Não importa o que Bolsonaro diz, cancele tudo

Cancele tudo. Esta é a mensagem escrita pelo cientista político germano-americano Yascha Mounk
Leonardo Spinelli
Publicado em 16/03/2020 às 19:26
No último domingo (19), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou de ato que pedia, entre outras coisas, a volta do AI-5 Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL


Cancele tudo. Esta é a mensagem escrita pelo cientista político germano-americano Yascha Mounk, num texto publicado na revista literária americana The Atlantic.

Ele lembra que ainda não é possível conhecer todas as ramificações do novo coronavírus e cita três fatos cruciais sobre a doença que deve nos deixar em estado de alerta, ao contrário do que políticos ao redor do mundo sugerem e, no caso do Brasil, agem.

Wikipedia - Cientista político germano-americano Yascha Mounk

No domingo (15) o presidente JairBolsonaro, que deveria estar em quarentena, sob suspeita de carregar o vírus mortal, resolveu sair às ruas e abraçar apoiadores, repetindo que o vírus não passaria de um exagero da mídia. Nada mais falso, teria dito o cientista político Yascha Mounk, que sugere que todos nós mudemos nossos comportamentos desde já para evitar a propagação do vírus.

Primeiro fato

Ele cita três fatos para trocarmos as promessas de políticos pela razão. Mounk lembra que os casos documentados de covid-19 parecem aumentar exponencialmente. "Em 23 de janeiro, a província chinesa de Hubei, onde está a cidade de Wuhan, tinha 444 casos confirmados de covid-19. Uma semana depois, em 30 de janeiro, havia 4.903 casos. Mais outra semana, em 6 de fevereiro, tinha 22.112."

A mesma história acontece na Itália, que tinha 62 casos identificados de covid-19 em 22 de fevereiro e até segunda-feira (16) eram 27.980 casos, um crescimento de 451 vezes em menos de um mês. A Europa está fechando suas fronteiras, assim como nos países da América do Norte e Latina.

No Brasil o primeiro caso registrado foi no dia 25 de fevereiro em São Paulo. Nesta segunda (16) o Ministério da Saúde confirmou 234 casos, 34 a mais do que no dia anterior. O governo de São Paulo projeta, só para o Estado, 460 mil casos registrados nos próximos meses.

Segundo ponto

Outro ponto destacado pelo cientista político, e ao contrário do que divulgam os apoiadores de Bolsonaro, é que esta doença é mais letal que a gripe, "à qual as pessoas mal informadas e os irresponsáveis insistem em compará-la". O professor lembra que as estimativas feitas antes que os dados estivessem amplamente disponíveis, sugeriram que a taxa de mortalidade do coronavírus poderia ser de 1%. "Se esse palpite for verdadeiro, o coronavírus é 10 vezes mais mortal que a gripe".

Considerando os dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 5 de maio, numa amostra de 55.924 casos registrados na China, a taxa de mortalidade do novo coronavírus seria de 3,8%, mas muito maior em pessoas com doenças cardiovasculares (13,2%), com diabetes (9,2%), hipertensão (8,4%), doença respiratória crônica (8%), câncer (7,6%). Sem nenhuma doença preexistente, a taxa seria de 1,4%.

Sobre os números, Mounk observa dois fatores. Pode ser um exagero, porque os casos leves da doença têm menos probabilidade de serem diagnosticados. E também pode ser um eufemismo, já que muitos pacientes que já foram diagnosticados ainda não se recuperaram e, portanto, ainda podem morrer.

As notícias vindas da Itália, por exemplo, trazem um prognóstico ruim. Até esta segunda-feira (16), o país registrava 2.158 mortes e 27.980 casos confirmados.

Terceiro ponto

O terceiro fato destacado pelo professor é que, até agora, apenas uma medida foi eficaz contra o coronavírus: distanciamento social extremo.

"Antes que a China cancelasse todas as reuniões públicas, pedisse à maioria dos cidadãos que se auto-quarentenasse e selasse a região mais afetada, o vírus estava se espalhando de maneira exponencial. Uma vez que o governo impôs o distanciamento social, o número de novos casos diminuiu; agora, pelo menos de acordo com as estatísticas oficiais, todos os dias trazem mais notícias de pacientes existentes que são curados do que de pacientes recém-infectados."

As últimas notícias vindas da China continental (sem contar Hong Kong e Macau), mostram que desde o final de dezembro 80.860

pessoas foram infectadas, das quais 3.213 morreram e 67.490 foram completamente curadas.

Mounk lembra que alguns países adotaram medidas enérgicas para aumentar o distanciamento social antes que a epidemia atingisse proporções devastadoras. "Em Cingapura, por exemplo, o governo rapidamente cancelou eventos públicos e instalou estações médicas para medir a temperatura corporal dos transeuntes, enquanto empresas privadas distribuíam desinfetante para as mãos. Como resultado, o número de casos cresceu muito mais lentamente do que nos países vizinhos."

Diante desses fatos (e apesar do comportamento do presidente Bolsonaro) a conclusão é simples. "O coronavírus pode se espalhar com uma rapidez assustadora, sobrecarregando o sistema de saúde e ceifando vidas, até que adotemos formas sérias de distanciamento social".

Conclusão

"Isso sugere que qualquer pessoa em posição de poder ou autoridade, em vez de subestimar os perigos do coronavírus, deve pedir que as pessoas fiquem longe de locais públicos, cancelem grandes reuniões e restrinjam a maioria as viagens não essenciais."

Yascha Mounk conclui assim o seu texto:

Você é dirigente de um time? Faça os jogos com estádio vazios.

Você está organizando uma conferência? Adie até o outono (primavera no Brasil).

Você administra um negócio? Diga a seus funcionários para trabalhar em casa.

Você é o diretor de uma escola ou o reitor de uma universidade? Faça aulas on-line antes que seus alunos adoeçam e infectem seus familiares frágeis.

Você está em uma campanha presidencial? Cancele todos os comícios agora.

"Todas essas decisões têm custos reais. Fechar escolas públicas na cidade de Nova York, por exemplo, privaria dezenas de milhares de crianças de refeições escolares urgentemente necessárias. Mas o trabalho das instituições e autoridades é mitigar esses custos, tanto quanto humanamente possível, e não usá-los como uma desculpa para colocar o público em risco de uma doença mortal e transmissível."

"Finalmente, a responsabilidade mais importante recai sobre cada um de nós. É difícil mudar nosso próprio comportamento, enquanto a administração e os líderes de outras instituições importantes enviam a sugestão de que devemos continuar normalmente. Mas devemos mudar nosso comportamento de qualquer maneira. Se você se sentir um pouco doente, pelo amor do seu vizinho e do avô de todos, não vá trabalhar."

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