A falta de líderes na esquerda e o futuro pós-Lula

Presidente do PSB criticou a falta de lideranças de esquerda no cenário nacional e projetou João Campos para assumir o posto no futuro

Publicado em 20/10/2024 às 4:01

O presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, concedeu uma entrevista à Globonews, na última semana, em que deu sinais de preocupação com a falta de líderes na esquerda nacional num futuro pós-Lula (PT). A declaração foi dada após a eleição municipal deste ano eleger uma maioria de prefeitos de centro e de direita.

Neste ano, o PSB elegeu 309 prefeitos e o Partido dos Trabalhadores, 248. O número do PT é maior do que as 183 prefeituras conquistadas em 2020, mas representa menos da metade dos 509 prefeitos eleitos pelo Partido Liberal de Bolsonaro. O PDT, por sua vez, perdeu metade dos municípios, passando de 314, obtidos quatro anos atrás, para 148 conquistados no último dia 6 de outubro.

Somados, PT, PDT, PCdoB, PSOL e o próprio PSB, que se declara de centro-esquerda, conquistaram juntos 724 prefeituras neste ano. O número é menor do que o PSD, de centro-direita, fez sozinho, elegendo 878 prefeitos.

O próprio presidente Lula, após a eleição, disse que é preciso recalcular a rota e rediscutir o papel do seu Partido dos Trabalhadores. “Tivemos boa participação no Rio Grande do Sul e, em Minas Gerais, ganhamos as que já governamos, mas não fomos bem em São Paulo. Perdemos São Bernardo do Campo, Santo André, perdemos inclusive Araraquara, onde tínhamos certeza que iríamos ganhar. Em Teresina, todo mundo dava como certa a eleição do candidato do PT”, disse o presidente em entrevista à Rádio O Povo, de Fortaleza.

Esquerda dividida

Segundo o dicionário Michaelis, a palavra líder significa “pessoa com poder de decidir, de se fazer obedecer, com capacidade de influenciar nas ideias e ações de outras pessoas”. Esse poder de liderança se esvai dentro da esquerda a partir do momento em que os próprios partidos não conseguem entrar em consenso.

Nas últimas eleições presidenciais que não contaram com o presidente Lula, Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) se apresentaram como as opções viáveis da esquerda para disputar contra uma direita que só fazia crescer. Não foi suficiente.

Haddad nunca foi consenso dentro do próprio partido — nem mesmo neste terceiro mandato de Lula. Em janeiro passado, José Dirceu, um dos fundadores da sigla, e Gleisi Hoffmann, presidente nacional do partido, trocaram fogo amigo sobre a postura dela em relação às políticas adotadas pelo ministro da Fazenda. Ciro Gomes, por sua vez, nunca abriu mão do seu projeto pessoal e insistiu em repetidas candidaturas à presidência, dividindo votos da esquerda.

“Esse é um grande problema do nosso país, a ausência de lideranças nacionais. A esquerda está restrita hoje a uma grande liderança, que é o presidente Lula, que está numa idade avançada. É um grande líder, mas como tudo na vida, tem um limite. A idade é limitante. A esquerda precisa ter novos líderes”, disse Carlos Siqueira.

HUMBERTO PRADERA /DIVULGAÇÃO
O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira - HUMBERTO PRADERA /DIVULGAÇÃO

O cientista político Antônio Henrique Lucena, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Católica de Pernambuco, entende que a falta de líderes neste espectro pode estar ligada a um projeto do próprio presidente Lula.

“Ele buscou evitar que surgissem lideranças que o substituíssem. Tudo tinha que ser Lula e depois as raízes em torno dele. Tanto que outras figuras de esquerda, como Ciro Gomes, eu considero que elas foram sabotadas pelo presidente. E isso, por si só, gerou uma dificuldade enorme de você ter um movimento nesse sentido”, apontou o professor.

Quem seriam os novos líderes

Sem os grandes caciques na jogada, a esquerda passa a olhar para a juventude. Para Carlos Siqueira, um novo líder do campo da esquerda precisa dar uma contribuição que supere o conceito de liderança, repensando o modelo de fazer política no país e entregando uma renovação no sentimento da população.

Um dos nomes com esse perfil citados por ele é o prefeito do Recife, João Campos, considerado pela legenda uma potência para se tornar um líder a nível nacional. O gestor foi reeleito na capital pernambucana com mais de 78% de votos, contra 12% do segundo colocado, do Partido Liberal.

A alta popularidade, o poder de influência e a articulação de João Campos fizeram com que o Recife se tornasse a principal frente do PSB no país. Rasgando elogios a João, Siqueira disse que ele está obtendo resultados positivos mais rapidamente do que seu pai, o ex-governador Eduardo Campos, falecido em 2014 num acidente aéreo.

“João Campos é uma grande aposta para o PSB. Ele é jovem, dedicado, inteligente, capaz, teve uma votação estupenda no Recife, um reconhecimento extraordinário, e muito cedo. Está fazendo sucesso muito mais cedo que o pai dele. Espero que ele e o PSB possam dar uma grande contribuição para melhorar a esquerda brasileira, as forças de centro-esquerda, progressistas”, disse o presidente do partido.

Guga Matos/JC Imagem
João Campos concede entrevista ao SJCC - Guga Matos/JC Imagem

O professor Antônio Lucena acredita que o plano do PSB é entregar a João Campos essa liderança. “Você tem um prefeito com mais autoridade que o próprio presidente, e esse indivíduo saiu para apoiar outros prefeitos de outras localidades, já pensando num possível movimento de 2026. Acredito que há um plano interno do PSB para o longo prazo de buscar conquistar o governo do estado de Pernambuco e posteriormente catapultá-lo para a presidência”.

“A candidatura de Tabata Amaral não foi muito bem lá em São Paulo, fica muito complicado a gente pensar em um outro nome”, acrescentou o especialista.

“Nomes do próprio PT não têm o carisma que Lula tem. Por exemplo, Maria do Rosário, uma figura que lançaram para a prefeitura de Porto Alegre. Devido às tragédias que aconteceram no Rio Grande do Sul, você tinha toda a tempestade perfeita para você ter uma candidatura boa de oposição, mas mesmo assim lançaram uma figura que tem um nível de rejeição muito alto e aí corre o risco também de perder seriamente”, completou.

Direita aproveita a situação

Enquanto a esquerda segue sem um guru, a direita e a centro-direita aproveitam para ganhar cada vez mais espaço. No primeiro turno das municipais deste ano, o PSD, o MDB e o PP lideraram o ranking de prefeituras, com 878, 847 e 743 municípios conquistados, respectivamente.

Isso remonta a uma facilidade da direita de criar e impulsionar seus líderes de forma orgânica. Nomes como Nikolas Ferreira e Pablo Marçal, por exemplo, seguem conquistando mais adeptos. Na votação do último dia 6, somente o Partido Liberal de Jair Bolsonaro conquistou mais de 500 prefeituras.

O professor explica que esses líderes direitistas conseguem popularidade ao se apropriar de pautas que já foram usadas pela esquerda, e que estariam sendo deixadas de lado pelo campo vermelho.

“A esquerda no Brasil adquiriu um caráter muito mais acadêmico, e esqueceu as grandes causas às quais está ligada. Você vê uma figura como Pablo Marçal, que joga a carteira de trabalho na cara de Boulos naquele debate, se apropriando de algo que era de identidade da própria esquerda, a ideia do trabalho ser algo que vai modificar a vida das pessoas. E Marçal, com aquela estratégia de coach dele, conseguiu cooptar esse símbolo do trabalho. Acho que foi o grande equívoco da esquerda recente”, avaliou Antônio Lucena.

FELIPE MARQUES/ ESTADÃO CONTEÚDO
Pablo Marçal - FELIPE MARQUES/ ESTADÃO CONTEÚDO

“Um nome na direita que está sendo bastante ventilado é o de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. Há uma facilidade na direita de ter surgimento desses nomes. Fora ele também tem figuras, youtubers, que crescem exponencialmente. Mas assim como crescem exponencialmente, eles também caem com muita força. Eu exemplifico o caso de Joyce Hasselmann, que já chegou a ter mais de um milhão de votos e agora, para vereadora, teve míseros 1,6 mil. É que esses votos de Joyce eram votos de Bolsonaro. Então, à medida que a direita pode jogar uma pessoa para cima, ao mesmo tempo pode buscar sabotá-la”, analisou Antônio Lucena.

Ele completou afirmando que a esquerda precisa se alinhar à centro-esquerda, caso queira resgatar a popularidade. “Para um líder de esquerda ser viável, ele necessariamente precisa de ser centro-esquerda. Ele não pode ser de esquerda puramente, porque quer queira ou não, nós temos uma direita já consolidada no Brasil com em torno de 20% do eleitorado, 20, 25% do eleitorado, que é muito importante. E aí também entra um pouco do campo dos evangélicos”, analisou.

"Lula, é bom ressaltar, só conseguiu se eleger para presidente porque ele também deu uma guinada ao centro. Ele deixou de ser tão esquerdista como ele era na década de 90. Ele passou por uma repaginação com o apoio de Duda Mendonça. Quem acompanhou as eleições que ele disputou com José Serra, que o levaram até o primeiro mandato, vê claramente que esse é um movimento que Lula empreendeu de transformação", apontou.

O presidente do PSB entende que os partidos de esquerda precisam unir forças para pensar um programa de soluções para o país, e, a partir daí, encontrar um caminho que possa resultar em vitória.

“A extrema direita está tremendamente bem situada com suas ideias, politizou o processo político, e a esquerda recuada nas suas ideias e sem saber por onde andar. Temos que ter humildade para assumir nossas deficiências”, disse Siqueira.

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