Há cerca de 20 anos, o diagnóstico de glaucoma era visto como uma sentença de cegueira. Naquela época, não existiam exames, cirurgias ou medicamentos precisos para tratar a condição. “Os colírios eram fracos, incompetentes. Os exames não conseguiam medir se o glaucoma estava estacionado ou evoluindo. Era uma época com poucos recursos”, explica o oftalmologista Álvaro Dantas, do Instituto de Cirurgia Ocular do Nordeste (Icone).
Ainda hoje, o glaucoma é uma das principais causas de cegueira irreversível e estima-se que atinja pelo menos um milhão de pessoas no Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Glaucoma. No entanto, os diagnósticos hoje em dia podem ser precoces e os exames, certeiros. Quanto ao tratamento, é possível controlar e até estacionar a evolução do problema com colírios eficazes e procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos.
Glaucoma é uma condição que afeta o nervo óptico, responsável por levar a informação visual ao cérebro, e pode causar perda gradual da visão. O principal motivo dessa degeneração é o aumento da pressão intraocular, provocada muitas vezes por um problema no escoamento de fluidos. Uma importante inovação é a chegada do iStent, menor implante do mundo, que visa diminuir essa pressão intraocular. O Icone foi o primeiro do Norte-Nordeste e um dos primeiros do país a pôr em prática esse tipo de cirurgia, que teve início na última sexta-feira (30), no Instituto.
“Esse aumento de pressão vai danificando as fibras do nervo óptico. Com a oxigenação ruim, as células nervosas vão morrendo. E fibra nervosa não se regenera. Por isso, é uma doença que não tem cura”, explica dr. Álvaro.
Pelo fato de a fibra nervosa não se regenerar, o implante (e todos os outros tratamentos disponíveis) não tem o poder de fazer a doença regredir, apenas diminuir a pressão ocular e estacionar seu avanço. O iStent é uma recente inovação que pode se tornar um substituto para procedimentos cirúrgicos mais invasivos e perigosos e, com a popularização do método, pode até mesmo vir a substituir o uso de colírios.
A ideia do implante é muito semelhante à do stent cardíaco: no coração, você coloca uma prótese dentro do vaso obstruído para que o sangue possa fluir. No olho é quase a mesma coisa. O stent é colocado no canal de Schlemm, onde o líquido está encontrando dificuldades para sair. O implante cria um canal para que o escoamento seja mais eficiente, diminuindo assim o acumulo de líquidos e, consequentemente, a pressão intraocular.
“O olho está o tempo todo produzindo líquido, e esse líquido sai o tempo todo pelos canais periféricos. Daqui a pouco, não se sabe a causa, começa a obstruir e o líquido começa a sair com dificuldades. A pressão começa a subir”, explica.
“O iStent canaliza o fluxo. É um procedimento extremamente simples, minimamente invasivo, com riscos muito baixos”, defende Álvaro Dantas. Apesar de ser uma tecnologia muito recente para o Brasil, o iStent já está disponível em 35 países. Mais de 300 mil implantes já foram realizados em todo o mundo.
O problema pode afetar qualquer faixa etária, desde crianças até idosos. É normal, porém, que ele vá evoluindo com a idade. Estatisticamente, é mais comum em pessoas negras, diabéticas e hipertensas.
Por ter características genéticas e hereditárias, é muito difícil prevenir. O que se pode fazer é prezar pelo acompanhamento médico. “É impossível evitar o glaucoma. O que depende de você é ir ao médico. Se você não faz uma medicina preventiva, você não vai detectar a doença cedo. Ela é assintomática”, alerta Álvaro. Ou seja: só mesmo em consultório, através de exames, é que o aumento da pressão e lesão ao nervo óptico podem ser detectados. Quando o paciente começar a sentir algum incômodo decorrente do glaucoma, é porque a doença já está avançada. “Ele começa a sentir que não está vendo de lado. Começa a bater nas pessoas, tombar, não ver o copo, derrubar. Quando vai ver, está lá o nervo óptico todo destruído”, relata o oftalmologista.
Um dos primeiros pacientes a receber o implante no Norte-Nordeste foi o representante comercial Adilson José de Assis, de 48 anos. “Eu não sabia que tinha glaucoma. Fiquei bastante assustado, mesmo depois de o médico me explicar o que era. Só me tranquilizei quando soube que poderia controlar a doença”, explica o paciente. Desde que descobriu o glaucoma, Adilson vem utilizando colírios pra diminuir a pressão intraocular. Depois da cirurgia, é possível que ele não precise mais usar os medicamentos, que são caros, costumam irritar os olhos e se tornam uma obrigação diária (dependendo do caso, são mais de 5 gotas por dia), o que frequentemente compromete a aderência ao tratamento clínico. “Não me incomodo de usar os colírios, mas se eu puder deixar de usá-los, vai ser melhor. Eles custam muito caro e são pequenos, só 5 ml”, pontuou.
A família de Adilson tinha histórico de glaucoma. A sorte é que ele obedecia muito bem aos médicos desde sempre. Míope, tinha o costume de visitar o oftalmologista de confiança pelo menos uma vez por ano. Ele sabe que essa atitude fez toda a diferença na hora de fazer o diagnóstico e o tratamento. “Se eu não fosse sempre, talvez não tivesse descoberto cedo. Talvez não desse tempo para mais nada. Eu diria para qualquer um: procure um oftalmologista”, aconselha.