O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve concluir nesta sexta o julgamento da ação em que ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é acusado de abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação oficiais na reunião com embaixadores estrangeiros em julho do ano passado. Com mais um voto favorável, a Corte vai formar maioria pela condenação do ex-presidente à perda do direito de disputar eleições até 2030.
O placar está em 3 a 1 pela condenação. O histórico de dois dos três ministros que ainda vão votar - Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, presidente do tribunal - sugere que são remotas as chances de Bolsonaro se livrar do revés. Kassio Nunes Marques, ministro que foi indicado para o Supremo Tribunal Federal pelo ex-presidente, também deve apresentar seu voto nesta sexta.
O julgamento chegou ao terceiro nesta quinta com os votos dos ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares. Araújo votou para rejeitar a ação e livrar o ex-presidente da inelegibilidade. Ele minimizou as condutas de Bolsonaro diante de embaixadores estrangeiros, quando repetiu, sem provas, afirmações sobre o sistema de votação brasileiro e a Justiça Eleitoral. Para Araújo, se tratou de "ato solene".
O ministro - sobre quem o ex-presidente depositava a esperança de que pudesse pedir vista (mais prazo para análise) no julgamento - reconheceu que Bolsonaro se "excedeu" no discurso, classificou alguns trechos como "censuráveis", mas argumentou que o ex-presidente não teve sucesso na disputa pela reeleição e não conseguiu deslegitimar as urnas.
Depois dele, Floriano Marques também votou pela condenação do ex-presidente, seguindo entendimento do relator, Benedito Gonçalves. Ele rebateu os argumentos de Araújo. "Ter o abusador ganho ou perdido a eleição, tendo a sua estratégia surtido ou não efeito, isso é irrelevante", rebateu Floriano. "Nós estamos falando da intenção e das circunstâncias que predizem uma gravidade."
O ministro concluiu que Bolsonaro decidiu "desafiar frontal e cabalmente o Judiciário" e colocou em risco a normalidade e a legitimidade das eleições.
André Ramos Tavares acompanhou a maioria atribuir ao ex-presidente uma "tática eleitoral contra a democracia". Também afirmou que Bolsonaro "manipulou" informações sobre o processo eleitoral e tentou usar o evento com os diplomatas para promover a candidatura à reeleição. Floriano e Tavares foram indicados ao TSE pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No contexto da Ação de Investigação Judicial Eleitoral que mira Bolsonaro, há precedentes do TSE em casos de ataque às urnas eletrônicas. O principal deles é o julgamento do ex-deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR), condenado por disseminação de notícias falsas contra as urnas eletrônicas.
Moraes participou deste julgamento em outubro de 2021 e concluiu que houve "utilização indevida de veículo de comunicação social para disseminação de gravíssimas notícias fraudulentas e a repercussão da gravidade no pleito eleitoral em claro abuso de poder político".
Na época, nem Cármen, nem Kassio integravam a Corte eleitoral. Mas os dois se manifestaram sobre o caso porque o deputado cassado recorreu ao Supremo e teve pedido acolhido por Kassio - que, em decisão liminar, devolveu o mandato de deputado a ele. A liminar acabou derrubada pela Segunda Turma do Supremo, em junho de 2022.
Antes de a liminar de Kassio ser derrubada, o caso de Francischini começou a ser debatido no plenário do Supremo. Cármen e Moraes defenderam o restabelecimento da condenação de Francischini. Moraes chegou a criticar a decisão de Kassio publicamente.
Ele destacou na época que o TSE iria cassar os mandatos dos políticos que divulgassem fake news. Antes, a ministra já havia se pronunciado publicamente sobre a "obrigação" de a Justiça Eleitoral combater a desinformação sobre as urnas eletrônicas.
"Há aqueles que têm interesse na criação dessas fake news, há aqueles que fazem esse jogo, que é um jogo antidemocrático", afirmou a ministra em 2021, quando o então presidente já era investigado por atacar sem provas ao sistema eletrônico de votação.
Cármen - que será a primeira a votar na sessão desta sexta - chegou a fazer uma intervenção para "esclarecer" e contestar um ponto levantado por Araújo, que argumentou que a "minuta do golpe" encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres não deveria ser levada em consideração no julgamento de Bolsonaro por ser documento "apócrifo".
Se o ex-presidente for declarado inelegível pelo TSE, ele ficará impedido de participar das disputas de 2024, 2026 e 2028, mas ainda terá chance de participar do pleito de 2030, segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estadão. O prazo da inelegibilidade tende a ser contado a partir da última eleição disputada, ou seja, 2 de outubro de 2022.
Como o primeiro turno da eleição de 2030 está previsto para 6 de outubro, Bolsonaro já teria cumprido a punição. O ex-presidente, no entanto, ainda estaria inelegível no momento de registro da candidatura e precisaria brigar judicialmente para concorrer.
Mas se o TSE entender que a contagem do prazo de inelegibilidade não é por dias corridos, mas por ciclos eleitorais, o ex-presidente estará fora de disputa de 2030. Daqui a sete anos, Bolsonaro terá 75 anos de idade.