Conselho Universitário da UFPE manifesta-se contra o Future-se

A instituição afirma que a proposta, como está apresentada, ''contraria os princípios da autonomia universitária e o compromisso de democratização do ensino superior''
JC Online e Estadão Conteúdo
Publicado em 26/08/2019 às 20:47
A instituição afirma que a proposta, como está apresentada, ''contraria os princípios da autonomia universitária e o compromisso de democratização do ensino superior'' Foto: Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem


A Universidade Federal de Pernambuco, por meio do Conselho Universitário, manifestou-se, nesta segunda-feira (26), contra a atual versão do Future-se, uma das grandes apostas do governo Jair Bolsonaro na área da Educação. Em nota pública, a instituição afirma que "a proposta de projeto de lei, como está apresentada, contraria os princípios da autonomia universitária e o compromisso de democratização do ensino superior". A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), com sede em Petrolina, no Sertão pernambucano, foi a primeira universidade do Estado a se posicionar contra o programa.

O Ministério da Educação (MEC) anunciou no dia 17 de julho um plano que prevê um aporte de R$ 102,6 bilhões para as universidades federais, menos da metade do recurso (R$ 50 bilhões) vindos do orçamento público. A principal aposta do Future-se é a formação de um funding que envolve o patrimônio da União, fundos constitucionais, leis de incentivos fiscais, recursos de cultura (Lei Rouanet) e até fundo de investimento imobiliário.

A UFPE destaca que "já possui experiência de boas práticas de governança, empreendedorismo, inovação e internacionalização, aliada às várias formas de parcerias com todos os setores da sociedade, sempre norteada pelo interesse público e o debate plural de ideias" e entende que "não lhe cabe, em hipótese alguma, renunciar à sua autonomia, repassando a sua gestão administrativa e orçamentária a uma entidade alheia à comunidade acadêmica."

Leia a nota do Conselho Universitário da UFPE

A Universidade Federal de Pernambuco, por meio de seu Conselho Universitário, reunido em sessão extraordinária no dia 26 de agosto de 2019, vem a público manifestar-se contrariamente à atual versão do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se, apresentado pelo Ministério da Educação e materializado em projeto de lei a ser remetido ao Congresso Nacional, considerando os princípios constitucionais que regem esta Ifes, comprometidos com os interesses democráticos do Brasil, dentre os quais se destacam os da autonomia universitária, do caráter público, gratuito e de qualidade do ensino superior, da admissão por concurso público, da diversidade do conhecimento e da pluralidade de ideias.

Inicialmente há de se consignar o caráter lacônico do projeto, que não explicita, de modo claro e transparente, as atividades de gestão a serem transferidas para a organização social contratada, a composição do comitê gestor, as diretrizes da política de internacionalização, os critérios de escolha dos fundos de investimento, entre outras questões relevantes para que se possa compreender adequadamente o funcionamento do modelo proposto. A UFPE já possui experiência de boas práticas de governança, empreendedorismo, inovação e internacionalização, aliada às várias formas de parcerias com todos os setores da sociedade, sempre norteada pelo interesse público e o debate plural de ideias.

Entende a Universidade que, ao remeter pontos relevantes para posterior regulamentação do Ministério da Educação, o projeto enfraquece o debate público sobre o tema e desconsidera a competência privativa do Congresso Nacional de aprovar as diretrizes da educação nacional, conduzindo a um modelo de excessiva centralização de poderes no âmbito do Ministério.

Por outro lado, é nítido que o programa pretende transferir a gestão dos recursos financeiros das Universidades e Institutos a uma organização social, escolhida pelo Ministério da Educação, permitindo-se entrever que essa entidade atuará, ainda, na gestão de pessoas, bens e serviços das instituições de ensino. Essa organização social, inclusive, poderá ser escolhida sem prévia chamada pública, prevendo-se a contratação de entidade que já desenvolva projetos junto ao Ministério da Educação.

Conquanto a Universidade Federal de Pernambuco nunca tenha se furtado ao diálogo interinstitucional, acerca de sua participação em projetos de interesse público e no debate sobre os meios de se aumentar a sua eficiência administrativa, suas decisões permanecem pautadas pelos estritos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. A UFPE analisará, à luz dos seus princípios, a versão que será enviada ao Congresso Nacional.

O art. 207 da Carta Magna é explícito ao assegurar às Universidades “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Esta prerrogativa não é um fim em si mesmo, mas um meio de se preservar a pluralidade de ideias, o livre pensar, o desenvolvimento científico e tecnológico, sem as amarras que lhes foram impostas no passado recente, nos anos da ditadura.

A autonomia universitária é uma garantia estabelecida em prol de toda a sociedade brasileira e não algo de que as Universidades possam livremente dispor.

Por tais motivos, a Universidade Federal de Pernambuco entende que não lhe cabe, em hipótese alguma, renunciar à sua autonomia, repassando a sua gestão administrativa e orçamentária a uma entidade alheia à comunidade acadêmica.

Repudia a Universidade, inclusive, a possibilidade de escolha de organizações sociais sem prévia chamada pública, além da possibilidade de pagamento de remuneração aos diretores dessas organizações. Essas mudanças seguem na contramão do decidido pelo Supremo Tribunal Federal e desnaturam a própria razão de ser dessas entidades sociais, pensadas como reunião de pessoas que desejam, voluntariamente, trabalhar em prol do interesse da coletividade. Caso aprovadas as alterações, recursos públicos poderão ser destinados ao pagamento desses diretores, escolhidos diretamente pelo Ministério da Educação, sem concurso público, sem prévia licitação, sem qualquer procedimento capaz de preservar a moralidade e a impessoalidade administrativas.

Embora textualmente se diga que a assinatura do contrato de gestão dependerá da anuência da universidade ou instituto, a Universidade Federal de Pernambuco alerta a comunidade, com ênfase aos seus representantes no Congresso Nacional, acerca dos riscos advindos desse projeto. A experiência brasileira demonstra o risco concreto de, caso aprovado o programa, em seguida proceder-se ao tratamento desigual entre as instituições aderentes e não aderentes, inclusive mediante o contingenciamento de seus recursos orçamentários. A proposta de projeto de lei, como está apresentada, contraria os princípios da autonomia universitária e o compromisso de democratização do ensino superior.

A Universidade também se opõe à securitização do seu patrimônio imobiliário, vez que subordiná-lo à lógica e aos riscos do mercado financeiro não condiz com as finalidades constitucionais das instituições de Ensino Superior. Expressa, por fim, a sua perplexidade com a proposta de se permitir aos hospitais universitários a celebração de convênios com operadoras de planos privados de saúde. Esse modelo, adotado no passado, marcou-se pelo tratamento diferenciado concedido aos pacientes dos planos de saúde, em detrimento da população mais necessitada, razão pela qual foi proscrito pelo Sistema Único de Saúde. A aprovação do projeto, neste item, representaria um evidente retrocesso nas políticas de atenção à saúde no país.

Em síntese, a Universidade Federal de Pernambuco permanece aberta ao diálogo, sobretudo no que tange a iniciativas que permitam ampliar o aporte financeiro e aperfeiçoar a gestão administrativa, no âmbito das instituições de ensino superior, e esclarece as razões pelas quais se opõe à atual versão do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se.

Ministro espera adesão de 1/4 das universidades 

O Future-se deve atrair inicialmente um quarto das 68 universidades federais do País. A projeção foi feita ao jornal O Estado de S. Paulo pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Segundo ele, a rejeição ao programa, manifestada recentemente por alguns reitores do País, vem do "pessoal militante politicamente", que são aqueles que "gritam e falam mais".

Marcelo Camargo/Agência Brasil

"Uma parte dos reitores veio do passado e tem ligação com PSTU, PSOL, PT, essa coisas maravilhosas. Mas tem uma parte que não é", disse Weintraub. "Esperamos adesão ao Future-se, em um primeiro momento, de um quarto dos reitores", afirmou o ministro

Ele não revelou quais instituições já sinalizaram ao Ministério da Educação (MEC) que apoiarão a iniciativa. Se a previsão se concretizar à risca, ao todo 17 universidades vão aderir à iniciativa de incentivar a chegada de recursos privados às universidades públicas. Weintraub chegou a classificar o programa como a "libertação das universidades federais".

Algumas instituições, no entanto, já indicaram que não concordam com a proposta tal como ela foi apresentada. Entre elas estão as federais do Rio (UFRJ), do Ceará (UFC), de Roraima (UFRR) e de Minas (UFMG). Elas argumentam que o projeto não é claro, fere a autonomia universitária e representa a submissão das unidades à lógica do mercado, entre outras críticas. Diante da repercussão, o MEC decidiu prorrogar em duas semanas a fase de consulta pública, que se encerraria no dia 15 de agosto. Segundo o secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Lima Junior, o adiamento foi feito a pedido dos reitores das universidades federais de São Carlos, Mato Grosso do Sul, de Lavras, do Oeste do Pará e do presidente do Sebrae. O texto ainda pode sofrer alterações antes de ser enviado ao Congresso Nacional, de acordo com a pasta.

Para a equipe de Weintraub, o Future-se é um caminho para que as universidades públicas tenham mais autonomia financeira. Na apresentação da iniciativa, a pasta afirmou que pretende tornar "mais eficientes práticas já existentes". A adesão ao programa não é obrigatória.

A ideia é levantar cerca de R$ 100 bilhões para Educação com iniciativas como venda de imóveis e lotes ociosos do MEC, remanejamento de recursos de fundos constitucionais e da Cultura (como os da Lei Rouanet) e o uso de organizações sociais. As chamadas OSs são organizações privadas sem fins lucrativos que já funcionam no Brasil em áreas como pesquisa, saúde e cultura. De acordo com a proposta do Future-se, elas fariam gerenciamento de recursos das universidades federais e participariam da administração de algumas atividades, fazendo até contratações.

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