Ao mesmo tempo em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se vangloria de liderar a luta ambiental com uma redução drástica do desmatamento na Amazônia, a extração de petróleo no Brasil, nono produtor mundial, não para de aumentar.
Ambientalistas condenam este paradoxo, à margem do que a comunidade internacional acordou na COP28, a conferência climática da ONU, em dezembro: um chamado a abandonar progressivamente os combustíveis fósseis, principal causa das emissões de gases de efeito estufa.
Além disso, durante esta cúpula em Dubai, o Brasil anunciou que vai entrar na Organização de Países Exportadores de Petróleo ampliada (OPEP+), formada por 23 países produtores da commodity.
Na ocasião, a rede Climate Action Network International concedeu ao Brasil o prêmio irônico "Fóssil do dia", por ter "confundido produção de petróleo com liderança climática".
"O Brasil não pode ser, ao mesmo tempo, um líder climático e um petro-Estado. São condições incompatíveis", criticou, em declarações à AFP, Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da rede de organizações ambientalistas Observatório do Clima.
Desmatamento
Ao voltar ao poder há três meses, Lula prometeu acabar com o desmatamento ilegal no Brasil até 2030. Em seu primeiro ano de mandato, a derrubada de árvores diminuiu 50% na Amazônia, maior floresta tropical do planeta e considerada estratégica na luta contra o aquecimento global por sua capacidade de absorver CO2.
O Brasil também se ofereceu para sediar a cúpula climática COP30, em 2025, que será realizada simbolicamente em Belém do Pará, em plena Amazônia. Mas, ao mesmo tempo, o país, que é o primeiro produtor latino-americano de petróleo, pisou no acelerador e registrou vários recordes mensais no ano passado.
O último, em novembro, quando produziu 3,678 milhões de barris diários (mbd), e espera alcançar 5,4 mbd em 2029, segundo o ministério de Minas e Energia. Este número poderia tornar o Brasil o quarto produtor mundial em cinco anos, segundo as expectativas do governo.
"O mundo deveria estar agradecido ao Brasil por ser um provedor confiável" de petróleo, disse esta semana, durante visita ao país o diretor da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol.
Petróleo
O Brasil injeta no mercado cerca de 3% da oferta mundial de petróleo cru, segundo Birol. O país tem reservas comprovadas de 14,856 bilhões de barris e um total de 26,922 bilhões de barris, incluindo as possíveis e prováveis, segundo o último boletim anual da Agência Nacional de Petróleo.
Lula defende, ainda, a exploração pela Petrobras de petróleo perto da foz do rio Amazonas, um projeto polêmico ao qual se opõe a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, por seu impacto ambiental.
O peso da indústria petroleira no PIB da economia brasileira, a maior da América Latina, é inquestionável, representando cerca de 13% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o economista Igor Barenboim, ex-secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Economia (2015-2016).
"Particularmente os recursos da exportação", cerca de um terço da produção petroleira, "são chave para impulsionar o crescimento", afirma.
As vendas de petróleo e derivados somaram 42,5 bilhões de dólares em 2023 (cerca de R$ 205 bilhões, em cotação da época). O petróleo garante recursos ao Estado para financiar, por exemplo, políticas sociais, atenuando o impacto nas metas fiscais. O governo se comprometeu a alcançar o déficit zero em 2024.
Transição energética
Lula, que em seus primeiros dois mandatos (2003-2010) financiou programas em benefício das classes populares apoiado no 'boom' de matérias-primas, defende que os recursos do petróleo são necessários para financiar a transição energética.
Preparar-se para abandonar os combustíveis fósseis significa "aproveitar o dinheiro" que os países "lucram [com o petróleo] para fazer investimento para que os continentes como o africano e a América Latina possam produzir os combustíveis renováveis que precisam", disse o presidente em dezembro ao defender a entrada do Brasil na OPEP+.
Para os ambientalistas, apostar no petróleo é coisa do passado.
"O erro está na opção de querer gerar renda com exportação [de petróleo], tendo o olhar para o passado e desconsiderando a gravidade da crise climática", diz Araújo.
Enrico Marone, porta-voz de Oceanos do Greenpeace Brasil, critica os projetos de novas explorações: "Os campos petrolíferos do pré-sal em atividade ainda têm uma vida útil de 11 ou 12 anos e garantem os recursos de produção para apoiar essa transição energética".
A matriz energética no Brasil provém em 47,4% de energias renováveis - mais que o triplo da média mundial, que é de 15% -, segundo a Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.