O nome de Pabllo Vittar estampa o line-up de um dos maiores festivais de música dos Estados Unidos. Como atração do Coachella 2022, a drag queen conquista algo muito distante da maioria dos artistas LGBTQIA+ brasileiros: reconhecimento internacional massivo, com visibilidade midiática, uma carreira marcada pela ascensão do seu nome e, claro, uma agenda lotada.
Do interior do Maranhão para o palco do festival Lollapalooza, na Argentina e no Chile, além do Brasil, Vittar se tornou o rosto de um momento artístico que vem, há alguns anos, colocando em pauta corpos e narrativas que fogem do binarismo heteronormativo. Nesse movimento, também joga luz em uma série de artistas LGBTQIA+, que surfam na onda do sucesso da drag queen mais seguida nas redes sociais em todo o mundo.
Artistas drags, trans e travestis invadem o Brasil
Nos últimos anos, diversos âmbitos da indústria cultural brasileira vivem uma explosão de artistas drag queens, transexuais e travestis. Estes aparecem em cartazes de festivais, salas de cinema; no rádio, na televisão e nos serviços de streaming audiovisual.
Em março, a estreia do reality show Queen Stars, da HBO Max, cravou o primeiro programa brasileiro a reunir drag queens cantoras em uma competição que busca formar um ‘girl group drag’. Ao mesmo tempo, a cantora e travesti Linn da Quebrada aparece no maior reality show do País, o Big Brother Brasil 22, e estrela nos cinemas a comédia romântica Vale Night (Luis Pinheiro, 2022).
Antes, a drag brasileira Grag Queen venceu o Queen of the Universe, competição internacional de drags cantoras produzida por RuPaul, a drag estadunidense mais famosa do mundo e rosto da franquia RuPaul’s Drag Race. Assim, o Brasil se mostra como uma potência mundial na produção de artistas cuja estética e prática artística estão entrelaçadas às suas identidades.
Na música, nomes como Gloria Groove, Johnny Hooker, Liniker, Lia Clark, Pepita, Potyguara Bardo, Jáder, entre outros, despontam como artistas ‘made in Brazil’ forjando uma linguagem artística que — quem sabe — daria orgulho a Oswald de Andrade. Afinal, se ainda não conseguiu, este grupo heterogêneo pelo menos almeja uma renovação estética na arte brasileira.
Jáder tem feito um forró diverso e plural
Na esteira do movimento que tem como ponta de lança Pabllo Vittar, o artista não-binário recifense Jáder surge com a proposta de tensionar o protagonismo dado aos corpos normativos no forró, especialmente o do homem heterossexual. Em seu mais recente single, Se Lascou (2021), dá voz ao desejo de corpos dissidentes.
“As discografias de todos os medalhões do forró são voltadas para o corpo heteronormativo, especialmente o corpo do masculino”, diz. “Até quando vemos mulheres no forró, são músicas sobre o homem, compostas por homens.”
No clipe de Se Lascou, a personagem se mostra desapegada de um ideal romântico. Ela explora sua sensualidade e sexualidade e canta sobre um amor livre de rótulos pré-estabelecidos. Jáder viu no forró uma possibilidade de falar sobre esses sentimentos sob uma ótica disruptiva. Prestes a lançar seu álbum de estreia solo, Quem Mandou Chamar?, o artista traz em sua música a força e a beleza de habitar um corpo dissidente.
Com referências da música pop e eletrônica, e tocando em temas como flerte, amor e sedução sob o olhar de sua vivência como LGBTQIA+, Jáder busca naquelas que ele considera “divas pop do forró” inspiração para seu trabalho.
“Minhas primeiras referências para esse trabalho foram divas pop, mas divas pop nordestinas do forró dos anos 1970: Elba Ramalho, Amelinha e Teresinha de Jesus. Por mais que eu tenha me distanciado do regional e tradicional, a referência continua”, pontua, demonstrando que, apesar de trazer referências de fora do gênero, a sanfona e a zabumba garantem uma sonoridade que faz sua música ser reconhecida enquanto forró.
A categorização do seu trabalho é um ponto a ser pensado. No mercado de consumo musical nas plataformas digitais, Jáder comemora sua primeira inserção em uma playlist “de forró”, em vez de uma de “música LGBT”. Apesar do orgulho de estar ao lado de outros artistas LGBTQIA+, ele faz uma ressalva: “Música LGBT não existe, se você for pensar em termos de gênero musical”, observa.
Reconhece que existe uma resistência para se colocar no mercado de forró tradicional, mas reflete que provavelmente não seja essa a “pegada” do seu trabalho. “Estou conseguindo chegar em lugares cada vez maiores, mas, por exemplo, eu não imagino que eu vá conseguir uma noite na Sala de
Reboco.”
Jáder resume seu novo trabalho como um “disco de forró com potencial pop” e assume que, na verdade, sua narrativa de amor diverso e plural talvez tenha mais entrada em um circuito de música alternativa. Prova disso é que subiu, no último sábado, ao palco do festival Guaiamum Treloso Rural, em Aldeia (PE). Ao seu lado, Johnny Hooker o acompanhou em algumas faixas, em um gesto que apresentou o artista mais jovem à cena cultural pernambucana.
Ao fim da apresentação, Jáder reforçou o caráter alternativo e novo da sua trajetória no forró. O artista proferiu seu nome diversas vezes em cima do palco e pediu que os presentes acompanhassem seu trabalho nas redes sociais.
Ele, entretanto, quer alçar voos maiores e mais longos, e revela, em primeira mão, a participação do consagrado baterista de forró Riquelme (ex-Aviões do Forró e Solange Almeida) em seu álbum a ser lançado.
O movimento de aproximação de Jáder com Riquelme mostra as negociações que os artistas LGBTQIA+ buscam para ganhar espaço na indústria cultural. São aí que importantes brechas são abertas e, de vez em quando, surgem meteoros midiáticos que caem no gosto do público massivo, como Pabllo Vittar.
No próximo dia 14 de abril, Jáder lança mais uma música do seu próximo trabalho e promete que "Pele com Pele" irá mostrar outro lado do artista.