Pequena ilha localizada na costa sudeste da China, Taiwan enfrenta uma das maiores crises hídricas de sua história. As autoridades dizem ser esta é a pior seca no país em mais de meio século. A situação acaba por impactar diversos setores da economia nacional, como a agricultura e a pujante indústria de chips de computadores de Taiwan, que alimenta a maior parte dos smartphones, carros e outros artigos da vida moderna, como máquinas de lavar, no mundo todo.
O fato de Taiwan, um dos locais com mais chuva no mundo desenvolvido, registrar uma escassez de água é um paradoxo que beira a tragédia. Isso porque o país (oficialmente província chinesa) é o maior produtor de semicondutores do planeta, com cerca de 67% da fatia global, quando somadas as fábricas de TSMC, UMC, VIS e PSMC, de acordo com dados da Counterpoint Research para 2020. Há ainda outras fabricantes no país, como Micron Technology, Nanya Technology, Macronix e Winbond, que possuem fatia de mercado menor.
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“Mais de 90% da capacidade de manufatura do mundo no campo dos chips mais avançados estão em Taiwan, especificamente na TSMC, que produz matéria-prima para Apple, Intel e outras grandes marcas”, explica o consultor em produção de computadores e professor do Unit-PE, Werson Kaval.
Taiwan ainda se destaca na produção global de semicondutores por conta de uma posição única na indústria de função e montagem terceirizada (OSAT, na sigla em inglês). "A fabricação de chips exige alta tecnologia e investimento a longo prazo, por isso qualquer problema em uma região que concentra cerca de dois terços da oferta global pode acarretar os já sentidos problemas em toda a cadeia produtiva", explica Werson Kaval, ressaltando que a alta concentração dos serviços em uma só nação tem relação com os custos para implantação de fábricas similares em outras partes do país.
Os produtores de chips usam muita água para lavar suas fábricas e pastilhas de silício, que são a base dos chips. E com os suprimentos de semicondutores no mundo inteiro já pressionados pelo aumento da demanda, a incerteza com o fornecimento de água em Taiwan aumenta as preocupações quanto a dependência do mundo da tecnologia de uma indústria de chips específica: a Taiwan Semicondutor Manufacturing Co. (TSMC).
Água em falta, tecnologia escassa
Para se firmar na liderança da produção, em 2019, as instalações da TSMC em Hsinchu consumiram mais de 150 mil toneladas de água por dia, segundo a companhia, ou mais de 10% de dois reservatórios locais, Baoshan e Baoshan Second Reservoir.
A tecnologia de ponta da empresa taiwanesa também a tornou um player fundamental, já que os Estados Unidos e a China vivem uma rivalidade acirrada no desenvolvimento de tecnologias avançadas do futuro, como inteligência artificial, 5G e computação em nuvem.
Com a ilha sob a crise hídrica, as empresas de chips podem ficar, em breve, entre duas soluções: realocar a produção para outra região ou priorizar a sequência de produção para evitar problemas de abastecimento e um possível racionamento.
E o mundo todo segue em alerta para escassez ainda maior de chips computacionais. “A maioria das pessoas pode ter a impressão de se tratar de um problema pequeno e de fácil solução para um país com uma economia pujante como a chinesa, mas o fato de praticamente todos os eletrônicos dependerem de semicondutores e ser necessária tecnologia de ponta para a sua produção, faz com que esses chips tenham ganhado status de "novo petróleo" no século XXI”, aponta Kaval.
Por isso a delicada situação taiwanesa já é sentida em escala global. A Apple esperava fabricar 90 milhões de iPhones no último trimestre de 2021, mas deve reduzir este número em até 10 milhões de unidades devido à falta de chips.
Segundo as distribuidoras, o problema deve se arrastar por todo o próximo ano e é possível que chegue a 2023. As ações dos fabricantes de semicondutores já caíram cerca de 1%.
Em junho deste ano, mais de 70% das indústrias de informática, de eletrônicos e automobilística relataram problemas no fornecimento de insumos para a produção. Como resultado, diversas montadoras já paralisaram a produção tanto.
Menos carros 0KM disponíveis
Por aqui, o Brasil deixará de produzir este ano entre 280 mil e 300 mil veículos, segundo estimativa feita pela consultoria Boston Consulting Group (BCG) e divulgada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Na indústria automotiva global, o impacto será de uma perda de produção entre 7 milhões e 9 milhões de unidades este ano.
“Em um cenário normal, estaríamos produzindo num ritmo acelerado nesta época do ano, quando as vendas geralmente ficam mais aquecidas. No ano passado tínhamos boa produção no segundo semestre, mas uma demanda imprevisível em função da pandemia. Neste ano, temos a volta da demanda, mas infelizmente houve uma quebra considerável na produção”, explicou o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes.
“Nunca havíamos tido tanta dificuldade em enxergar o cenário em curto prazo na indústria automotiva. As incertezas para garantir a produção de veículos é grande com a crise de fornecimento global. Estamos presenciando uma procura por parte dos consumidores para compra de novos produtos, mas não temos unidades para atender à demanda”, disse Moraes.
Carros usados mais caros
Com o avanço da tecnologia, praticamente tudo em um carro hoje é automatizado. A estimativa é de que para fabricação de um veículo sejam necessários 1.400 chips semicondutores. Só que eles estão em falta no mundo inteiro. A escassez dessas pequenas peças está fazendo os carros zero demorarem meses para serem entregues, e o preço dos usados disparar.
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Levantamento realizado pela KBB Brasil, empresa especializada em pesquisa de preços de veículos novos e usados no País, mostra que os veículos usados – que possuem de quatro a dez anos de uso – foram os que registraram maiores altas nos preços no primeiro semestre deste ano, com 13,04% de aumento médio acumulado. Isso representa quase quatro vezes mais que a inflação no período, que foi de 3,5%, de acordo com o IPC da Fipe.
A pesquisa indicou ainda que dentro desse segmento, os modelos mais velhos (2011) foram os que apresentaram maior alta, de 15%, seguidos pelos produzidos em 2012, com 13,8% de aumento. Mas, de qualquer forma, todos os veículos usados analisados apresentaram reajustes acima de 10% no período.
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