De acordo com um estudo realizado pela Avaaz, comunidade de mobilização social online, sete em cada 10 brasileiros acreditam em pelo menos uma ”notícia falsa” sobre a covid-19. O estudo mostra que as redes sociais são os principais meios de disseminação desse tipo de conteúdo, sendo o Whatsapp o meio mais utilizado para isso. Seis em cada 10 pessoas tiveram o aplicativo de mensagens como propagador de “notícias falsas” sobre o novo coronavírus. Já o Facebook, segundo colocado no ranking, é responsabilizado por cinco em cada 10 usuários.
A propagação de uma desinformação pode trazer várias consequências, desde o uso inadequado de substâncias até a morte de uma pessoa, como aconteceu em 2014, na cidade do Guarujá, em São Paulo. Com a disseminação cada vez mais frequente de boatos sobre a pandemia, especialistas afirmam que os riscos de provocar danos na vida de terceiros por meio de conteúdos falsos é cada vez maior.
A vendedora Munik Siqueira foi uma das pessoas que acabou acreditando em uma informação falsa sobre a covid-19. Uma imagem recebida por ela via Whatsapp dizia que o coronavírus permanecia na garganta por quatro dias, mas, se ela realizasse gargarejo com água morna, sal ou vinagre, e bebesse muita água, conseguiria eliminar o vírus. Porém, não existe nenhum estudo científico que ateste isso. “Quando eu vi essa informação eu acreditei e fui repassando para outras pessoas, até que em certo momento fiquei sabendo que era uma ‘fake news’. Quando fui informada que aquilo não era verdade, foi bem decepcionante, pois já tinha compartilhado várias vezes a mentira”, contou Munik.
No fim de maio, o cantor paraibano Genival Lacerda foi vítima de uma informação falsa a seu respeito. Começaram a circular nas redes sociais e grupos de mensagens a notícia de sua morte, o que não era verdade. “Recebi inúmeras ligações de pessoas desesperadas, chorando, dando os pêsames, de todo o Brasil. Rio Grande do Sul, Maranhão, Piauí. Inclusive sua outra filha que me ligou chorando desesperada com a ‘fake’ que saiu num jornal local, relatando sua morte falsa”, conta João Lacerda, filho do cantor e responsável pelo monitoramento das redes sociais de Genival. O cantor, atualmente com 89 anos, foi internado no dia 24 de maio por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Genival já recebeu alta do hospital e está se recuperando, do ocorrido. “Foi um momento difícil, pois estávamos preocupados com o seu tratamento e, em meio a isso, fomos vítimas dessas ‘fakes’, nos deixando preocupados. Teve dias que o telefone não parou de tocar. Ou eu administrativa a situação no hospital ou atendia as pessoas”, complementa João Lacerda.
Até mesmo os locais de estudo e desenvolvimento científico, fonte para produção de notícias verídicas, tornaram-se alvo de desconfiança e tiveram o trabalho afetado pela desinformação. Rita Vasconcelos, assessora de comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Pernambuco conta que, com a grande quantidade de desinformação disseminada nas redes sociais, o trabalho dos pesquisadores fica mais lento, pois eles precisam parar parte de seus estudos para desmentir as informações inverídicas. “A gente tem que criar estratégias de comunicação para tentar deter as notícias falsas. Com o Whatsapp, ficou cada vez mais difícil. A gente divulga informações em nossas páginas, mas é um milhão de vezes mais fácil criar uma ‘fake news’ do que combatê-la. Eu, como servidora pública, que deveria estar usando o meu tempo de trabalho para produzir novas informações, termino usando o tempo do trabalho para desmentir notícias.”
Em janeiro de 2019, durante monitoramento para controle da zika - o chamado “censo” das arboviroses, realizado pela Fiocruz, a população de alguns bairros iniciou uma troca de mensagens por aplicativo induzindo as pessoas a não abrirem as portas das residências para receber a equipe que realizava a pesquisa. Cynthia Braga, pesquisadora da instituição e coordenadora da pesquisa na época, conta que esse tipo de situação dificultou o trabalho e o acesso às pessoas que necessitavam das informações. Foi necessário o uso de carros de som para desmentir o boato que estava circulando. “Dificulta muito a instituição de tomar medidas realmente eficazes e com base em evidências científicas. Também confunde a população. É um crime. Pode levar à morte”, relata a pesquisadora.
Questões jurídicas que envolvem desinformação se dividem entre as consequências criminais e as cíveis. O compartilhamento de conteúdos falsos ainda não é declarado como crime no Brasil, embora já existam projetos de lei em trâmite. Entre eles estão o Projeto de Lei n.º 6.812/2017, que torna crime a divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na internet.
Mas, mesmo sem haver a criminalização específica dos comportamentos relacionados às desinformações, a pessoa que as publica ou compartilha pode ser culpada por cometer crimes de difamação, injúria ou calúnia, se as informações falsas ofenderem a reputação ou a dignidade de alguém, ou se veicularem falsa acusação de crime. De acordo com a Polícia Civil de Pernambuco, a conduta da instituição “atua de acordo com a provocação da vítima ou o órgão envolvido”. Ainda não existe no estado nenhum levantamento estatístico de casos e denúncias de ações dessa natureza.
Em 28 de fevereiro, a prefeitura do Recife, por meio da Procuradoria Geral do Município, prestou queixa contra um internauta que publicou uma informação falsa sobre casos confirmados de covid-19 no estado. O cidadão alegou que já existiam 61 casos confirmados do novo coronavírus no Recife. Os dois primeiros casos de pessoas contaminadas por coronavírus só foram confirmados em Pernambuco no dia 12 de março.
A disseminação de desinformação também pode gerar ao indivíduo a obrigação de pagamento de indenização por danos morais, se for demonstrada a lesão à moral ou imagem de alguém, ou até mesmo indenizar por danos materiais, se as notícias falsas acarretaram prejuízos financeiros e forem comprovadas. A conduta de funcionários que disseminam notícias falsas sobre a empresa empregadora na internet também pode causar demissão por justa causa.
Casos de compartilhamento de falsas informações podem não só afetar a reputação e saúde das pessoas como também causar prejuízos financeiros e danos de várias espécies.
No comércio, a disseminação de informações falsas é uma estratégia comum, usada para conseguir dados pessoais e aplicar golpes, afetando não somente os consumidores, mas também empresas. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), 85% das empresas no Brasil estão preocupadas com o compartilhamento de desinformações.
Pedro Cavalcanti, gerente de atendimento do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de Pernambuco, elenca alguns pontos importantes para que os consumidores não caiam em ‘fake news’ e sofram golpes de serviços online.
“O Procon sempre orienta a ter cuidado com e-mails e sites fraudulentos. O recomendado é entrar diretamente no site da loja e não por meio de links duvidosos enviados por e-mail e que aparecem em outras redes sociais”.
- Procure no site informações básicas sobre o fornecedor: nome da empresa, CNPJ/CPF, endereços físicos e eletrônicos, telefone e demais informações que possibilitem seu contato e localização;
- Guarde todos os registros de sua compra, como e-mails de confirmação, códigos de localização e de realização da compra;
- Verifique se o site da empresa possui conexões seguras para proteção de seus dados. Identifique no início do endereço eletrônico a presença do “HTTPS” e de um cadeado ativado no canto esquerdo da barra de endereço do seu navegador;
- Verifique a presença de certificados de segurança de pagamentos nas transações bancárias realizadas com a empresa, não fornecendo seus dados bancários a sites que não possuam certificados de segurança;
- Evite fazer a compra utilizando computadores de terceiros ou por meio de redes wi-fi públicas.
O Confere.ai, uma ferramenta de checagem automática de notícias e de produção de conteúdos sobre desinformação desenvolvida pela startup Verific.ai e pesquisadores da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) junto ao Sistema Jornal do Commércio de Comunicação (SJCC). O projeto tem o objetivo de ampliar a cultura da verificação e criar mecanismos para ajudar a audiência a identificar de forma mais rápida e segura conteúdos falsos ou enganosos. Para acessar, basta entrar no site confere.ai ou buscar nas páginas iniciais dos sites do SJCC.