Conteúdo verificado: Postagem atribui à esquerda o fato de projetos do governo federal não estarem em vigor e, ainda, que teria responsabilidade sobre bandidos que não foram presos em segunda instância.
É enganoso o post que voltou a circular nas redes sociais que relaciona a não implementação de medidas propostas na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) a segmentos brasileiros de esquerda. A postagem original é de setembro de 2020.
- Médica engana ao dizer que vacinas contra covid são experimentais
- Vídeo engana ao dizer que STF quer barrar cristãos na política
- É enganoso que recomendação do uso de máscara contra covid siga palavras de vidente e não estudos científicos
- Post engana ao afirmar que empresas não exigem vacinação e que CEO da Pfizer não se imunizou
- Post compara de forma enganosa valores do gás de cozinha com o salário mínimo
- Post engana ao comparar ação da vacina contra febre amarela e da covid-19
- É enganosa conexão entre distribuição de ivermectina e controle da pandemia em estado da Índia
- Site usa título sensacionalista sobre morte de vacinados contra a covid e engana leitores
Na publicação, com tom de advertência para as próximas eleições, o autor diz que a carteira estudantil seria gratuita e o seguro DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres) extinto, mas que a esquerda não teria “deixado”.
As duas propostas foram apresentadas pelo governo Bolsonaro em forma de Medida Provisória (MP), cuja validade é temporária – até 120 dias. Para que se tornassem leis, precisavam de aprovação no Congresso Nacional, mas sequer foram analisadas. A comissão mista de deputados e senadores que deveria analisar a proposta nem chegou a ser instalada pelo presidente do Senado Federal à época, Davi Alcolumbre, que coordenava os trabalhos do Congresso Nacional. Filiado ao DEM, o partido se identifica com ideologia de centro-direita.
Particularmente na MP que trata sobre a extinção do DPVAT, o partido Rede Solidariedade recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida, porém líderes da direita e centro-direita também se posicionaram contrários à proposta por entenderem que a iniciativa de Bolsonaro seria retaliação a um desafeto político. Mas, antes mesmo que o prazo para apreciação da MP expirasse no Congresso, o STF considerou a proposta inconstitucional.
O outro tópico da postagem se refere ao fim da prisão após condenação em segunda instância, uma mudança ocorrida após julgamento de três ações declaratórias de constitucionalidade (1, 2 e 3) ajuizadas pelo então Partido Ecológico Nacional (atualmente Patriota), pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Embora as ações tenham sido ajuizadas por partidos e pelo Conselho Federal da OAB, a decisão foi da mais alta Corte do Judiciário brasileiro.
O Comprova classificou a postagem como enganosa porque usa dados imprecisos em um conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos?
O Comprova pesquisou no Google pelos termos citados pelo autor da postagem – carteira estudantil e seguro DPVAT – para localizar conteúdos que tratassem sobre o assunto. No levantamento, logo foi possível identificar as propostas apresentadas pelo governo federal nos sites do Legislativo federal.
Nos mesmos canais e também em sites de notícias, a reportagem identificou a razão pela qual as medidas não se tornaram leis.
A equipe consultou ainda publicações sobre prisão em segunda instância. Pela leitura de reportagens publicadas em 7 de novembro de 2019, é possível concluir que o fim das prisões após condenação em segunda instância foi resultado de uma decisão colegiada do STF. O site da Corte também foi fonte de consulta para esta checagem.
O Comprova buscou o autor da postagem pelo Facebook, na seção reservada às mensagens diretas. Foi questionado sobre se sabia do teor enganoso do conteúdo, mas não respondeu.
Carteira estudantil
A carteira estudantil é um benefício concedido por lei, garantindo meia-entrada em espetáculos artísticos-culturais e esportivos. Na legislação vigente que trata do assunto, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes também são contemplados com o custo 50% menor.
O projeto que deu origem à legislação é de 2008 e havia sido apresentado pelo ex-senador Eduardo Azeredo e o colega Flavio Arns, que ainda exerce mandato no Senado Federal, ambos no PSDB à época. Após tramitação no Congresso Nacional, foi sancionado e virou lei em 2013, quando Dilma Rousseff (PT) estava na presidência da República.
Já na gestão de Bolsonaro, foi editada a Medida Provisória 895/2019 criando a carteira estudantil digital gratuita.
O presidente pode publicar medidas provisórias em caso de relevância e urgência, que têm força de lei desde a sua edição. No entanto, elas têm prazo de até 120 dias e, se não forem aprovadas pelo Congresso nesse período ou forem rejeitadas pelos parlamentares, perdem a validade.
E foi isso o que aconteceu com a MP que versava sobre a gratuidade na emissão do documento. A proposta nem sequer foi analisada pelos deputados e senadores. Na época, parlamentares sustentaram que faltou ao próprio governo federal a articulação para que a medida provisória se tornasse lei.
A não aprovação da medida levou a outros conteúdos de desinformação, como um boato que foi desmentido em publicação no site da Câmara Federal. No texto, a Casa declara que é “falso que tenha deixado caducar a MP sobre a carteira estudantil gratuita.”
DPVAT
Situação semelhante se passou com a MP do seguro DPVAT, que não chegou a ser analisada pelo Congresso Nacional. A cobrança havia sido extinta em janeiro do ano passado, mas voltou logo depois. Editada em novembro de 2019, a MP foi prorrogada e ficou em vigor por 180 dias, mas, mesmo assim, não foi apreciada por deputados e senadores.
Antes, contudo, parlamentares do partido Rede apresentaram uma ação no STF contra a MP. O senador Fabiano Contarato (ES), delegado com atuação na área de trânsito, argumentou que a medida prejudicaria vítimas de acidentes e não tinha a urgência necessária para ser tratada por meio de uma MP. O STF suspendeu a medida ao considerá-la inconstitucional e pontuou que o tema poderia ser abordado em lei complementar, e não em MP.
Ainda que o partido Rede esteja no espectro da esquerda, lideranças de outros vieses políticos – de direita e centro-direita – também se mostraram contrárias à MP, sobretudo ao avaliar que a medida poderia ser uma retaliação de Jair Bolsonaro a Luciano Bivar, que está no comando do PSL nacional e é desafeto do presidente. Uma das empresas de seguro que administra o DPVAT é de Bivar. A justificativa do governo para a adoção da medida era evitar fraudes.
Parlamentares também estimaram, segundo reportagem publicada no portal Congresso em Foco, que extinguir o DPVAT reduziria a verba para a saúde em R$ 400 milhões, valor de recursos previsto para repasse pelo seguro para o financiamento do SUS.
O DPVAT é pago anualmente por todos os donos de veículos do país no início de cada ano. A arrecadação do seguro ampara vítimas de acidentes de trânsito, independentemente do responsável, oferecendo coberturas por morte, invalidez permanente e reembolso em despesas médicas.
Após ser extinto pela MP e voltar a ser cobrado por decisão do STF, antes mesmo de a medida provisória caducar no Congresso Nacional, uma nova regra passou a valer e reduziu o valor da cobrança do seguro em mais de 60%. A diminuição no custo foi aplicada em 2020 e tem validade por quatro anos.
STF decidiu pelo fim da prisão em segunda instância
Também não procede a afirmação de que a esquerda impediu que “bandidos” fossem presos após condenação em segunda instância. Essa não é uma decisão que cabe a partido político de qualquer vertente, mas sim à Justiça.
O entendimento sobre a prisão após o trânsito em julgado – quando se esgotam as possibilidades para apresentação de recursos – foi formado pelo plenário do STF, em 7 de novembro de 2019. O julgamento terminou com um placar de 6 a 5.
Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia foram favoráveis à prisão após condenação em segunda instância. Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, contrários.
Embora as cadeiras do STF sejam ocupadas mediante indicação do presidente de turno, não há como classificar de modo objetivo como cada ministro se define política e ideologicamente, tampouco atribuir à esquerda o que foi decidido pelos magistrados em 7 de novembro de 2019.
Importante observar, ainda, que a decisão do STF não contempla apenas políticos, mas qualquer cidadão que seja submetido a julgamento. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que cerca de 4,8 mil presos foram beneficiados com a decisão favorável à prisão após o trânsito em julgado, caso não estivessem presos preventivamente por outras razões. O Ministério Público Federal (MPF) levantou à época que 38 condenados no âmbito da Lava Jato seriam beneficiados com o resultado que viria a se confirmar.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que apresentem grande possibilidade de viralização.
A postagem aqui verificada, publicada em um grupo de apoio a Bolsonaro, teve mais de 5 mil interações até o dia 4 de outubro e lança acusações contra a esquerda brasileira, espectro político que tem no PT a principal organização partidária e em Lula o principal adversário eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, conforme pesquisas de intenção de voto.
A desinformação envolvendo partidos ou candidatos é prejudicial porque pode afetar a capacidade de discernimento da população no momento de fazer a sua escolha para votar.
O Comprova já fez várias checagens de conteúdos sobre eleições, como o vídeo que engana ao sugerir que o STF pode manipular resultado eleitoral ou o post falso que diz que Lula e Dilma pagaram 6 mil euros para jantar em Paris ou, ainda, um vídeo antigo de Bolsonaro ovacionado em Natal como se fosse atual e em Nova York.
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: A Gazeta e O Povo. Verificado por: O Estado de S. Paulo, Band News FM, GZH, Revista Piauí, Correio de Carajás Correio Braziliense, SBT, UOL, Folha de S. Paulo e Poder 360.