O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, afirma que a pandemia do novo coronavírus "ainda não começou" em regiões do sul do Brasil, onde a rede hospitalar poderia ser posta à prova nas próximas semanas.
Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná figuram na lista dos estados brasileiros com menos casos proporcionalmente e têm menos de 30 óbitos por milhão de habitantes. Comparativamente, Belém, a capital do Pará, lidera a lista com 900 mortes por milhão de habitantes.
Em entrevista com AFP, Gabbardo, de 64 anos, explicou que é muito difícil estabelecer uma curva única para o país, que já conta com mais de 550.000 casos e 31.000 mortes de COVID-19, e que poderia seguir um padrão similar ao da Itália, onde a pandemia atingiu com mais força a região norte.
Agora membro do Centro de Contingência do combate ao coronavírus em São Paulo, o médico gaúcho destacou que a gestão junto ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta foi caraterizada pelo apego à ciência e pela transparência.
Pergunta: Em que ponto da curva está o Brasil?
Resposta: A gente tem dito que não temos uma curva no país. O Brasil é muito grande e tem muitas diferenças por estados, nós temos várias curvas. Temos locais no sul do país onde não começou a epidemia. Tem locais como Manaus, Belém, Fortaleza, em que já passou o pico, alguns já estão na fase de platô e alguns estão na fase descendente. Nós entendemos que São Paulo se encontra próximo desse platô, quem sabe já tenha atingido esse platô, teremos certeza disso nas próximas semanas, mas estamos longe de pensarmos que estamos numa curva descendente.
Pergunta: A cidade de São Paulo estará atingindo, então, o pico nos próximas semanas?
Resposta: Acredito que sim pelos dados que a gente tem. Não significa que não esteja aumentando, mas que está aumentando numa velocidade menor (...) Com a exceção dos casos novos, eles vão continuar aumentando e muito, porque estamos testando muito mais, antes estávamos testando apenas os casos graves. Hoje estamos testando os pacientes leves, tanto pessoas que estão doentes com poucos sintomas como de quem teve a doença tempos atrás. Isso vai elevar consideravelmente a informação sobre novos casos. Esse aumento de número de casos não necessariamente é o aumento da transmissibilidade.
Pergunta: Devemos esperar uma diminuição no número de óbitos em São Paulo?
Resposta: A gente espera que haja [uma diminuição] para caraterizar essa redução na epidemia e na velocidade de crescimento. Diminuir a velocidade significa que quando comparo uma semana com a outra, o número de óbitos deve ser menor do que o da semana anterior.
Pergunta: Qual é a situação no sul do país?
Resposta: No sul do país o teste sorológico que foi feito mostra que menos de 1% apresentam anticorpos, 99% da população do Rio Grande do Sul ainda não teve contato com o vírus. Podem acontecer duas coisas: pode acontecer como na Itália, que teve um número muito grande de óbitos no norte e não no sul. A distribuição da pandemia não é muito homogênea. Mas temos muito receio porque historicamente no Rio Grande do Sul e na Santa Catarina as próximas 4 semanas é o período em que todos anos há um volume muito maior de doenças respiratórias por conta do inverno. Se isso acontecer junto com o aumento dos casos de COVID-19 pode ser uma pressão muito alta para que os estados possam garantir todo o atendimento. Agora, a região sul tem historicamente melhor oferta de leitos, bons hospitais, e pode ser que enfrente isso não com tanta dificuldade quanto os estados da região norte.
Pergunta: Qual é o epicentro da pandemia no Brasil atualmente?
Resposta: Norte do país. Hoje os quatro estados que têm o maior número de casos confirmados relacionados à população, não em número absolutos, são o Amapá, Amazonas, Acre e Roraima. Se nós pegarmos os óbitos com exceção do Ceará, que é o segundo, dos três estados, Amazonas e Pará são da região norte.
Pergunta: A reabertura não é prematura?
Resposta: Temos locais nos quais já é possível, com controle, pelos indicadores, dar tratamentos diferentes para cenários epidemiológicos diferentes. É isso que a gente preconiza, não é flexibilização. Nós temos cenários que permitem que haja uma redução nas medidas de isolamento e tem locais que a gente vai preconizar que sejam ainda mais intensas as medidas de isolamento.
Pergunta: O senhor poderia fazer uma análise da gestão feita no Ministério da Saúde?
Resposta: Acho que nós trabalhamos no Ministério da Saúde sempre muito sincronizados com as orientações da OMS e sempre muito baseados nas evidências científicas. Desde o primeiro momento, montamos um comitê de combate à crise com especialistas de todas áreas e sempre ouvimos esse comitê para todas as medidas que foram tomadas. Não eram medidas que saíam do que o ministro pensava ou do que o secretário-executivo pensava (...) E a outra caraterística era a da transparência. Desde o princípio, optamos em informar diariamente o país de tudo o que estava acontecendo, desde o primeiro caso, desde o primeiro óbito. Passamos a dar coletivas diárias, fizemos isso da forma mais transparente possível, todos tinham as informações, todos sabiam o que estava acontecendo.
Pergunta: O senhor vê alguma mudança na política comunicacional do Ministério?
Resposta: Eu não gostaria de fazer comentários sobre a atuação do Ministério. Acho que é um momento muito difícil e a gente tem que estar junto, tentando achar soluções para combater a epidemia, reduzir o número de óbitos. Essa polarização, acho que para esse processo que estamos vivenciando agora, não é o melhor.