Ricardo Salles, aprovou nea segunda-feira, 28, a extinção de duas resoluções que delimitavam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro. A revogação dessas regras abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.
O ministro também aprovou uma nova regra, para permitir que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais para serem transformados em cimento, substituindo as regras que determinavam o devido descarte ambiental desse material.
Ambientalistas, parlamentares e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) pediram que os todos itens fossem retirados da pauta da reunião do Conama, instituição que tem caráter consultivo e deliberativo sobre questões ambientais. Houve ainda tentativa de cancelar a reunião, por meio de ação judicial. Todas as tentativas fracassaram.
A revogação das resoluções 302 e 303, ambas de 2002, eliminavam instrumentos de proteção dos mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontradas sobre áreas de dunas, em praias do Nordeste. O argumento do governo é que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal.
Já revogação da resolução 284, de 2001, acabava com os critérios de regras federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. No entendimento dos ambientalistas, a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais a pedido de parte do agronegócio. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que é membro do Conama, argumentou, na ocasião, que a resolução conflitava com outras que já estão em vigor. O Ministério da Agricultura declarou que irrigação não é "atividade", mas sim um acessório da agricultura. "Não vemos impacto positivo nessa resolução no meio ambiente", declarou o ministério.
As decisões de Salles passaram a ser alvos de uma série de questionamentos judiciais assim que foram oficializadas ainda na segunda-feira.
A Rede Sustentabilidade entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução do Conama. Na ação, a Rede argumentou que houve violação aos parâmetros normativos previstos sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, sobre os limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e de localidades em geral e sobre a queima de agrotóxicos e outros materiais orgânicos em fornos de cimento.
O documento alertou sobre a "violação ao direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de agrotóxicos, diminuição de APPs à revelia de recomendações técnicas e modificação nociva ao meio ambiente no que diz respeito à irrigação na agricultura". A peça trata ainda de "ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso institucional e socioambiental".
Na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) apresentou um projeto de lei legislativo, no qual também pede que a nova resolução seja sustada, para que os temas sejam analisados. "Há um dever estatal de assegurar a progressiva melhoria da qualidade ambiental, não se admitindo flexibilizar direitos ambientais já consolidados. A extinção de espaços protegidos, por exemplo, é um flagrante retrocesso na preservação ambiental", afirmou Molon. "Como as revogações das referidas resoluções visam atender setores econômicos e beneficiar empreendimentos imobiliários, se faz necessário observar que na CF existe um entrelace da ordem econômica com o meio ambiente."
Também na segunda, uma ação popular assinada por Nilto Tatto (PT-SP), Enio José Verri (PT-PR) e Gleisi Hoffmann (PR-PR) pedia a suspensão da reunião e de suas decisões.
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) também emitiu uma manifestação de repúdio contra a proposta de extinguir as resoluções ambientais. Instituição civil que reúne promotores de justiça e procuradores da República com atuação na defesa jurídica do meio ambiente, a Abrampa afirmou que a revogação das resoluções afronta os ditames legais e "ofende o princípio do não retrocesso, o qual permite aos Poderes da República apenas avanços na proteção ambiental, ao passo que atos normativos contrários à evolução na proteção ambiental propiciam mais insegurança jurídica e instabilidade institucional".
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), requisitou ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que preste informações em até 48 horas sobre a revogação de regras de proteção a áreas de manguezais e restingas. A solicitação foi feita em uma ação do Partido dos Trabalhadores que pede a suspensão da resolução do Conama.
O despacho, proferido na quarta-feira, 30, destaca a urgência e relevância da questão. Rosa também pediu pareceres da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU), antes de decidir se concederá ou não a liminar pedida pelo PT.
"Diante da urgência qualificadora da tutela provisória requerida e da relevância do problema jurídico-constitucional posto, requisitem-se informações prévias ao Ministro de Estado do Meio Ambiente, a serem prestadas no prazo de 48 horas. Dê-se ainda vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, no mesmo prazo", disse trecho do documento.
O esvaziamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fundamenta o pedido de afastamento do ministro Ricardo Salles que está parado há 85 dias na Justiça. A ação de improbidade foi apresentada pelo Ministério Público Federal em julho, sofreu um vai-e-vem judicial e ainda não foi julgada. Na segunda, 28, a Procuradoria cobrou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que avaliasse o afastamento de Salles em caráter liminar.
A decisão foi tomada por um colegiado que foi esvaziado por Salles em maio do ano passado, que por decreto reduziu o número de integrantes do Conama de 96 para 23.
A mudança, segundo a Procuradoria, resultou 'num aumento proporcional da representatividade do governo e redução substancial da representatividade da sociedade civil (redução de mais de 80%)'. A alteração, por exemplo, cortou de 11 para quatro vagas destinadas a representantes de entidades ambientais, cujo mandatos também foram reduzidos de dois para um ano, sem possibilidade de recondução.
Atualmente, as votações do Conama são facilmente vencidas pelo governo porque dos 23 membros, apenas 21 votam e destes, oito são representados por ministérios da gestão Bolsonaro e por demais órgãos federais. As decisões são tomadas por maioria simples (11 votos).
"Como resultado dessas mudanças, o caráter democrático e participativo do Conama foi praticamente esvaziado, e houve o aniquilamento da razão de ser do órgão, que é a de congregar diversos setores da sociedade em um fórum encarregado para a elaboração de políticas ambientais", afirmou o Ministério Público Federal.
"Ademais, foi estabelecida uma gritante disparidade na composição: os representantes dos múltiplos interesses parciais (notadamente os de natureza político-governamental, econômica, etc) passaram a deter a esmagadora maioria de assentos do colegiado, colocando-se em flagrante minoria os conselheiros que representavam estritamente o propósito de defesa e preservação ambiental", continuou.
A Procuradoria apontou que Salles, ao alterar a composição do Conama, buscou 'extirpar do colegiado a participação direta da sociedade civil', de forma a impedir a possibilidade de 'contenção e controle social do poder normativo' do Conselho.
As alegações foram apresentadas no dia 06 de julho à Justiça Federal do Distrito Federal como parte de um conjunto de 'atos, omissões e discursos' que apontariam para uma 'desestruturação dolosa' da política ambiental brasileira sob o comando de Ricardo Salles. A ação está sem análise liminar há 85 dias - e já sofreu um vai-e-vem judicial ainda não esclarecido sobre quem deve avaliar o pedido do Ministério Público Federal.
O impasse começou após o juiz Márcio de França Moreira, da 8ª Vara Federal do Distrito Federal, remeter o caso para a 6ª Vara Federal de Florianópolis sob o argumento de que aquele juízo era o responsável por avaliar a ação contra Salles - um processo semelhante foi apresentado contra o ministro por lá.
Os autos, no entanto, voltaram para Brasília após o desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassar a decisão do juiz Márcio Moreira, deixando a cargo da Terceira Turma do tribunal decidir o destino final da ação. Não há, porém, prazo para isso acontecer.
Na semana passada, a Procuradoria pediu ao juiz Márcio Moreira que avaliasse em caráter liminar o pedido de afastamento de Salles, mas o magistrado disse que não tomaria a decisão antes da Terceira Turma do TRF-1 decidir quem deve julgar o processo. O MPF apresentou então um pedido ao tribunal, que aguarda resposta.