Para combater o crime organizado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Na prática, 3,7 mil militares de Aeronáutica, Exército e Marinha terão poder de polícia para agir nos Portos de Itaguaí, Rio e Santos e nos Aeroportos de Cumbica e Galeão. As operações começam na segunda-feira e devem inicialmente prosseguir até maio. O objetivo é a "asfixia" econômica do crime organizado, dificultando suas operações nas fronteiras e nas principais cidades, complicando a logística e o abastecimento de drogas e armas.
Ainda haverá reforço da ação federal pela Marinha nas Baías da Guanabara e de Sepetiba, no Porto de Santos e no Lago de Itaipu, além de monitoramento extra das fronteiras de Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por Exército e Aeronáutica. Com a medida, as Forças poderão revistar pessoas, efetuar prisões e fazer patrulhamento, entre outras atividades de polícia.
"Um dado concreto é que chegou a uma situação muito grave. A violência a que temos assistido tem se agravado a cada dia que passa e resolvemos tomar uma decisão, fazendo com que o governo federal participe ativamente com todo potencial que tem para ajudar o governo dos Estados e o Brasil a se liberar do tráfico de drogas, das quadrilhas e do tráfico de armas", disse Lula. Ele não descartou a possibilidade de ampliar o escopo da operação para mais portos e aeroportos.
No mês passado, o Rio viveu caos na segurança, depois da morte de um miliciano em confronto com a Polícia Civil. Na ocasião, pelo menos 35 ônibus foram incendiados em retaliação. Após esse episódio, o governo federal reforçou efetivos da Força Nacional no Estado e intensificou operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Federal. Antes disso, em setembro houve ainda o roubo de 21 metralhadoras do Arsenal de Guerra de São Paulo, para negociação com facções.
Nos últimos dias, o presidente afirmou em algumas oportunidades que era contrário a colocar Forças Armadas no confronto direto com o crime organizado - como ocorreu no governo Dilma Rousseff (PT), quando o Exército assumiu a segurança fluminense e ocupou a Maré, no Rio, por 16 meses.
O último decreto de GLO na segurança editado no Brasil foi essa intervenção, comandada pelo general Braga Netto. A gestão dele é investigada pela Polícia Federal pelo suposto desvio de recursos públicos. No entanto, militares ligados à intervenção, incluindo Braga Netto, ampliaram sua influência política nos anos seguintes, sobretudo no governo Jair Bolsonaro. Em contraposição, uma das bandeiras do governo Lula é a desmilitarização de espaços. A GLO, apesar de ser uma intervenção pontual e com prazo para acabar, concede aos militares o poder sobre algumas medidas de gestão e também de gerência de recursos públicos. Embora atenda a pedido do governador Cláudio Castro, a nova intervenção só terá em conjunto com o governo estadual um comitê para ações de combate (asfixia) financeiro ao tráfico - como solicitado pelo governo estadual.
"Enquanto for presidente, não tem GLO" e "fui eleito para governar", são frases ditas por Lula nos últimos dias. Elas deixam claro que não permitirá que os militares tenham a mesma influência que tinham no governo do antecessor. Em abril, o presidente pediu ao Congresso que retirasse de tramitação projeto que isenta militares de punição em GLO - o excludente de ilicitude. Ontem, o presidente não respondeu perguntas a respeito.
"A GLO anunciada incide sobre áreas federais, Lula não queria GLO em ruas e bairros", disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ontem. O ministro já havia antecipado que poderia haver reforço militar em áreas sob poder federal. Ações mais direcionadas em GLO haviam ocorrido nas Copas das Confederações e do Brasil e na visita do papa para a Jornada Mundial da Juventude (no Rio).
O ministro afirmou ainda que o governo negociava internamente a atuação das Forças Armadas para fortalecer o combate ao crime organizado. O governo Lula tem sido criticado por sua atuação na área. Segundo pesquisa do Instituto Atlas feita de 20 a 25 de setembro, a segurança é a área temática do governo federal com pior avaliação entre os eleitores, embora grande parte do combate seja de responsabilidade dos Estados.
No mês passado, o ministério lançou um programa de combate às organizações criminosas em meio à crise na Bahia e no Rio. No entanto, novos casos, como a morte de médicos no Rio após um equívoco em uma guerra pelo controle de milícias e a maior paralisação do transporte público da história na sequência da morte do miliciano, mantiveram o governo pressionado e retomaram discussões sobre quebra do ministério, criando a pasta de Segurança. "Essa pauta não está sobre a mesa", disse ontem o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Rui Costa reiterou que a meta é bloquear as rotas do crime organizado para asfixiar as organizações criminosas. "O objetivo portanto é identificar as ações de responsabilidade do governo federal, que é cuidar de forma sistemática e ostensiva da fronteiras para conter o crime, contrabando, entrada de drogas e de armas. A população vai presenciar isso, serão utilizados de forma ostensiva inclusive cães farejadores nos saguões dos aeroportos, na área de movimento de carga e passageiros."