoas (43,20%).
Somando os percentuais alcançados pelos candidatos é possível perceber que mais de 90% dos brasileiros que compareceram às urnas no primeiro turno votaram em um dos dois postulantes, resultado que mostra com clareza o cenário polarizado que se construiu no País no pré-eleição.
Após a votação, tornou-se mais nítida a divisão política do País, sobretudo pelo posicionamento assumido por políticos, partidos e personalidades. Lula, por exemplo, tem 11 siglas ao seu lado, além de ex-presidenciáveis, ex-presidentes da República, ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso.
"Meus amigos e minhas amigas, você que melhorou de vida com o real e acredita no Brasil, nessas eleições, não tem dúvida, vote no 13, vote no Lula, porque ele vai melhorar mais ainda a sua vida", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), antigo adversário do petista, na última quinta-feira (27).
Bolsonaro, por sua vez, possui cinco partidos alinhados com o seu projeto de reeleição e também recebeu apoios importantes, como o do seu ex-ministro e senador eleito Sergio Moro (União Brasil), de vários governadores e artistas como os sertanejos Gusttavo Lima, Chitãozinho, Latino, Leonardo e a atriz Cássia Kis.
O ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), também disse que marchará com o militar da reserva neste segundo turno. "Vim com tranquilidade, com espírito muito livre, dizer que meu voto é Bolsonaro. E voto com muita tranquilidade, sabendo que ele tem, no campo econômico, muito mais semelhanças comigo do que o Lula tem", pontuou o tucano na última semana.
Segundo Ernani Carvalho, professor do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o "muro de votos" que Lula construiu entre Bolsonaro e ele pode tornar-se um complicador nesta fase da campanha tanto para o petista quanto para o liberal. No caso do militar, a dificuldade maior seria transpor essa diferença, provocando uma virada.
"Embora a literatura na área de comportamento político mostre que é possível tirar essa diferença, Bolsonaro vai ter muito trabalho para queimar essa gordura eleitoral de Lula", destaca o docente.
Com relação ao ex-presidente, o problema seria a característica desses eleitores, que estariam mais susceptíveis a uma ausência às urnas. "Boa parte desses 6 milhões de votos estão constituídos em um duplo pilar de apoio ao candidato petista, que é voto de pessoas mais pobres e o voto concentrado no Nordeste. A possibilidade de haver um aumento de abstenções entre esse segmento pode ser perigosa, porque pode diminuir a quantidade de votos na candidatura petista. Isso pode acontecer porque justamente esse segmento, os mais pobres, estão afeitos a problemas de mobilidade para votar. Esse é um alerta que deve ser tomado com muito cuidado pela campanha do ex-presidente", declarou Ernani.
O cientista político Antônio Lucena, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), lembra que os votos recebidos por candidatos como Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno também serão determinantes para o desfecho desta eleição. Tebet e Ciro declararam apoio a Lula no segundo turno.
"Cerca de 70% dos eleitores de Simone Tebet dizem que votam em Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto em torno de 50% dos eleitores de Ciro estão transferindo seus votos também para Lula. Só esse movimento já seria suficiente para garantir a eleição dele. Se o candidato mantiver a base de votos que ele teve no primeiro turno, conseguir abocanhar esses votos de Simone Tebet e Ciro Gomes e houver uma abstenção relativamente baixa, o petista vence", frisou Lucena.
O caminho traçado pelos candidatos rumo à votação deste domingo contou, ainda, com mais um arroubo de viés antidemocrático do presidente Bolsonaro. Depois de ter, por diversas vezes ao longo do seu mandato, colocado em xeque a segurança das urnas eletrônicas, atacado ministros do STF e feito ameaças de golpe, nesta semana Bolsonaro convocou uma coletiva de imprensa para criticar duramente o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
O posicionamento ocorreu depois de Moraes recusar-se a investigar a denúncia da equipe do presidente de que a campanha de Bolsonaro teria cerca de 154 mil inserções de rádio a menos do que Lula no Nordeste. Na ocasião, o liberal disse que iria recorrer da decisão e que não pretende jogar "fora das quatro linhas democráticas", mas informações de bastidores indicam que ele chegou a pensar em radicalizar seu discurso, mas foi demovido por assessores.
Para Antônio Lucena, o presidente está tentando emular "o playbook que Donald Trump fez nos Estados Unidos", já que estaria prevendo uma derrota nas urnas, mas acontecimentos como o ataque do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) a policiais federais teriam criado um ambiente menos favorável entre os apoiadores do militar para movimentos deste tipo.
"A campanha de Bolsonaro teve alguns eventos que foram um tiro no pé, e o principal deles foi justamente o ex-deputado Roberto Jefferson atirar e quase matar dois policiais federais. O público médio brasileiro gosta de lei e ordem, então todo esse movimento causou uma indignação de determinados setores e até de alguns bolsonaristas, que disseram que iriam anular o voto. Isso pegou muito mal e até interrompeu algum ganho que ele tinha acumulado entre eleitores indecisos", observou o professor.
Lucena e Ernani Carvalho creem, no entanto, que os gestos de Bolsonaro não devem culminar em um acirramento maior ou generalizado dos ânimos nesta fase da campanha.