O que o gelo tem a contar?

Pesquisadores decifram peculiaridades da Antártida
Mona Lisa Dourado
Publicado em 24/01/2013 às 8:34
Foto: Centro Polar e Climático-UFRGS


Um gaúcho e um carioca. Em comum, o fascínio pelo continente que adotaram como laboratório de pesquisa. Ambos fizeram do gelo objeto de estudo. Juntos, os cientistas Jefferson Cardia Simões, diretor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 54 anos, e Heitor Evangelista, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 45, lideram o projeto mais ousado do Brasil na Antártida. Trata-se do módulo Criosfera 1, que completou no último dia 12 um ano de atuação no interior do território antártico, a 2,5 mil km da Estação Comandante Ferraz. O ponto avançado, a 84 graus de latitude Sul, coleta dados sobre o ambiente polar que permitem fazer conexões diretas com as mudanças climáticas na América do Sul e no Brasil. Essencial para o entendimento de fenômenos como as frentes frias e o aumento da temperatura na superfície do Atlântico Sul, a experiência tem no intercâmbio de conhecimentos entre pesquisadores de instituições diversas um dos seus maiores méritos. Sobre essa parceria e os desafios da pesquisa em condições extremas Jefferson e Heitor conversaram com a editora Mona Lisa Dourado.

JC - O que o gelo tem a nos contar?
JEFFERSON –
Ele é um dos principais reguladores do nosso dia a dia, do clima do planeta e também guarda o melhor registro da história do clima e da química da atmosfera ao longo de 800 mil anos. Através dos testemunhos de gelo, como chamamos as amostras no nosso jargão, conseguimos identificar como se processaram as grandes alterações climáticas, se houve grandes erupções vulcânicas e podemos detectar o aumento da poluição em âmbito global. Detectamos até mesmo as explosões nucleares realizadas na atmosfera nas décadas de 50 e 60. Tudo isso está guardado nas camadas de neve e gelo que se acumularam através de milhares de anos na Antártida.
 
JC – Sabe-se que a Antártida é essencial para entender o clima do mundo. Que conexões concretas podem ser feitas com os fenômenos naturais registrados no Brasil?
HEITOR -
A variabilidade do gelo marinho na Antártida tem fortes implicações sobre a dinâmica de frentes frias e padrões de chuva no Brasil. Parte das incertezas dos modelos de previsão do tempo poderá ser reduzida se essa relação climática for melhor esclarecida. O continente também pode controlar o nível e a temperatura dos oceanos. No Atlântico Tropical, por exemplo, verificamos uma anomalia em torno de um grau na temperatura superficial do mar (SST) desde o início da redução do ozônio, que tem gerado impacto na taxa de crescimento de algumas espécies aqui na costa do Brasil.
JEFFERSON - A verdade é que a Antártica e o Ártico são tão importantes quanto a Amazônia para a questão climática mundial. Os processos que se formam na Amazônia e ações humanas como as queimadas afetam a Antártida e vice-versa.
 
 JC - O Criosfera 1 é a primeira investida do Brasil fora da Ilha Rei George, onde está a Estação Comandante Ferraz. O que representa para o País ter um ponto de presença no interior do continente?
JEFFERSON –
Novas possibilidades nas áreas de geologia, geofísica, glaciologia e química da atmosfera. No futuro, esperamos ter atividades de astronomia e astrofísica. Isso faz parte da evolução do próprio Programa Antártico Brasileiro (Proantar).

JC – O módulo opera de forma automatizada com painéis solares e turbinas eólicas desde a sua instalação, em 12 de janeiro de 2011. Qual a avaliação do primeiro ano de funcionamento?
HEITOR –
O Criosfera 1 foi projetado para monitorar a química da atmosfera, o CO2 (principal gás do efeito estufa), a variabilidade da altura do manto de gelo (este em tempo quase-real) e dados meteorológicos em alta resolução. No último mês, passamos 21 dias no acampamento fazendo a manutenção e instalando novos equipamentos. Tudo foi coletado dentro do esperado e enviado via satélite pelo sistema Argos para redes meteorológicas internacionais, mas ainda estamos analisando as informações.

JC - Como avalia o investimento nas pesquisas brasileiras em comparação com outros países que também têm base na Antártida?
HEITOR -
Alguns países como os EUA, a Rússia, a Inglaterra e a Comunidade Europeia como um todo e mais o Japão têm mais tradição do que nós em termos de Antártida e maior investimento em pesquisa naquela região.  Mas o continente ainda é uma grande fronteira a ser explorada e iniciativas como o Criosfera 1 abrem ao Brasil novas possibilidades.
JEFFERSON - Não estamos entre os que investem menos, mas também não somos dos que investem muito. Comparando com os Brics, o que menos investe é o Brasil. A China tem três estações, a ìndia, duas e a Rússia, de quatro a cinco. O que mostra que mesmo os países emergentes, de economia meio-termo têm interesse na Antártida, tanto político quanto ambiental. E, isso, claro reflete na produção intelectual. Nós estamos no meio do caminho. Certamente entre os 29 países que são membros do comitê internacional de pesquisa antártica, estamos entre os 15 primeiros, mas ainda não somos de vanguarda.
 
JC - O Protocolo de Madri definiu a Antártida como território neutro dedicado à ciência e à paz, estabelecendo uma moratória até 2048 para a extração dos seus recursos naturais. A possível exploração econômica do continente preocupa os cientistas?
JEFFERSON -
É muito cedo para se preocupar com isso. Vai depender da evolução dos recursos naturais do planeta como um todo. A grande fronteira para os próximos 30 anos não é a Antártida, mas o Ártico. A exploração dos recursos de óleo e gás no Ártico é que está nos preocupando, até porque é muito mais fácil e barato atuar lá do que na Antártida.
HEITOR – Estamos mais preocupados em ter uma presença científica relevante, para ter uma posição de destaque dentro da comunidade internacional.

JC – Como se dá a parceria entre os países para viabilizar as pesquisas no continente? Quem são os principais parceiros do Brasil?
JEFFERSON -
A grande vantagem do Sistema do Tratado da Antártida é a cooperação muito intensa entre os países. Claro que o Brasil tem uma facilidade de cooperação com o Chile, mas cada vez mais avançam as cooperações científicas de envergadura com Estados Unidos, Alemanha e França, além de estarmos nos aproximando de Japão, Rússia e Inglaterra. África do Sul e Argentina são outros parceiros importantes . É bastante ampla a interação brasileira e isso facilita e reduz até os custos. Sem falar o quanto facilita em casos de emergências. É essencial.

JC – Quais os desafios de fazer pesquisa no continente branco. O que mais assusta e encanta na Antártida?
HEITOR –
Assusta constatar nossa pequenez diante do manto de gelo. O que mais me encanta é como uma paisagem tão, aparentemente, simples pode ser tão mutável a cada segundo.
JEFFERSON – É um ambiente muito difícil e agressivo, mas com o qual estabeleci uma relação íntima em mais de 20 anos de estudos lá. Com o tempo, se torna familiar, faz parte da sua rotina.

Jefferson Simões (E) e Heitor Evangelista festejam instalação do Criosfera 1 em janeiro de 2011 - Centro Polar e Climático-UFRGS
Navios Amirante Maximiano (H-41) e Ary Rongel (H-44) apoiam pesquisas no continente gelado - Marinha do Brasil/Divulgação
Embarcações transportam militares e pesquisadores pelos mares austrais - Marinha do Brasil/Divulgação
Criosfera 1 envia dados por satélite a redes meteorológicas internacionais - Divulgação
Expedição instalou novos equipamentos e realizou manutenção da estrutura este mês - Divulgação
Criosfera 1 abre nova fase no Programa Antártico Brasileiro (Proantar), ao adentrar o continente - Divulgação
Felinto Perry é um dos cinco navios empregados pela Marinha na Operantar 31 - Marinha do Brasil/Divulgação
Professor Jefferson Simões exibe testemunho de gelo, que guarda preciosos dados sobre a atmosfera - Centro Polar e Climático-UFRGS
Max tem 90 metros de comprimento e é capaz de deslocar 5,5 mil toneladas - Marinha do Brasil/Divulgação
Almirante Maximiano tem capacidade para 106 passageiros - Marinha do Brasil/Divulgação
Navios fazem paradas de abastecimento e manutenção no porto de Punta Arenas (Chile) - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Camarotes são para uma a quatro pessoas, com banheiros individuais ou compartilhados - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Laboratórios são equipados com computadores e super freezers - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Em navio de pesquisa, também há espaço para o lazer, como prova a mesa de totó - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ambulatório e consultório odontológico estão a postos para qualquer imprevisto - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Max comporta cinco laboratórios - dois secos, dois molhados e um misto - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Amplo passadiço conta com as mais modernas tecnologias de navegação - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Sistema de vídeo garante a diversão na Praça D'Armas do Max - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ary Rongel tem capacidade de carga de 2.400 m3 dos dois porões - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Navio segue regras rígidas de segurança - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Lavanderia assegura roupa limpa durante toda a operação - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Comandante Marcelo Seabra apresenta instalações do Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ary dispõe de dois laboratórios e transporta 25 pesquisadores - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Navio conta com avançados aparelhos de oceanografia - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Guindastes içam até 17 toneladas - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ary Rongel transporta de grandes contêineres a veículos - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Cada Operantar é marcada com um pinguim na proa do Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Cozinha abastece 94 pessoas a bordo do Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Tripulantes também têm direito a entretenimento a bordo - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Para não perder a forma com a comida calórica que o frio exige, há academia de ginástica - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Galeria do Ary Rongel exibe placas comemorativas às Operações Antárticas - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Tripulantes dão as boas-vindas no Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Comandante Marcelo Seabra recebe convidados em seu camarote - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Fã do Fluminense, comandante do Ary Rongel, Marcelo Seabra, exibe brasão do time em seu camarote - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Passadiço do Ary Rongel é mais modesto, mas não menos eficiente que o do Max - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Do passadiço comandante orienta navegação - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Marcelo Seabra diz que trabalho na Antártida é gratificante - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Para o comandante do Almirante Maximiano, Pinto Homem, convivência com pesquisadores é recompensa - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Do passadiço do Max, horizonte sem fim rumo à Antártida - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
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