Cidades Brasileiras se preparam para lidar com o avanço do mar
Um estudo da organização Climate Central mostra que várias cidades no mundo podem ser afetadas por esse aumento do nível do mar se nada for feito
Grandes cidades do litoral brasileiro podem ser inundadas pelo mar nas próximas décadas se o aumento na temperatura da Terra mantiver o ritmo atual. Essas localidades buscam medidas de prevenção e mitigação de possíveis danos.
Os planos de ação vão desde o corte na emissão de gases até a instalação de sistemas de monitoramento e alertas de eventos extremos. O Rio de Janeiro, maior cidade a ser afetada, por exemplo, fez parceria com a Nasa, a agência espacial americana, para monitorar o avanço do mar e se antecipar a ele.
Além do Rio, estão na lista das cidades ameaçadas as capitais Fortaleza (CE), Salvador (BA), Recife (PE), Porto Alegre (RS), São Luís (MA), além da cidade de Santos (SP).
Organizações científicas internacionais avaliam que a temperatura da Terra estará 1,5°C mais alta em 2050, podendo chegar ao aumento de 3°C na virada do século. O aquecimento pode acelerar o derretimento das geleiras nos polos, elevando o nível do mar, também influenciado pelo aquecimento dos oceanos.
Dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) apontaram que a taxa de aumento médio do nível do mar global nos últimos dez anos (2014-2023) foi mais do que o dobro da primeira registrada por satélite (1992-2002).
O aquecimento do planeta é causado pelo aumento, na atmosfera, de gases de efeito estufa, resultantes principalmente da queima de combustíveis fósseis. Desmatamento e queimadas agravam o cenário.
Diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo) e também professor do Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia), da UFRJ, Segen Estefen diz ser necessário ampliar o monitoramento do oceano na costa brasileira. "O que acontece lá no oceano tem reflexo aqui no continente", afirma.
Um estudo da organização Climate Central, divulgado em 2021 e atualizado em 2023, mostra que várias cidades no mundo podem ser afetadas por esse aumento do nível do mar, caso não sejam cumpridas as metas de redução de gases de efeito estufa e o aquecimento global se mantenha no ritmo atual. "Algumas ilhas do Oceano Pacífico já estão parcialmente submersas em função do aumento do nível do mar. A contenção exige obras de alto custo, o que deve ser planejado a médio prazo para as regiões costeiras mais críticas em termos da elevação do nível do mar", diz Estefen.
No Brasil, 2,1 milhões de pessoas serão afetadas por alagamentos nas regiões costeiras. A Climate Central se baseou em informações do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), aplicadas a dados populacionais. Foi utilizado um modelo de elevação digital por inteligência artificial (IA), o Coastal IDEM, que junta dados globais sobre a altura das terras costeiras.
O estudo, publicado na revista Environmental Research, teve parceria da Universidade Princeton, dos EUA, e do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto do Clima, na Alemanha. Foram identificadas áreas de inundações em cerca de 100 cidades de 39 países, incluindo o Brasil.
RIO. Em algumas capitais e cidades litorâneas já há ações práticas e obras para conter as inundações que podem se agravar com o aumento no nível do mar. No caso do Rio, segunda maior metrópole brasileira, estudos próprios apontam o risco de alagamento da Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá, além de outras áreas.
A prefeitura fez acordo de cooperação com a Nasa para "melhor compreender, antecipar e monitorar os perigos ambientais no município". Com o acréscimo de 3°C na temperatura global, as águas do mar podem alagar parte do bairro do Botafogo, na zona sul do Rio. A inundação pode chegar à estação de metrô Botafogo e alagar a Barra da Tijuca. Com o avanço do mar, podem submergir praias da Ilha do Governador.
Segundo a prefeitura, o Instituto Pereira Passos (IPP) desenvolve estudos das áreas vulneráveis à elevação do nível médio do mar na capital fluminense desde 2008. Eles se baseiam em dois relatórios sobre os impactos das mudanças climáticas: "Rio, Próximos 100 anos" (2008) e "Megacidades: Vulnerabilidade das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas" (2011). Esse mapeamento foi atualizado na elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática (PDS) da Cidade do Rio de Janeiro em 2021.
O plano contou com a colaboração de cientistas da Nasa e visa a construir políticas municipais alinhadas com a Agenda 2030 da ONU para promover um mundo mais sustentável. Para o aumento do nível do mar, quatro regiões são identificadas como de impacto máximo: Guaratiba e Barra de Guaratiba; Vigário Geral e Parada de Lucas; Recreio dos Bandeirantes, e Barra da Tijuca. Entre as metas estabelecidas no PDS estão: realizar o manejo de 3,4 mil hectares reflorestados e consolidar 1,2 mil hectares de floresta no município; duplicar a cobertura arbórea em suas praças e parques; revitalizar 300 km de logradouros, com drenagem urbana sustentável e prioridade ao pedestre; e implementar o Código de Águas do Rio de Janeiro. A Fundação Rio-Águas realiza obras de drenagem, limpeza e desassoreamento de rios e canais da cidade do Rio.
SITUAÇÃO NO RECIFE
No Recife, o bairro de Casa Amarela, na zona norte, seria alagado pelo rio Capibaribe, com a elevação de 1,5°C na temperatura global. Já com 3°C, a maior parte das ruas e avenidas seria inundada.
A prefeitura deu início à retirada de moradores para criar espaço para o avanço das águas. O Parque Alagável do Rio Tejipió terá 3,9 mil m² de área com gramados e estruturas que retêm as águas. O município iniciou a desapropriação e demolição de 107 imóveis residenciais e comerciais construídos à margem do rio, entre os bairros de Areias e Tejipió - cerca de 50 já foram derrubados. O parque só terá paisagismo e equipamentos de lazer.
Nas margens em que os imóveis foram demolidos, foi iniciado o alargamento da calha do Rio Tejipió, que deságua no Rio Capibaribe, que, por sua vez, sofre a influência das marés. Nos trechos em que o Tejipió é mais estreito, contribuindo para enchentes, a largura está passando de 10 m para 30 m.
Também está em andamento na capital pernambucana o Projeto Orla Parque, um parque linear que se estenderá por 9,3 km ao longo das praias de Boa Viagem e Pina. O objetivo é manter as áreas adjacentes à praia livres de construções e só com equipamentos de lazer, o que reduz o prejuízo em caso de avanço da maré.
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Além de jardins, lâminas d?água e ciclovia, as únicas construções permitidas serão de quiosques e banheiros. Na execução do projeto, que já teve a primeira etapa entregue em março e estará concluído até 2025, serão plantadas 730 árvores em toda a extensão.
SITUAÇÃO EM FORTALEZA
A prefeitura de Fortaleza constrói um lago subterrâneo artificial para conter os alagamentos na capital cearense. Com capacidade para armazenar 14 mil m³ de água - volume equivalente ao de 13 piscinas olímpicas - o reservatório está sendo construído sob a Avenida Heráclio Graça, que liga o centro ao bairro Aldeota. Com investimento de R$ 24 milhões, o projeto prevê a substituição do pavimento asfáltico por piso intertravado com grelhas de drenagem para que a água se infiltre até o lago.
O conteúdo do reservatório será escoado gradativamente para o Riacho Pajeú, que tem bom fluxo de água em direção à foz. As obras tiveram início em novembro de 2023 e devem ser finalizadas até o final do ano. Com um aumento de 1,5ºC, o mar cobriria as praias do Titanzinho e do Futuro. No cenário mais pessimista, a comunidade do Titanzinho e as ruas do bairro do Futuro seriam alagadas.
Algumas cidades já construíram barreiras artificiais para conter o avanço do mar. Em Santos, a região da Ponta da Praia pode ser inundada se a temperatura global subir 1,5°C. Se a alta for de 3°C, praticamente todas as praias e parte da área urbana santista ficariam submersas.
A prefeitura instalou uma barreira de geobags - grandes sacos de material geotêxtil cheios de areia - para evitar que as ressacas avancem sobre a área urbana na Ponta da Praia. No local estão dispostos 49 sacolões, numa extensão de 275 m. O processo, iniciado em 2018, será expandido às praias do Embaré e da Aparecida, em parceria com a Autoridade Portuária, que administra o Porto de Santos. Outra obra, também a cargo da empresa, será o aprofundamento do canal de navegação do porto, o que terá impacto positivo na contenção das ressacas.
Em Caraguatatuba, no litoral norte paulista, a prefeitura construiu muros de pedra do tipo molhe com até 1,3 km de extensão, a partir da praia, para levar as águas do Rio Juqueriquerê mar adentro.
O canal, com até 190 m de largura, elimina os bancos de areia que se formavam na foz devido ao avanço do mar e às ressacas. Com o fluxo livre, as águas do rio não ficam represadas, reduzindo os alagamentos na área urbana.
SITUAÇÃO EM SALVADOR
Em Salvador, o aumento de 1,5°C faria o mar avançar sobre parte do centro e outros bairros da Cidade Baixa. Se a alta for de 3°C, toda a área do Mercado Modelo até a frente do Elevador Lacerda seria tomada pelas águas.
Na capital baiana há um Grupo de Trabalho sobre Elevação do Nível do Mar que até 2032 definirá estratégias para lidar com o aumento do nível do mar até 2049. Em 2020, Salvador lançou seu Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima, com a meta de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa até 2049.
A prefeitura instalou um centro de monitoramento de alerta e alarme na Defesa Civil com atuação em ações preventivas e de preparação da comunidade para emergências climáticas. A capital ampliou a frota não poluente, com ônibus elétricos, criou novos parques e um programa de hortas urbanas.
PORTO ALEGRE. A capital gaúcha que acaba de sofrer grandes inundações, teria as margens do Rio Jacuí, toda a beira do Lago Guaíba e a região da Usina do Gasômetro atingidas pela subida das águas, com a temperatura global escalando 3°C. Com a alta de 1,5°C, parte dessas áreas ficaria inacessível.
O primeiro passo na busca do controle dos efeitos causados pelo aquecimento global, segundo a prefeitura, foi o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa. O documento identificou que 67,7% das emissões advêm do transporte, 13% de fontes estacionárias e 8,8% dos resíduos. A prefeitura lançou o Plano de Ação Climática (Plac) para identificar e estabelecer metas prioritárias concretas de redução da emissão de gases e de adaptação social, econômica, ambiental e territorial às mudanças climáticas. A meta é zerar as emissões até 2050.
Para Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Ciência do Mar, os planos das prefeituras para enfrentar o avanço do mar precisam ser mais ambiciosos na quantidade das ações e nos prazos, com entregas em espaços de tempo de curto e médio prazo. Ele diz ser positivo que as cidades estejam aderindo às ações que têm impacto global, mas ainda podem avançar mais nas ações locais. É importante, afirma, investir em pavimentação porosa, o que facilita a infiltração da água, melhorando a absorção. "Em áreas bem críticas para a subida do nível do mar, precisamos pensar em retração e relocação de população. O tema é sensível mas precisa começar a ser discutido."
Considerando as situações de emergência, que continuarão a ser cada vez mais frequentes, ele defende adaptações em bairros residenciais que incluam construção de tanques para captação de água e ?refúgios climáticos?, que são áreas para as quais as populações em risco saibam como ir e os locais estejam preparados.