Não se engane com a cor, o cheiro e a aparência do Rio Capibaribe nos 30 quilômetros que se estendem da Várzea ao Centro do Recife, considerando 15 quilômetros em cada uma das margens. Pelo menos sete espécies de répteis, nove de mamíferos, 40 de aves, dez de crustáceos-moluscos e 24 de peixes habitam o Capibaribe e sua orla, desafiando poluição e lixo.
O levantamento da fauna (não da quantidade, mas da diversidade, feito por amostragem) é uma das etapas do projeto do Parque Capibaribe – Caminho das Capivaras, área de lazer prometida pela prefeitura para esse trecho do rio. De março a junho de 2014, pesquisadores percorreram a região e avistaram raridades como a garça-azul (Egretta caerulea), difíceis de serem observadas porque a população é rarefeita, atrás do Palácio do Governo, no Centro.
Em uma das expedições, os biólogos presenciaram o nascimento de capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) dentro de um bueiro, perto do Parque de Santana, na Zona Norte. Maior roedor do mundo, é ele quem dá nome ao rio. Capibaribe, na língua tupi, significa rio das capivaras. Grupos de quatro a seis mamíferos foram vistos da Várzea à foz, para surpresa dos pesquisadores.
Herbívoras, as capivaras se alimentam de gramíneas e ficam mais visíveis no fim da tarde ou no começo da manhã, quando saem em busca de comida. Os animais foram registrados até na água salobra.
O Capibaribe abriga jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris), réptil ameaçado de extinção; lontra (Lutra longicaudis); a minúscula andorinha-do-rio (Tachycineta albiventer); e ninhais onde a vegetação é castigada. A despeito do esgoto sem tratamento despejado no rio, há peixes como camurim (Centropomus spp.) e carapeba (Eugerres brasilianus) em toda a extensão do futuro parque.
“Começamos o trabalho com a ideia de um rio semimorto e não há nada mais vivo do que o Capibaribe, encontramos um refúgio de animais”, destaca Maria Adélia Oliveira, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Ela divide o estudo com outros quatro biólogos da Universidade Federal de Pernambuco, Parque Estadual Dois Irmãos e Centro de Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna).
É no bairro da Várzea, na Zona Oeste, onde se concentra a maior diversidade de bichos. “Isso acontece porque a Várzea ainda preserva áreas de mata consideráveis”, comenta Leonardo Melo, biólogo do Parque Estadual Dois Irmãos. Nos bairros da Iputinga, Cordeiro, Torre, Madalena, Ilha do Retiro e Ilha Joana Bezerra, mais urbanizados, quase não se vê peixes e mamíferos.
“As capivaras estão em todo canto porque se aproveitam dessa urbanização. Elas se escondem na vegetação do mangue e por trás dos muros dos edifícios construídos na beira do rio”, diz ele. Com a vantagem de voar e de deslocar pelas árvores da beira do rio e das praças próximas, as aves também estão presentes em todo o percurso.
No entendimento de Leonardo Melo, o parque possibilitará o reencontro da cidade com o rio. “Nós, moradores do Recife, somos todos ribeirinhos. O projeto permitirá não só a contemplação da fauna, mas o resgate da identidade. As pessoas vão se identificar com o pescador que sacode a tarrafa de cima da ponte e com as meninas que catam marisco no Capibaribe, porque faz parte da nossa vida”, declara.
Nós, moradores do Recife, somos todos ribeirinhos. O projeto permitirá não só a contemplação da fauna, mas o resgate da identidade
diz Leonardo Melo, biólogo do Parque Dois Irmãos
A diversidade de animais, de acordo com Maria Adélia e Leonardo, pode ser maior. “Fizemos um diagnóstico rápido, consultando especialistas, para subsidiar os arquitetos que irão propor intervenções nas margens do Capibaribe.” O parque prevê áreas de convivência ao longo do rio, interligando as praças vizinhas ao curso-d’água, além de ações para melhorar a mobilidade.
“É um projeto com dimensão urbanística e ambiental. Uma das propostas é restabelecer as margens do Capibaribe com vegetação nativa de mata atlântica e devolver as condições ambientais adequadas à vida dos animais. Com o plantio de árvores, vamos oferecer mais opções para as aves se espalharem, porque estaremos reduzindo a falta de comunicação entre o rio e as praças”, reforçam os biólogos.
Para Maria Adélia, a cidade pode, sim, voltar os olhos para o Capibaribe na situação em que ele se encontra agora. “A população pobre já usa o rio, no dia a dia, com atividades de pesca e também para o lazer”, afirma a professora.